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quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

ANTROPOCENO

Por várias vezes me vi interessado por filmes pós- apocalípticos, em que humanos têm que lidar com os escombros de sua interferência no planeta Terra, buscando a sobrevivência às custas uns dos outros. Alguns exemplos seriam a trilogia “Mad Max”, iniciada em 1979 e que teve Mel Gibson como astro principal; a série “Exterminador do Futuro”, que teve seu primeiro episódio em 1984, capitaneada por Arnold Schwarzenegger; e o mais recente – e por mim ainda não vista – “O Livro de Eli” (2010), tendo como protagonista Denzel Washington.

O que chama atenção em cada um destes é que existe uma perspectiva tremendamente negativa do impacto da humanidade sobre o planeta. Na comunidade científica esta Era de prevalência do homem vem sendo chamada de Antropoceno. Mesmo não sendo ainda uma unanimidade – e isto fica claro na reportagem da National Geographic Brasil (NGB) – edição Março/2011 – págs. 62-83 – tal nomenclatura ou honra a ser dada ao Homo Sapiens fica difícil ignorar que nós efetivamente estamos influenciando o meio que nos cerca.

O que me questiono é se as teorias cataclísmicas estão realmente mais próximas da verdade ou se ainda há tempo para revertermos um processo maléfico de deteriorização do ambiente em que vivemos. A reportagem da NGB tem um tom negativo, até mesmo pelas fotos nelas presentes – uma cidade árabe com seus arranha-céus em pleno deserto; uma praia da Toscana gerada a partir da poluição da indústria química circunvizinha; postos de exploração de petróleo na Califórnia, etc. Quando olhamos de uma perspectiva macro, parece-nos difícil deter tal tendência. Mas e se olhamos em termos micro, estaríamos cada um de nós tentando realmente paralisar tal processo?

Não vou começar aqui um discurso ecologista extremista. Até mesmo porque sendo bem sincero não é o meu perfil. Mas algumas pequenas atitudes tomo. Sempre jogo lixo na lixeira, tendo o cuidado de que quando existe uma destinação específica – papel, metal, orgânico – fazer a devida separação. Porém a estrutura de nossas cidades ainda não está suficientemente voltada para estas iniciativas – pelo menos no Brasil. Não desperdiço comida. O que vai ao prato será consumido. E algumas vezes consumo o que está nos pratos dos amigos – isso eles bem o sabem. Procuro deixar os ambientes com a luz apagada e desligo as máquinas da Academia que freqüento quando não as estou utilizando – é muito comum encontrar as esteiras com seus visores ligados, mesmo sem ninguém as utilizando.

É o suficiente? Claro que não. Mas eu não gostaria de olhar para daqui a duzentos anos e encontrar escombros de megacidades como sendo a única herança a deixar para os meus descendentes. Aí lhes faço uma outra pergunta: aquelas caixas do tempo que são enterradas vez em quando em jardins e solenidades, o que vocês gostariam que elas contivessem como lembrança do período atual? Elas contém, além de objetos dos dias de hoje, uma carta na qual apontamos nossos desejos para o futuro e até mesmo indicamos como este o será. Da minha parte ela seria assim constituída:

Camisas das seleções brasileiras de futebol e vôlei
Um livro
Um CD de música
Uma foto da minha família
Sementes
Um prato e talheres

Na carta eu desejaria que as lembranças ali contidas representassem o modo como a cultura mais me tocava, desejando que os homens do futuro ainda pudessem praticar esportes; ler um bom livro sem ser na tela do computador, mas editado em papel reciclado; pudessem ouvir uma boa música sem serem interrompidos pelo som de balas perdidas; que minha família tivesse uma descendência orgulhosa do futuro que foi plantado; e que se mesmo assim, nada disso existisse, que as sementes servissem para germinar o alimento que seria consumido com o prato e os talheres que lá se encontrariam.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

DOMESTICAÇÃO

Na National Geographic de Março/2011 – vocês já devem ter percebido que eu a tenha utilizado como referência inúmeras vezes para alguns dos meus posts. Esta foi verdadeiramente emblemática – uma das reportagens mais interessantes se denomina “Selvagens em Casa” – págs. 36-61. Esta vem a tratar das pesquisas empreendidas pelo homem através dos tempos voltadas para sua capacidade de domesticação de animais selvagens.

Nesta especificamente o exemplo dado foi a da domesticação de raposas. Isso mesmo, raposas. Estas pesquisas foram bem sucedidas, tendo na Rússia um dos seus pólos centrais, mais exatamente na longínqua e fria Sibéria, no Instituto de Citologia e Genética de Novosibirsk. O fato dos cientistas russos, após décadas de pesquisa, ter evidências claras da capacidade de domesticação desenvolvida pelo homem ao longo dos séculos me trouxe o seguinte questionamento: se somos tão inteligentes para dobrar o que a natureza nos propõe – em que pese a própria de quando em vez nos demonstrar que não foi dobrada e que pode nos sobrepujar com uma simples rajada de vento, digamos – como ele próprio não se domesticou o suficiente para facilitar o seu convívio com seus iguais?

Esse meu questionamento pode ser observado tanto no nível micro quanto no nível macro. No nível micro temos milhares de exemplos de convivência em família construídos de maneira desequilibrada, em que as pessoas mais se suportam, se toleram, do que verdadeiramente se amam. O embate entre dois seres dotados de inteligência e com seus respectivos livres-arbítrios à flor da pele é um verdadeiro desafio para a capacidade do homem de se auto-domesticar.

