Retorno ao Leopideas por um
choque, um trauma sem precedentes: a derrota do Brasil na semifinal da Copa do
Mundo de 2014, em Belo Horizonte, Minas Gerais, por 7 x 1 perante a Alemanha.
Mas para tentar fazer uma análise do impacto deste fato terei que dividir em
duas partes, uma para a razão e outra para a emoção.
Iniciando pela razão, tendo a
considerar o fato ocorrido como algo em certa medida antecipado. Sabíamos que a
maior probabilidade era de uma derrota para a Alemanha, em que pese esta ter
tido seus altos e baixos também durante a Copa, tínhamos clareza que sua equipe
tinha um arsenal maior à disposição. Não concebíamos, porém, que a derrota se
daria de forma tão acachapante.
Alguns motivos surgem, ao se dar
uma olhada com a cabeça mais fria. Duas correntes se digladiavam entre os
analistas esportivos, os especialistas de plantão: uma de que o Brasil deveria
tentar enfrentar de igual para igual os germânicos, pois somente assim poderiam
criar verdadeiras dificuldades para eles, dado que ainda não teriam tido sua
defesa devidamente testada durante o torneio. Outros, dentre os quais me
incluo, pregavam maior cautela – nas minhas palavras, “jogar como time pequeno,
trancado” – em função do maior poderio para criação de jogadas ofensivas pelo
nosso adversário.
No final das contas Felipão se
alinhou com o primeiro grupo e deu no que deu. Nossas linhas de defesa, talvez
à exceção do jogo contra a Colômbia – o que pode ter sido fatal para a miopia
de nosso treinador – disputaram um campeonato muito distantes umas das outras.
A própria inoperância do Fred é um exemplo deste defeito. Por estar isolado,
distante do meio de campo, viveu na esperança de lampejos do Neymar para deixa-lo
em condição de algum arremate final. Porém o craque do Barcelona não se
encontrava em campo contra a Alemanha.
Vivemos quase exclusivamente de
duas possibilidades: criatividade de nossos laterais – somente Marcelo se
destacou nesse quesito, mas é muito pouco para enfrentar toda uma equipe – ou então
lançamentos diretos de nossos defensores para nossos atacantes – Hulk, Fred e
Neymar/Bernard. Enquanto isso, do outro lado, enfrentávamos uma equipe
compacta, com toques rápidos – o tic-tac da Espanha ultraturbinado – que envolvida
facilmente nossa defesa, com o acréscimo de que não tinham pudor em finalizar,
diferentemente dos espanhóis, que mesmo no seu auge quase sempre preferiam
finalizar as jogadas na pequena área.
Em resumo, não tínhamos a mínima
chance e nos iludimos que a força da massa iria fazer a diferença. E se havia
alguma chance, a estratégia equivocada adotada tratou de enterrá-la
definitivamente. Porém, aí surge outra questão: essa derrota faz com que a
realização da Copa do Mundo em nosso território tenha sido um erro? Deve ela ser
objeto de uso pelos detratores do torneio a favor das teses defendidas
anteriormente – de que os recursos destinados para a Copa do Mundo deveriam ser
voltados para as necessidades básicas da população?
Inúmeras foram às vezes às quais
me vi envolvido em debates pelas redes sociais sobre o tema. Minha visão sempre
foi favorável à realização do campeonato, por ser este um antigo sonho de
qualquer amante do futebol – ter o maior torneio do planeta em seu próprio
país. Na edição anterior, na Copa de 1950, vivemos outro drama, que foi a
derrota por 2 x 1 na final contra o Uruguai. Havia, assim, a esperança de que
nesta nova edição pudéssemos exorcizar este fantasma de uma vez por todas, mas
não com um trauma maior (o que é relativo, dado que naquela Copa éramos
franco-favoritos, enquanto nesta já éramos vistos como zebras), mas sim com uma
conquista ao final. Muito provavelmente não teremos essa nova chance tão cedo.
