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quinta-feira, 24 de novembro de 2011

DOMESTICAÇÃO

Na National Geographic de Março/2011 – vocês já devem ter percebido que eu a tenha utilizado como referência inúmeras vezes para alguns dos meus posts. Esta foi verdadeiramente emblemática – uma das reportagens mais interessantes se denomina “Selvagens em Casa” – págs. 36-61. Esta vem a tratar das pesquisas empreendidas pelo homem através dos tempos voltadas para sua capacidade de domesticação de animais selvagens.

Nesta especificamente o exemplo dado foi a da domesticação de raposas. Isso mesmo, raposas. Estas pesquisas foram bem sucedidas, tendo na Rússia um dos seus pólos centrais, mais exatamente na longínqua e fria Sibéria, no Instituto de Citologia e Genética de Novosibirsk. O fato dos cientistas russos, após décadas de pesquisa, ter evidências claras da capacidade de domesticação desenvolvida pelo homem ao longo dos séculos me trouxe o seguinte questionamento: se somos tão inteligentes para dobrar o que a natureza nos propõe – em que pese a própria de quando em vez nos demonstrar que não foi dobrada e que pode nos sobrepujar com uma simples rajada de vento, digamos – como ele próprio não se domesticou o suficiente para facilitar o seu convívio com seus iguais?

Esse meu questionamento pode ser observado tanto no nível micro quanto no nível macro. No nível micro temos milhares de exemplos de convivência em família construídos de maneira desequilibrada, em que as pessoas mais se suportam, se toleram, do que verdadeiramente se amam. O embate entre dois seres dotados de inteligência e com seus respectivos livres-arbítrios à flor da pele é um verdadeiro desafio para a capacidade do homem de se auto-domesticar.

Quando observamos os nossos animais de estimação, alguns tidos como bons espécimes que contribuem para o nosso bem-estar psicológico pela simples convivência, não nos damos conta de que o modelo de proximidade esteja tão perto de nós. Porque somos mais tolerantes com o cão que faz xixi na sala do que com o marido que deixa a toalha molhada em cima da cama? Ou com a esposa que prefere assistir à novela ao telejornal preferido?

As situações expostas acima podem até ser entendidas como tolas, triviais por demais para uma análise séria. Acontece que estas são meros fatos associados à rotina do dia a dia. Sabemos que no relacionamento de um casal existem questões mais pesadas que nos afetam mais a fundo. Mas sermos minados por bate-bocas a respeito de aspectos menores, que somente o são percebidos assim quando olhados à distância, também contribuem enormemente para o crescimento de um sentimento de dívida mútua entre os parceiros. Isso poderia ser catalogado como um relacionamento saudável?

Quando os cientistas russos passam para o processo de seleção genética, afastando as raposas mais reativas do convívio com o ser humano, e estimulando o cruzamento das mais dóceis, alcançaram com o passar dos anos gerações destes animais felpudos que podem ser tratados como os cães domesticados – e estes o foram muito antes, partindo dos lobos.

Com os seres humanos não há como fazer tal experimento. Somos atraídos por características físicas e emocionais superficiais, que serão aprofundadas a partir do relacionamento de caráter continuado. Porém negamos sempre que a dívida na verdade é de nós para conosco mesmo. A escolha foi nossa, e os problemas não podem ser debitados ao parceiro.

Em relação ao nível macro, temos o relacionamento entre povos, sendo, claro, o mais emblemático dilema o existente entre judeus e palestinos. Tal rixa é vinculada a questões históricas e religiosas a princípio de difícil resolução. Isto porque nenhum dos dois lados levanta a mínima hipótese de ceder para que o bom convívio seja estabelecido. Não haverá vencedores absolutos nesta questão, como não existem em nenhuma guerra.

Alguns poderiam alegar que é da natureza do homem guerrear por território. Teríamos a Guerra dos Bálcãs como outro exemplo para ser rememorado. A imposição de uma única nação sobre distintas etnias tem ligação com a necessidade da sociedade humana em estabelecer limites geográficos e legais para regulamentar sua convivência. Mas levar em conta a história de todo um povo deveria necessariamente ser um dado da equação antes de algumas definições políticas. Além disso, a predisposição para se ceder de parte a parte deveria ser a postura negociadora desde o princípio.

Mas esta avaliação racional não cabe quando falamos de natureza, instinto. Porém, o homem se especializou em aplicar tal abordagem nos animais selvagens. E estes cederam, pela simples oportunidade de poder estar ao lado daquele que lhes dá tantas benesses. Benesses que não são concedidas para os seus iguais. E aí o argumento de que existe uma natureza que não pode ser mudada se perde. Então lhes pergunto: quem seriam os verdadeiros selvagens? E quem foi domesticado? Os animais, por puro instinto, domesticaram o homem, e não o contrário?

terça-feira, 15 de novembro de 2011

CARNAVAL

Segunda feira de Carnaval. Manhã nublada. Caminho pela praia, acompanhado da minha família. Peço licença para ficar num determinado ponto do calçadão, enquanto os demais continuam seu exercício matinal, para ler um livro, aproveitando a tranqüilidade do ambiente – poucos são os foliões que se atrevem a acordar cedo durante o período de festas carnais.