Quando observamos os nossos animais de estimação, alguns tidos como bons espécimes que contribuem para o nosso bem-estar psicológico pela simples convivência, não nos damos conta de que o modelo de proximidade esteja tão perto de nós. Porque somos mais tolerantes com o cão que faz xixi na sala do que com o marido que deixa a toalha molhada em cima da cama? Ou com a esposa que prefere assistir à novela ao telejornal preferido?

As situações expostas acima podem até ser entendidas como tolas, triviais por demais para uma análise séria. Acontece que estas são meros fatos associados à rotina do dia a dia. Sabemos que no relacionamento de um casal existem questões mais pesadas que nos afetam mais a fundo. Mas sermos minados por bate-bocas a respeito de aspectos menores, que somente o são percebidos assim quando olhados à distância, também contribuem enormemente para o crescimento de um sentimento de dívida mútua entre os parceiros. Isso poderia ser catalogado como um relacionamento saudável?

Quando os cientistas russos passam para o processo de seleção genética, afastando as raposas mais reativas do convívio com o ser humano, e estimulando o cruzamento das mais dóceis, alcançaram com o passar dos anos gerações destes animais felpudos que podem ser tratados como os cães domesticados – e estes o foram muito antes, partindo dos lobos.

Com os seres humanos não há como fazer tal experimento. Somos atraídos por características físicas e emocionais superficiais, que serão aprofundadas a partir do relacionamento de caráter continuado. Porém negamos sempre que a dívida na verdade é de nós para conosco mesmo. A escolha foi nossa, e os problemas não podem ser debitados ao parceiro.

Em relação ao nível macro, temos o relacionamento entre povos, sendo, claro, o mais emblemático dilema o existente entre judeus e palestinos. Tal rixa é vinculada a questões históricas e religiosas a princípio de difícil resolução. Isto porque nenhum dos dois lados levanta a mínima hipótese de ceder para que o bom convívio seja estabelecido. Não haverá vencedores absolutos nesta questão, como não existem em nenhuma guerra.

Alguns poderiam alegar que é da natureza do homem guerrear por território. Teríamos a Guerra dos Bálcãs como outro exemplo para ser rememorado. A imposição de uma única nação sobre distintas etnias tem ligação com a necessidade da sociedade humana em estabelecer limites geográficos e legais para regulamentar sua convivência. Mas levar em conta a história de todo um povo deveria necessariamente ser um dado da equação antes de algumas definições políticas. Além disso, a predisposição para se ceder de parte a parte deveria ser a postura negociadora desde o princípio.

Mas esta avaliação racional não cabe quando falamos de natureza, instinto. Porém, o homem se especializou em aplicar tal abordagem nos animais selvagens. E estes cederam, pela simples oportunidade de poder estar ao lado daquele que lhes dá tantas benesses. Benesses que não são concedidas para os seus iguais. E aí o argumento de que existe uma natureza que não pode ser mudada se perde. Então lhes pergunto: quem seriam os verdadeiros selvagens? E quem foi domesticado? Os animais, por puro instinto, domesticaram o homem, e não o contrário?

terça-feira, 15 de novembro de 2011

CARNAVAL

Segunda feira de Carnaval. Manhã nublada. Caminho pela praia, acompanhado da minha família. Peço licença para ficar num determinado ponto do calçadão, enquanto os demais continuam seu exercício matinal, para ler um livro, aproveitando a tranqüilidade do ambiente – poucos são os foliões que se atrevem a acordar cedo durante o período de festas carnais.

Em meio a minha leitura, dois rapazes que estavam a caminhar também param próximos para um breve descanso entremeado de uma rotina de práticas de alongamento. A conversa entre os dois se desenrola da seguinte forma:

A – Viu os desfiles ontem?
B – Nada! Já tô meio cansado dessa rotina de carnaval. É tudo a mesma coisa, todo o ano!
A – Eu também não. Prefiro assistir uns filmes ou procurar outras coisas para fazer.
B – Mas te digo uma coisa: a apuração eu assisto amarradão. Faço até pipoca!
A – Pois é rapaz! Também acho que a maior emoção do carnaval hoje em dia é a apuração. O locutor sabendo que a maioria tá torcendo pela Mangueira dá aquele grito: “Maaaangueira: 10, nooota 10!”.
B – E o pior é que quando grita: “9, nooota 9” já vem aquele xingamento: “Filho disso, filho daquilo” como se ele fosse o culpado!

Nesse momento me desliguei da conversa, mas passei a avaliar as palavras que tinha acabado de ouvir. A evolução do Carnaval enquanto produto turístico há muito já é criticada por ter perdido suas raízes. Mas aí estamos falando apenas de um dos aspectos dos festejos, que é o desfile das escolas de samba. Reconhecidamente o ponto alto, mas não apenas único dos dias em que o povo se entrega à alegria de cantar e confraternizar com os amigos.

Devo dizer que eu, particularmente, não sou muito chegado ao Carnaval. Prefiro aproveitar esses dias para descansar, atualizar minha leitura, escrever, ver filmes, etc, ou seja, me desligar um pouco da rotina pesada que vivemos no dia a dia normal de trabalho. Porém respeito aqueles que gostam do sacolejo e do balacobaco, afinal, cada um descansa do jeito que quer, e se alguns preferem percorrer o circuito de blocos durante o dia, pulando e cantando debaixo do sol, para depois passar a noite inteira acordados no Sambódromo, é porque estão com disposição para tanto.