É possível que eu, como meu pai, tenha que esperar passarem mais de 60 anos
para ter essa perspectiva de emoção novamente, o que me leva a ser,
necessariamente, um desses raros fenômenos de longevidade humana.
Ou seja, pelo lado esportivo,
mesmo com a derrota, não me restam dúvidas de que deveríamos, sim, ter buscado
ser sede. A Copa acabou se apresentando, inclusive, com um alto índice técnico,
jogos super-emocionantes, decididos ao final, ou até mesmo na prorrogação e na
disputa de penalidades. Pelo lado administrativo ainda estou convicto que muito
foi iniciado por conta da alavanca que a Copa apresentou, porém, é claro, não
sou cego à má administração de recursos, que por vezes se viram escoados para
suportarem obras com valor absurdo. De outro lado, também acredito, tal qual o
discurso governamental, de que os valores destinados para as necessidades da
população estavam reservados e à salvo do desvio para outros rumos por conta da
competição. Assim, os orçamento da educação, saúde e segurança em nenhum
momento foram ameaçados. O que reforça o meu argumento mais utilizado: quero
que todas estas necessidades sejam atendidas, assim como também quero e entendo
ser meu direito enquanto cidadão, de ter também um lazer de qualidade
garantido. E a Copa do Mundo se apresenta como uma grande oportunidade para
isso – além de todo o aspecto econômico de inflar o turismo, atrair
investimentos, etc.
Por isso não consigo compreender
que os proprietários do slogan “Não Vai Ter Copa” se regozijem com a derrota,
em campo, da seleção brasileira. Como afirmei para amigos próximos, torço e
sempre torcerei pela seleção, quaisquer que sejam as circunstâncias. Tenho esse
lado que alguns consideram piegas, o do patriotismo, sou assim, obrigado.
Questões políticas são e devem ser resolvidas nas urnas, com votos conscientes,
com campanhas que apresentem plataformas sérias e positivas de construção de
uma sociedade igualitária, respeitadora das leis e que possa construir
oportunidades para todos os seus. O lado esportivo não deveria ser afetado por
este aspecto.
Well, até agora fiquei com o meu
lado racional. Agora vou para a emoção. Obviamente que no dia 08 de Julho
fiquei estupefato como tantos de nós. Porém, nas palavras de uma colega de
trabalho, “após o 3º gol ficamos meio que anestesiados”. Passei a observar as
reações dos meus diversos grupos de amigos via celular, alguns com tiradas
engraçadíssimas, outros com lamentações e análises esportivas. Mas creio que
ali, naquele momento, a ficha emocional ainda não tinha caído.
Passada a partida, minha primeira
reação foi a de não querer ouvir nenhuma declaração dos participantes daquela
tragédia esportiva. Dessa forma, estava dado o exemplo de como aquilo havia me
afetado: eu não tinha condições e nem mesmo vontade de ver a tristeza e
explicações para o inexplicável deles. A dor deles estava sendo a minha. Com
muita dificuldade assisti os depoimentos de Júlio César e David Luiz, ambos às
lágrimas, ainda em campo. O primeiro emocionou de tal forma o repórter – Tino Marcos
– que este ficou com a voz também embargada.