Em meio a minha leitura, dois rapazes que estavam a caminhar também param próximos para um breve descanso entremeado de uma rotina de práticas de alongamento. A conversa entre os dois se desenrola da seguinte forma:

A – Viu os desfiles ontem?
B – Nada! Já tô meio cansado dessa rotina de carnaval. É tudo a mesma coisa, todo o ano!
A – Eu também não. Prefiro assistir uns filmes ou procurar outras coisas para fazer.
B – Mas te digo uma coisa: a apuração eu assisto amarradão. Faço até pipoca!
A – Pois é rapaz! Também acho que a maior emoção do carnaval hoje em dia é a apuração. O locutor sabendo que a maioria tá torcendo pela Mangueira dá aquele grito: “Maaaangueira: 10, nooota 10!”.
B – E o pior é que quando grita: “9, nooota 9” já vem aquele xingamento: “Filho disso, filho daquilo” como se ele fosse o culpado!

Nesse momento me desliguei da conversa, mas passei a avaliar as palavras que tinha acabado de ouvir. A evolução do Carnaval enquanto produto turístico há muito já é criticada por ter perdido suas raízes. Mas aí estamos falando apenas de um dos aspectos dos festejos, que é o desfile das escolas de samba. Reconhecidamente o ponto alto, mas não apenas único dos dias em que o povo se entrega à alegria de cantar e confraternizar com os amigos.

Devo dizer que eu, particularmente, não sou muito chegado ao Carnaval. Prefiro aproveitar esses dias para descansar, atualizar minha leitura, escrever, ver filmes, etc, ou seja, me desligar um pouco da rotina pesada que vivemos no dia a dia normal de trabalho. Porém respeito aqueles que gostam do sacolejo e do balacobaco, afinal, cada um descansa do jeito que quer, e se alguns preferem percorrer o circuito de blocos durante o dia, pulando e cantando debaixo do sol, para depois passar a noite inteira acordados no Sambódromo, é porque estão com disposição para tanto.

De toda forma, pelo menos por duas vezes, durante este período, sou obrigado a me curvar às circunstâncias: na matinê anual – chamo de anual porque, ainda bem, é apenas 1 vez por ano – e na apuração - na qual devo concordar com os dois rapazes acima, é um momento singular de expressões e performance dos dirigentes das escolas, que se não bastasse a emoção própria daquela ocasião, se contorcem conscientes, nessa era das celebridades instantâneas, das câmeras de televisão ali presentes.

Com relação à matinê, este ano cheguei à conclusão sobre os perfis predominantes entre seus participantes: os pais participantes compulsórios, em sua maioria se reservam o direito de ficar instalados nas mesas ao redor do salão, perguntando-se o que estão fazendo ali; as mães se esbaldam ao som da banda contratada, que canta não somente os sambas, mas também as músicas típicas do Carnaval baiano, e assim elas têm a oportunidade de relembrar momentos passados ou até mesmo não vividos; e as crianças estão mais preocupadas em juntar os confetes e serpentinas, para jogar umas nas outras, e a consumir o que for servido de tempos em tempos, quando param estrategicamente para repensar a estratégia a fim de atingir o próximo alvo. É claro que existem exceções, mas a fauna característica é essa, e tenho dito!

Voltando à apuração, é impressionante como todos falam que o seu desfile foi lindo, maravilhoso, e que este ano não tem para ninguém. Logo depois descobrem que os jurados observaram aquela fantasia que estava meio rasgada; a evolução prejudicada, gerando buracos na escola; o mestre-sala e a porta-bandeira que não se apresentaram condignamente representando o pavilhão da escola; etc. Uma diferença de 0,5 ponto dá a vitória para uma ou outra escola, e a Portela fica mais um ano sem ganhar, mesmo assim permanecendo como a maior vencedora do Carnaval carioca! Evoé, Momo, está na hora de Morfeu assumir o seu lugar!

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

PROMESSAS

Promessas são para os fortes
Para os que têm escolhas
Promessas por vezes oprimem
Por vezes obrigam.

Promessas
Estamos presos a elas
Ou são forças libertadoras
Que nos auxiliam nos momentos de angústia?

Promessas
Aos anjos e santos
Promessas ao Divino
Ao Poder que tudo transcende.

E quando o prometido
Comprometido
Está além de nossas forças
O que fazemos?
Prometemos.

Lutar não deveria ser uma hipótese
Lutar deveria ser uma obrigação
De nada valem as promessas
Se não lutamos, se não superamos
O que nos causa opressão.

A vida segue
Cada passo que damos
Remete-nos a uma nova porta
A uma nova oportunidade
A uma nova promessa.

Mas o que são promessas
Senão juras de amor
Para consigo próprio?

Se não as cumprimos
O que fazemos?
Prometemos.

Mas tais promessas
Secundárias e terciárias
Serão levadas em consideração
Ou em comiseração?