De toda forma, pelo menos por duas vezes, durante este período, sou obrigado a me curvar às circunstâncias: na matinê anual – chamo de anual porque, ainda bem, é apenas 1 vez por ano – e na apuração - na qual devo concordar com os dois rapazes acima, é um momento singular de expressões e performance dos dirigentes das escolas, que se não bastasse a emoção própria daquela ocasião, se contorcem conscientes, nessa era das celebridades instantâneas, das câmeras de televisão ali presentes.

Com relação à matinê, este ano cheguei à conclusão sobre os perfis predominantes entre seus participantes: os pais participantes compulsórios, em sua maioria se reservam o direito de ficar instalados nas mesas ao redor do salão, perguntando-se o que estão fazendo ali; as mães se esbaldam ao som da banda contratada, que canta não somente os sambas, mas também as músicas típicas do Carnaval baiano, e assim elas têm a oportunidade de relembrar momentos passados ou até mesmo não vividos; e as crianças estão mais preocupadas em juntar os confetes e serpentinas, para jogar umas nas outras, e a consumir o que for servido de tempos em tempos, quando param estrategicamente para repensar a estratégia a fim de atingir o próximo alvo. É claro que existem exceções, mas a fauna característica é essa, e tenho dito!

Voltando à apuração, é impressionante como todos falam que o seu desfile foi lindo, maravilhoso, e que este ano não tem para ninguém. Logo depois descobrem que os jurados observaram aquela fantasia que estava meio rasgada; a evolução prejudicada, gerando buracos na escola; o mestre-sala e a porta-bandeira que não se apresentaram condignamente representando o pavilhão da escola; etc. Uma diferença de 0,5 ponto dá a vitória para uma ou outra escola, e a Portela fica mais um ano sem ganhar, mesmo assim permanecendo como a maior vencedora do Carnaval carioca! Evoé, Momo, está na hora de Morfeu assumir o seu lugar!

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

PROMESSAS

Promessas são para os fortes
Para os que têm escolhas
Promessas por vezes oprimem
Por vezes obrigam.

Promessas
Estamos presos a elas
Ou são forças libertadoras
Que nos auxiliam nos momentos de angústia?

Promessas
Aos anjos e santos
Promessas ao Divino
Ao Poder que tudo transcende.

E quando o prometido
Comprometido
Está além de nossas forças
O que fazemos?
Prometemos.

Lutar não deveria ser uma hipótese
Lutar deveria ser uma obrigação
De nada valem as promessas
Se não lutamos, se não superamos
O que nos causa opressão.

A vida segue
Cada passo que damos
Remete-nos a uma nova porta
A uma nova oportunidade
A uma nova promessa.

Mas o que são promessas
Senão juras de amor
Para consigo próprio?

Se não as cumprimos
O que fazemos?
Prometemos.

Mas tais promessas
Secundárias e terciárias
Serão levadas em consideração
Ou em comiseração?

Para prometer
É preciso ser forte
É preciso ser consciente
É preciso contar com o Onisciente
É preciso estar presente
É preciso se dizer potente
Contanto que se almeje
E não se apenas tente.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

ALASCA A PÉ

Quantas vezes nos perguntamos se somos capazes disso ou daquilo? Tarefas mínimas nos parecem como gigantescas montanhas a escalar. Olhamos para o que temos a fazer e não imaginamos como conseguiremos chegar ao fim daquilo. Esportes normalmente têm milhares de metáforas para a superação. Mas a história que vou descrever aqui talvez não possa ser considerada um mérito esportivo, mas sim uma epopéia pelo autoconhecimento. Se superação é uma palavra suficiente para o que vou descrever a seguir, somente vocês poderão me dizer ao final.

Ao comprar a National Geographic Brasil, de Março/2011, instigado pela colega Rachel Bottrel principalmente por duas matérias que envolviam a Guerra do Sudão e a nova era que homem está vivendo – Antropoceno – me deparei com pelo menos um par de outras histórias tão interessantes quanto. Uma delas é a de Andrew Skurka.

Andrew Skurka, o desafiador de limites, no Alaska


O título da matéria era “Volta ao Alasca em 176 Dias”. Pensei eu: vem aí mais um desses malucos que gosta de fazer trilha ou então é a descrição de uma corrida de aventura com equipes supergabaritadas fisicamente e que superam as condições da limitação que o ser humano tem para enfrentar as intempéries da natureza. Porém a chamada da reportagem já dava a dimensão do que estava por vir: “Ninguém jamais tinha feito isto: percorrer 7.530 quilômetros a pé, de esqui e de bote, atravessando oito parques nacionais, dezenas de cordilheiras e a região do Yukon de ponta a ponta. Aí apareceu Andrew Skurka”.

Para vocês terem uma idéia de como as dimensões do que era ali apresentado minimamente já eram impactantes para mim, tenho como padrão de distância – e cada um tem o seu, pensem um pouco e descobrirão sua referência pessoal – uma viagem Rio - São Paulo, em torno de 400 Km, que de ônibus leva uma média de 6 horas. Qualquer distância superior a isso para mim é uma viagem deveras longa – e de ônibus! Só de pensar no feito eu já ficava cansado.