Fui ler um livro, contrariamente
dos outros dias da Copa, quando após atualizar o Bolão que organizo no
trabalho, ia diretamente ouvir e ver as resenhas esportivas nos canais de TV a
Cabo. Após adiantar a leitura e cochilar um pouco, jantei e, enquanto escovava
os dentes, me dei o direito de tentar ver como estava o clima nos programas
esportivos. A ESPN Brasil, a qual já foi objeto de análise da minha parte neste
mesmo blog, continuava sua linha dura para com a seleção. Mauro Cézar Pereira
bradava em alto e bom som que esperava que nunca mais o Felipão, o Murtosa e o Parreira
assumissem a seleção. O José Trajano fazia ironia, comparando a atuação de Júlio
César a do goleiro alemão, Manuel Neuer, citando a defesa que este último o fez
no jogo das quartas de final contra a França, defendendo um chute do atacante
francês Karim Benzema no último minuto. Ora, será que o cronista não percebeu
que as circunstâncias eram totalmente distintas? Júlio César, no lance do
último gol – Schuerer – já se encontrava moralmente batido, enquanto o goleiro
alemão disputava então uma partida super-equilibrada, fato que faz com que a
adrenalina fique no seu nível máximo, turbinando o metabolismo e deixando os
reflexos mais apurados? Ou seja, o estilo “jogar pedra” e se regozijar com a
derrota permaneceu. Realmente não dava para acompanhar. Passei para um canal de
filmes, e assisti um daqueles, estilo “água com açúcar”, até dormir.
No dia seguinte, trabalhar. Tomei
a barca cedo, na perspectiva de uma reunião que se aproximava. Não queria ouvir
ninguém comentando sobre o jogo em meio a multidão, então tentava desviar a
minha atenção daqueles grupos de pessoas que praticavam um dos esportes humanos
mais comuns, que é o de rir da desgraça alheia. Em dado momento, de pé na
barca, fechei os olhos e fiquei rezando, somente me dando conta então do peso,
da carga que levaria enquanto torcedor para os anos – que deverão ser longos –
vindouros. Quatro derrotas anteriores exemplificam isso: a de 50, já citada, e
mesmo que não vivida pessoalmente, era por mim sofrida, tão lembrada que era a
todo momento pelos vizinhos uruguaios; a de 82, na qual o sofrimento se dá pelo
potencial da seleção que possuíamos, e não tanto pela ação de nossos carrascos,
reconhecedores que são do feito alcançado naquela ocasião; a de 90, tão
relembrada pelos argentinos, nossos arquirrivais no futebol – como eu lamento o
Alemão não ter dado uma banda no Maradona quando teve oportunidade... -; e a de
98, objeto de um gesto dos franceses, de abrir a mão com os três dedos à
mostra, denotando a sova que nos haviam aplicado na final daquela Copa. Pois
bem, espero que os alemães tenham mais espírito esportivo – tocados pela
cerveja e euforia os torcedores alemães, no próprio Mineirão, cantavam “Rio de
Janeiro” e “Brasil”, este último em ironia, ao final do jogo – no porvir, para
que não tenhamos motivos adicionais para relembrar desta humilhação.
Ou seja, emocionalmente estou
tocado. Sei que isto é apenas esporte, que o lado racional diz que existem
coisas mais importantes na vida, mas sou assim. Amo de paixão o futebol, o
acompanho desde pequeno, ele é parte intrínseca da minha vida. Vou sentir esse
fardo pesar durante muito tempo. Uma grande amiga uruguaia me ligou e eu
simplesmente lhe disse: “Não estou autorizado a falar sobre futebol, hoje”.
Pode ser que esse “hoje” se prolongue por muito tempo. Espero que não. Mas
levando-se em conta que nossa maior derrota até então era um 6 x 0 para o
Uruguai, em 1920, não nutro muitas esperanças de um troco à altura enquanto
estiver vivo.
Sei que a vida nos prega peças,
que por vezes somos surpreendidos, mas espero que na próxima seja por um motivo
de alegria. Vai ser duro assistir uma partida da seleção de agora em diante.
Deus queira que eu esteja errado e isso passe rápido, que uma nova mentalidade
surja e que passemos a jogar um futebol moderno, de toques de primeira, ocupando
os espaços, sem depender tanto das individualidades. A Espanha dominou o
futebol durante 08 anos assim e teve o seu modelo aprimorado pela Alemanha. Resta-nos
aprender esta lição para que tenhamos nossos corações apaziguados o mais
rapidamente possível. E pensar que tem Copa América no Chile, no ano que vem.
Já posso até imaginar qual será o mote das torcidas adversárias. Mas tudo
passa. A nossa hora virá.