Para prometer
É preciso ser forte
É preciso ser consciente
É preciso contar com o Onisciente
É preciso estar presente
É preciso se dizer potente
Contanto que se almeje
E não se apenas tente.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

ALASCA A PÉ

Quantas vezes nos perguntamos se somos capazes disso ou daquilo? Tarefas mínimas nos parecem como gigantescas montanhas a escalar. Olhamos para o que temos a fazer e não imaginamos como conseguiremos chegar ao fim daquilo. Esportes normalmente têm milhares de metáforas para a superação. Mas a história que vou descrever aqui talvez não possa ser considerada um mérito esportivo, mas sim uma epopéia pelo autoconhecimento. Se superação é uma palavra suficiente para o que vou descrever a seguir, somente vocês poderão me dizer ao final.

Ao comprar a National Geographic Brasil, de Março/2011, instigado pela colega Rachel Bottrel principalmente por duas matérias que envolviam a Guerra do Sudão e a nova era que homem está vivendo – Antropoceno – me deparei com pelo menos um par de outras histórias tão interessantes quanto. Uma delas é a de Andrew Skurka.

Andrew Skurka, o desafiador de limites, no Alaska


O título da matéria era “Volta ao Alasca em 176 Dias”. Pensei eu: vem aí mais um desses malucos que gosta de fazer trilha ou então é a descrição de uma corrida de aventura com equipes supergabaritadas fisicamente e que superam as condições da limitação que o ser humano tem para enfrentar as intempéries da natureza. Porém a chamada da reportagem já dava a dimensão do que estava por vir: “Ninguém jamais tinha feito isto: percorrer 7.530 quilômetros a pé, de esqui e de bote, atravessando oito parques nacionais, dezenas de cordilheiras e a região do Yukon de ponta a ponta. Aí apareceu Andrew Skurka”.

Para vocês terem uma idéia de como as dimensões do que era ali apresentado minimamente já eram impactantes para mim, tenho como padrão de distância – e cada um tem o seu, pensem um pouco e descobrirão sua referência pessoal – uma viagem Rio - São Paulo, em torno de 400 Km, que de ônibus leva uma média de 6 horas. Qualquer distância superior a isso para mim é uma viagem deveras longa – e de ônibus! Só de pensar no feito eu já ficava cansado.

Minha admiração apenas fez crescer quando soube de detalhes do desafio vencido. “Dias de caminhada ou navegando com os pés secos: 20 em 118 / Maior distância sem ver nenhuma estrada: 1.057 Km / Maior período sem ver outro ser humano: 24 dias” (grifos nossos - pág. 87). Poderia-se imaginar que este é um meio pelo qual ele buscava reconhecimento ou fama para sustentar uma vida de dificuldades. Mas Skurka não está vinculado a tais estereótipos. Teve uma criação com tudo de bom, com direito a boas faculdades e uma promissora carreira em Wall Street. Mas, de repente, um clique o fez ver que aquilo tudo não era o centro do mundo. Aí se inicia a verdadeira saga pessoal deste homem, que buscava o sentimento de ser, simplesmente isso, ser.

Para se ter uma idéia do que ele se propôs a partir de 1999 seguem aqui alguns de seus feitos: o início de tudo - jornada a pé por 3,5 mil km da Trilha dos Apalaches; andar 11.064 Km traçando um enorme arco pelo oeste americano – em média 53 Km/dia; e caminhar 12.517 Km, da costa do Atlântico em Quebec até a costa do Pacífico em Washington (Rota Mar a Mar) – pág. 89. Como se pode perceber, o meu padrão de distância é fichinha para esse cara. Somente isto já poderia ser uma lição de superação, mas o que ele buscava era uma lição de humildade. E isto está espelhado de maneira primorosa nos 3 últimos parágrafos da reportagem a qual estou me referenciando aqui neste post. Vejam abaixo os principais trechos:

“Por dois dias os insetos o atormentavam. Depois veio uma tempestade, com rajadas de vento que quase arrancaram seu abrigo do chão. Seus suprimentos estão acabando, e ele se sente frágil, esmagado pela solidão e pela aspereza da paisagem. O que inicia a transformação, no meio disso tudo, é a súbita descoberta de que ele não precisa de mapas. A rota está evidente, traçada pela colossal manada de renas, um caminho tão antigo e pisoteado que parece quase uma estrada. (...) As lágrimas então voltam a rolar. ‘Sei lá por que estou chorando’, fala olhando para a câmera. ‘A visão desses caminhos me faz chorar... Sou igualzinho a esses bichos. Sou apenas uma criatura desta Terra’. (...) Não sei se aquele momento com as renas indica que ele encontrou algo mais profundo, mas, pelo tanto que viajou e pela dificuldade da jornada, não resta dúvida de que Andrew Skurka fez algum achado. ‘Eu me senti humilde’, conta. E essa pequena conscientização foi uma de suas maiores emoções”. (pág. 97)

Sugestão de Leitura:
National Geographic Brasil – Março/2011 - Volta ao Alasca em 176 Dias – KOEPPEL, Dan – págs. 84-97.
Para saber mais sobre Andrew Skurka e seus desafios ver http://www.andrewskurka.com/ .