Minha admiração apenas fez crescer quando soube de detalhes do desafio vencido. “Dias de caminhada ou navegando com os pés secos: 20 em 118 / Maior distância sem ver nenhuma estrada: 1.057 Km / Maior período sem ver outro ser humano: 24 dias” (grifos nossos - pág. 87). Poderia-se imaginar que este é um meio pelo qual ele buscava reconhecimento ou fama para sustentar uma vida de dificuldades. Mas Skurka não está vinculado a tais estereótipos. Teve uma criação com tudo de bom, com direito a boas faculdades e uma promissora carreira em Wall Street. Mas, de repente, um clique o fez ver que aquilo tudo não era o centro do mundo. Aí se inicia a verdadeira saga pessoal deste homem, que buscava o sentimento de ser, simplesmente isso, ser.

Para se ter uma idéia do que ele se propôs a partir de 1999 seguem aqui alguns de seus feitos: o início de tudo - jornada a pé por 3,5 mil km da Trilha dos Apalaches; andar 11.064 Km traçando um enorme arco pelo oeste americano – em média 53 Km/dia; e caminhar 12.517 Km, da costa do Atlântico em Quebec até a costa do Pacífico em Washington (Rota Mar a Mar) – pág. 89. Como se pode perceber, o meu padrão de distância é fichinha para esse cara. Somente isto já poderia ser uma lição de superação, mas o que ele buscava era uma lição de humildade. E isto está espelhado de maneira primorosa nos 3 últimos parágrafos da reportagem a qual estou me referenciando aqui neste post. Vejam abaixo os principais trechos:

“Por dois dias os insetos o atormentavam. Depois veio uma tempestade, com rajadas de vento que quase arrancaram seu abrigo do chão. Seus suprimentos estão acabando, e ele se sente frágil, esmagado pela solidão e pela aspereza da paisagem. O que inicia a transformação, no meio disso tudo, é a súbita descoberta de que ele não precisa de mapas. A rota está evidente, traçada pela colossal manada de renas, um caminho tão antigo e pisoteado que parece quase uma estrada. (...) As lágrimas então voltam a rolar. ‘Sei lá por que estou chorando’, fala olhando para a câmera. ‘A visão desses caminhos me faz chorar... Sou igualzinho a esses bichos. Sou apenas uma criatura desta Terra’. (...) Não sei se aquele momento com as renas indica que ele encontrou algo mais profundo, mas, pelo tanto que viajou e pela dificuldade da jornada, não resta dúvida de que Andrew Skurka fez algum achado. ‘Eu me senti humilde’, conta. E essa pequena conscientização foi uma de suas maiores emoções”. (pág. 97)

Sugestão de Leitura:
National Geographic Brasil – Março/2011 - Volta ao Alasca em 176 Dias – KOEPPEL, Dan – págs. 84-97.
Para saber mais sobre Andrew Skurka e seus desafios ver http://www.andrewskurka.com/ .

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

EM DEFESA DE DEUS

Duas discussões são centrais e permeiam o livro “Em Defesa de Deus”, de Karen Armstrong – Ed. Companhia das Letras – 2011 – 398 págs. Karen, uma ex-freira inglesa, discorre, acompanhando a evolução histórica do Judaísmo, Cristianismo e Islamismo, sobre os debates em torno da existência de Deus e, o que é o objetivo explícito – inclusive compondo o subtítulo do livro – o que a religião realmente significa.



Minha tradução particular para a resposta a última pergunta é a de que devemos viver a religião que professamos, ao invés de apenas defendê-la, sem entender exatamente seus fundamentos e razões. Esta interpretação surge no decorrer do livro, e é válida para religiosos de todas as linhas. Nessa busca, a autora apresenta todo o seu profundo conhecimento sobre as interfaces existentes entre as três religiões acima citadas, verificando o que deveria ser a verdadeira busca do ser humano: amar ao próximo como a si mesmo, fazendo do seu dia-a-dia uma verdadeira perseguição por esta filosofia de vida, agindo para o bem comum de todos.

Um dos primeiros insights nesse sentido é exposto quando Karen aponta o exemplo do sábio chinês Confúcio:

Uma das primeiras pessoas a mostrar com absoluta clareza que a santidade é inseparável do altruísmo foi Confúcio (551-429 a.C.), o sábio chinês. Ele preferia não falar do divino, porque está além da competência da linguagem e porque a discussão teológica desvia a atenção do verdadeiro sentido da religião. Ele costumava dizer: “Meu Caminho tem um fio que o percorre de ponta a ponta”. Não havia metafísica abstrusa; tudo sempre remetia à importância de tratar os outros com respeito absoluto. É o que diz a Regra de Ouro, que os discípulos de Confúcio deviam praticar “o dia inteiro, todos os dias”: “Nunca faças aos outros o que não gostarias que te fizessem”. (págs. 41-42)

É impressionante, se pararmos para pensar sobre quantas pessoas conhecemos que se dizem religiosas, pessoas de bem, e que no trato particular para com o próximo contradizem diretamente a Regra de Ouro citada acima. Em pequenas atitudes demonstram um desrespeito enorme pelo ser humano que está ao seu lado, quanto mais por aqueles que não são do seu círculo de amizade. Estes são desprezados completamente, quando poderiam ressurgir em sua plenitude caso tivessem uma palavra de alento vinda não importa de onde.

Mas isto corresponde a uma ação, quando o que foi colocado por Confúcio corre o risco de ser mal interpretado como uma atitude passiva, do tipo cada um no seu quadrado, ou, não se meta comigo que eu não me meto contigo. O respeito a todos passa necessariamente por sermos constantes na busca pelo bem-estar da comunidade em que estamos inseridos. Você respeita aquele que está ao seu lado ao parar o que está fazendo para dar a devida atenção ao que está ocorrendo a sua volta, auxiliando para o que o mundo se torne um lugar melhor para viver.

Em relação à existência ou não de Deus, a conclusão a que cheguei a partir da leitura desta obra é que, em verdade, Deus existe em cada um de nós. De uma certa forma, todas as religiões pregam nesse mesmo sentido, enaltecendo a capacidade do ser humano de estar mais próximo Dele. Afinal, fomos “feitos a Sua imagem e semelhança” e apenas se nos recusarmos é que não teremos a possibilidade de alcançar essa paz interior.

Tenho para mim que mesmo os agnósticos – aqueles que duvidam de tudo – e os ateus – que dizem não acreditar (1) – ao final se remetem a Deus na esperança de terem vivido suas experiências terrenas na plenitude, de maneira a não terem nada do que se arrepender quando “o depois” vier. A concepção do Divino se presta, assim, a afiançar a paz interior acima citada, “bem” maior que a religião nos traz. “O papel da religião [...] consiste em nos ajudar a ter uma convivência criativa, pacífica e até prazerosa com realidades que não são facilmente explicáveis e com problemas que não conseguimos resolver: mortalidade, dor, sofrimento, desespero, indignação em face da injustiça e da crueldade da vida” (pág. 313). Se isto é por obra de Buda, Cristo ou Maomé, pouco importa. O mais relevante é que sejamos felizes, respeitando uns aos outros, e ajudando-nos a ultrapassar as intempéries que a vida nos apresenta.

(1)     Agnosticismo (derivado do latim agnosco: “não sei”): recusa a suspender a crença numa doutrina, ensinamento ou idéia que não pode ser provada. [...] Ateísmo: hoje, denota a negação absoluta da existência de Deus; até o século XIX, porém, comumente era um termo ofensivo, e praticamente ninguém se declarava ateu. Antes dessa época, em geral significava “falsa crença”. Aplicava-se a um estilo de vida, uma idéia ou uma forma de religião que as pessoas desaprovavam. (págs. 361-362).

OBS.: Sou Católico praticante. Acredito em Deus e na verdade que Jesus Cristo professa. Mais do que isso, creio que se as pessoas seguissem sua filosofia, o mundo seria bem melhor.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

OS PINGUINS

Muitos me questionaram desde o início do Leopideas do porquê da minha escolha como minha representação gráfica a imagem 3 (três) pingüins. Em verdade houve dois motivos, um de cunho prático e outro emotivo.

Quando adquiri o atual desktop em que vos escrevo essas linhas esta foi uma das imagens disponibilizadas no pacote do Tio Bill Gates. Não havia feito nenhuma busca na internet e considerei esta uma imagem adequada em função de demonstrar o “diálogo” entre três seres exatamente iguais.

O emotivo diz respeito a minha admiração pelos personagens do desenho animado da Dream Works, “Madagáscar”. O grupo de pingüins lá presente é de uma atuação e carisma tão grandes que acabou por ganhar uma série própria para a TV. Sua principal qualidade, a meu ver, são sua devoção em trabalhar em equipe, buscando sempre resolver de maneira conjunta as adversidades a que são expostos. E cada um dos membros tem sua função. O que essas razões dizem respeito a minha pessoa? Afinal, começamos este texto fazendo o link com a imagem dos pingüins ser vinculada ao do autor do blog.

Os Pinguins de Madagáscar, em sua versão MacDonald's

Se já não ficou óbvio, vou salientar: considero que o que mais falta no mundo hoje em dia é o diálogo. Vivemos numa sociedade em que a prevalência dos monólogos é fato. As pessoas não ouvem mais o que os demais têm a dizer, pensam que somente elas próprias têm razão em seu modo de pensar, fazendo ouvidos moucos para os argumentos dos seus semelhantes. A imagem dos pingüins, portanto, dialogando, representam uma qualidade que eu exalto a ser recuperada pela humanidade.

Quanto aos Pingüins de Madagáscar, como é formada a sua equipe:

Capitão – “calmo, inteligente e sempre com uma nova ordem na ponta da língua, ele comanda a tropa em cada missão”;

Rico – “especialista do time, ele se comunica principalmente por grunhidos. (...) Apaixonado por sua boneca (1), também tem um impressionante talento para pintar quadros”;

Recruta – “tem um talento único para quebrar códigos. Mesmo sendo o menos experiente dos quatro, este atrapalhado pingüim faz a diferença em todas as missões de que participa”;

Kowalski – “é o estrategista do grupo. Muito inteligente e um pouco ansioso, ele às vezes exagera ao analisar as situações que o grupo enfrenta”. (2)

Dessa maneira cada componente dessa microfauna representa o perfil de membros de diversas equipes que encontramos por aí em nossa vida profissional. Como funciona a contento, algum segredo devem ter. Senão, vejamos: um comandante calmo e inteligente, o que mais desejamos quando vamos para o nosso trabalho todo dia? Já os especialistas, em sua sabedoria, normalmente são avessos a dar muitas explicações sobre o que conhecem. E quando o fazem se expressam num dialeto que pouco conhecemos. Será que vocês identificaram algum colega, um especialista em informática, talvez?

Já os recrutas, estagiários, ou mesmo os mais novos membros da equipe muitas vezes compensam sua inexperiência com uma vitalidade, uma vontade enorme de contribuir, que ao final fazem a diferença no resultado alcançado. Por último, o analista, em sua ânsia por resolver os problemas e encontrar as soluções, é aquele que no ímpeto em querer ajudar algumas vezes se atrapalha ao não parar para avaliar possíveis alternativas geradas por outros membros da equipe. Mas se for devidamente gerenciado, seu foco e sua capacidade de análise são sempre muito úteis.

Para terminar, a palavra de uma fonte especializada sobre esta ave que possui 18 espécies, distribuídas em 6 gêneros:

“Nadam muito velozes, pulando fora da água e mergulhando feito delfins, deslizam pelas encostas geladas como se fossem trenós e passeiam eretos pelos gelos e pelas rochas, como se fossem pequenos homens de fraque. São os pingüins, curiosas aves marinhas que perderam a capacidade de voar, compensada largamente por uma adaptação perfeita à natação e à vida na água. (...) Vivem nos mares do hemisfério Sul e têm comportamento destacadamente social, mesmo fora dos períodos de reprodução, formando grandes colônias. (...) Foi através do pingüim-de-adélia (3) que se descobriram os hábitos nitidamente monogâmicos dos pingüins, que dificilmente trocam de companheiro após o primeiro acasalamento. Eles põem dois ovos por ano, que chocam no ninho, em revezamento – o comportamento típico da maioria dos pingüins”.
Fonte: “Zoo – o fantástico mundo animal” – Volume 2 – Rio Gráfica e Editora S/A – 1982 – Págs. 321-329.

Afinal, os pingüins são ou não são o que há?!

(1)    Para aqueles que não são apaixonados pelo desenho animado em questão, a boneca citada, no filme, é uma daquelas que dança hula-hula como reflexo ao som. Enfim, uma excentricidade típica de um especialista. Já na série para TV ela tem suas, digamos, "variáveis";
(2)    As descrições aqui apresentadas foram retiradas de material promocional distribuído pelo McDonald’s;
(3)    “De dimensões médias (cerca de 70 cm de altura), bico curto e ampla distribuição pelas costas da Antártida e pelas ilhas Órcadas e Shetland do Sul, o pingüim-de-adélia (Pygoscelis adeliae) foi até anos atrás a espécie mais abundante (e portanto mais estudada). Pertence, com o P. papua e o P. antarctica, igualmente distribuído pela Antártida, ao gênero Pygoscelis”. (Op. Cit. – pág. 324). Fora a nostalgia das aulas de biologia, este pingüim caso poderia ser chamado de Amélia ao invés de Adélia, não!?



quarta-feira, 12 de outubro de 2011

GUERRA

Guerra. Se existe algo mais extremo no ser humano é o ímpeto pela batalha. Viver se degladiando, por mais que o bom senso, a lógica, digam que viver em paz, de maneira colaborativa, seja o melhor dos caminhos, deve ter diversos motivos, e não apenas uma motivação inata pela luta. Senão vejamos.

Somos animais. Os animais normalmente brigam por território. Assim foi desde o início dos tempos e para conosco também. As populações das diferentes tribos buscavam espaço para suas crescentes demandas de alimento e habitação. Como desdobramento disto, tínhamos que ter alguém que colocasse um pouco de ordem e liderasse a malta no sentido de alcançar os objetivos ao que o grupo se propunha.

Aí então surge a segunda motivação: a partir do momento em que se cria um líder – por necessidade – se cria também um monstro, digamos assim, o qual a humanidade não soube – e creio não saberá no futuro próximo – lidar: a sede de poder. O líder uma vez empossado dificilmente não é picado pela chamada “mosca azul”, expressão popular que designa o desejo do poder pelo poder. Ter desapego à função exercida é uma qualidade para poucos, muito poucos. Vemos isto até mesmo em algumas religiões, que em tese deveriam pregar no sentido contrário, com suas estruturas hierarquizadas, em que o jogo político também ocorre.

Aí fazemos o vínculo com o conceito de que o homem é um animal político. Tal fato provavelmente decorre diretamente das duas postulações acima – foi imposto pelo ambiente, e introjetado pelo próprio ser humano, uma vez tendo sentido o doce gosto do poder. Esses dois fatores se retroalimentam, sendo que a disputa política – ou por poder, como queiram – ganhou relevância, se tornando a locomotiva para os embates humanos, vitaminada pelo capital gerado. Isso mesmo: a riqueza é a vitamina que acelera a ânsia pelo poder. Ela é reflexo do status alcançado por alguém, e não é a razão profunda do contencioso entre as pessoas. A humanidade luta para estar no topo da escala social, o benefício econômico sendo considerado um resultado óbvio para tal situação.

Mas poderíamos extrair da guerra algo de benéfico? Difícil pergunta, não. A meu ver o único bem palpável desta seria a possibilidade de recomeço. Pós-terra arrasada as populações envolvidas, mesmo as derrotadas – e hoje em dia dificilmente existe um povo que tenha sido sobrepujado em 100% de suas intenções, sendo o término das batalhas muito mais negociado que sacramentado pela força física – podem auferir algum tipo de “oportunidade” de renascimento. Talvez o último exemplo de vitória total de um dos lados tenha sido a 2ª Guerra Mundial, em função das bombas atômicas, e mesmo assim o Japão é um exemplo do argumento que vou lhes apresentar de agora em diante.

Recomeçar passa a ser então a obrigação de todos os envolvidos, vencedores e vencidos. Aos vencedores solicita-se o suporte para que os vencidos tenham uma vida digna mediante as condições apresentadas pós-batalha. Seria como um mínimo de condescendência para com os mesmos. O interessante é que na sociedade globalizada de hoje em dia cada vez mais essa condescendência se torna mais larga, mais ampla, pois as demandas populacionais em termos de bem estar cresceram enormemente.

Mesmo assim, ainda existem recantos dos quais só tomamos conhecimento, de maneira surpreendente, após algum instrumento da mídia se interessar em reportar sua realidade. Foi desta forma que dei maior atenção – afinal de contas, a notícia em si eu já tinha conhecimento por uma breve exposição no Jornal Nacional – às oportunidades que surgiram para o povo do futuro Estado denominado Sudão do Sul. Por princípio sou contra a separação de comunidades, devo dizer. Incomoda-me, por exemplo, as duas Coréias ainda estarem separadas, mais de 50 anos depois da guerra por lá ocorrida. Mas a África e sua história de colonização, desrespeitando limites territoriais antiqüíssimos, se torna um desafio para a compreensão de um ocidental padrão como eu.

Haverá esperança para a humanidade? Ou pelo menos para esta criança sudanesa?

Somente ao ler a reportagem exposta na National Geographic Brasil, na edição de Março/2011 – págs. 98-119 – pude compreender melhor como o povo do Sudão tem como ânsia uma oportunidade de se recontar, de reiniciar a vida da forma como eles próprios imaginam ser a mais correta. E se para isso terão que se separar em dois países, que o seja. Lendo-se a reportagem verifica-se que não será um caminho fácil, pois como todo movimento diplomático internacional enseja uma série de interesses políticos e econômicos – neste caso, o que não é surpresa, mais uma vez vinculado à extração de riquezas minerais em determinado espaço do território a ser dividido.

Mas recomeçar é necessário, e aparentemente eles lutarão para viver esse novo desafio, transformando seu espaço em mais um campo de oportunidades. A guerra, assim, gerou um novo momento. Resta saber até quando ele será prolongado num ambiente de paz, em que a busca por território, pelo poder e pelo dinheiro não sobrepujam o anseio maior por uma vida digna.

Leitura sugerida:
Com uma abordagem voltada para o recomeço de que cada indivíduo é capaz, sugiro ler “Um Novo Começo”, texto de Eugenio Mussak, para a edição de Maio (nº 105) da Revista Vida Simples, da Editora Abril – págs. 38-40.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

TORCEDOR

Minha trajetória como torcedor foi moldada a partir de vitórias do Flamengo na décadas de 70 e 80 do século passado. Mas isso seria uma explicação por demais simplória para identificar as raízes de uma paixão irrefreada que caracteriza os torcedores mais exaltados. Me classifico como um torcedor racional, por uma qualidade específica inerente a mim próprio, o interesse pela análise do todo. Porém minha intenção neste texto não é me avaliar – sou apenas uma peça que se encaixa no conceito de torcedor que elaborarei de agora em diante.

Conheço mais proximamente, é óbvio, torcedores dos clubes do Rio – o meu Flamengo, o Fluminense, o Vasco e o Botafogo. Poderia acrescentar ainda meu bom amigo Gustavo, torcedor inveterado do Corinthians. Mas minha motivação abarca igualmente Jack Nicholson, torcedor apaixonado do Los Angeles Lakers, time de basquete profissional norte-americano; ou os torcedores de rúgbi da África do Sul e da Nova Zelândia, potências nesse esporte; ou os torcedores de escolas de samba durante o Carnaval! O que colocarei são as motivações do torcer, e o que seja tal ato.

Torcer, por sua definição direta, leva ao verbo co-irmão “distorcer”. Este se aplica imediatamente a todo torcedor que eleva sua paixão acima de tudo e de todos. Vou citar aqui alguns destes seres que habitam o meu universo mais próximo: Vasco – Celso; Botafogo – Mauro; Fluminense – Wágner; Flamengo – Mala. Isso para não repetir o nome do Gustavo, citado acima, vinculado ao alvinegro paulistano. Cada um deles profissionais de profundo conhecimento em suas áreas de atuação, mas que deixam toda a clarividência de lado quando o assunto é futebol e seus times. Nos voltemos então o que seria a definição formal de torcer:

Torcer = verbo transitivo direto (...) 12 esfregar (as mãos), por nervoso, ansiedade, satisfação, etc. 13 sentir inquietação por motivo de raiva, inveja, ciúme, etc; roer-se 14 distorcer o sentido, o significado ou a proporção real de (algo) [em outra coisa]; alterar, desvirtuar 15 obrigar (alguém ou a si mesmo) a dar-se por vencido, ou render-se a (...) 16 dispor para alguma coisa; levar ou induzir (...) 18 desejar vivamente (algo) 18.1 manifestar sua predileção (pela vitória de uma equipe esportiva, uma agremiação, etc) (...) Etim. Torcer, tornar, torturar, atormentar, (...).
Fonte: Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa – Ed. Objetiva - 2004

Cada um destes torcedores por mim citados anteriormente jamais contestará sua paixão. Isso nem passa pela sua cabeça, inexiste no seu mundo consciente. Todos eles terão uma história para identificar o momento zero da geração do amor que tem para cada um dos seus clubes, mas isso fica no passado, eles não se preocupam com isso, são o que são e ponto. No presente, qualquer coisa que seja contrária à vitória e à qualificação dos seus times serão execradas como pusilânimes orquestrações de todos os seus adversários para pulverizá-los da face da terra.

Dessa forma, é impressionante como a definição formal identificada no Houaiss se presta a dar brilho ao significado de sua existência. Antes de se chegar à formalização direta do que seria torcer esportivamente – “manifestar sua predileção (pela vitória de uma equipe esportiva [...])” – tem-se cerca de 6 outras definições – ansiedade, raiva, inveja, ciúme sendo sentimentos centrais para sua concepção - que apontam de maneira mais próxima o que se vê quando o torcedor se manifesta.

Com o passar do tempo, infelizmente ou felizmente, depende do ponto de vista, eu fui me afastando desta tipificação, pelo menos no que tange à paixão clubística – eu como torcedor do Brasil, nos mais variados esportes, é outro papo. Talvez a minha paixão maior sejam os esportes e o que eles significam como aprendizado e filosofia de vida. E ao acompanhar tudo que gira em torno do mesmo, ganhando conhecimento sobre os mínimos detalhes, tenha me feito gerar uma massa crítica que já não me permite ser leviano em meus comentários.

Porém isto, como já disse anteriormente, é uma característica particular minha, pessoal e restrita. Fato é que os torcedores na acepção da palavra estão pouco se lixando para a razão. O risco que corremos é apenas de fazer com que essa irracionalidade extrapole para a violência. Enquanto pudermos torcer e nos relacionarmos, como pessoas civilizadas, brincando sim uns com os outros por conta da vitória ou derrota de nossos times, teremos esse sentimento como algo saudável, evitando assim exageros extremos. Sublinho a palavra “extremos” porque o torcedor em si é um exagerado mesmo, e isto não há como contornar, apenas tolera-se. Quanto a mim, sigo em frente, torcendo, porém não distorcendo, e convivendo com esses loucos apaixonados dos quais prezo muito a amizade.

PS – Devo dizer que a minha filha é Flamengo, do contrário, o couro ia comer lá em casa! Torcer com consciência é uma coisa. Ser torturado no seu próprio quintal é outra - rs

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

SIMPLESMENTE COMPLICADO

As chamadas “comédias românticas” por certas vezes ganham um refinamento que nos faz trazer à baila uma série de questionamentos. O filme “Simplesmente Complicado” (2009), estrelado por Meryl Streep, Alec Baldwin e Steve Martin é um desses que nos proporciona momentos de reflexão.

A estória gira em torno do relacionamento de um casal (Streep e Baldwin) divorciado há mais de 10 anos, já com três filhos criados, e que resolvem reatar, mesmo estando o ex-marido casado novamente. Ou seja, a ex-mulher vira amante. Isso, levando-se em conta que a atual esposa foi motivadora da traição que gerou a separação do ex-casal anos atrás, com um filho pequeno gerado numa relação extraconjugal da qual o atual marido tem que dar conta, o quadro não é tão fácil de relatar, não?

Para tentar facilitar a compreensão do contexto vamos analisar a situação considerando-a de duas formas:

·         Complicada

Cada um dos personagens centrais vive um furacão de sentimentos. Cada diálogo poderá pautar sua ação seguinte, cada ação motivada por distintas variáveis. Mas não é assim a vida? Não estamos cercados de inputs que recebemos, gerando outputs a todo momento? E estes outputs serão inputs para outrem? E a roda segue, girando desta forma?

O personagem de Meryl Streep encontra-se num momento singular da vida. Tendo já criado os filhos passa a olhar para si própria como tendo o direito de usufruir tudo aquilo que postergou durante tanto tempo – prazeres individuais como cozinhar por prazer (ela é uma chef dona de uma loja especializada em gostosuras, digamos assim), reformar a casa, curtir novos relacionamentos, tricotar com as amigas, etc.

Mesmo passando por este momento de tranqüilidade, ela vive se questionando. Ora, o ser humano é assim, duvida do seu próprio tirocínio a todo instante, e isto é o que nos diferencia dos demais animais – “penso, logo existo”, já diria o filósofo. Caso contrário, viveríamos agindo baseado em nossos instintos. O problema é que não nos conformamos com nosso próprio raciocínio, e buscamos então conselhos... com outro ser humano! Mas conselho se fosse bom, não se dava, se vendia. Então, faz-se a luz e nasce o terapeuta!

Devo ressaltar que este profissional encontra-se no filme, mas de maneira muito leve, não é o caso de uma presença constante que altera o rumo dos acontecimentos. Que, aliás, esta isenção é a postura típica deste especialista, que tem por premissa nos ajudar a romper determinadas barreiras para que por nós mesmos possamos resolver nossos questionamentos. Novamente, penso, logo existo. Precisamos olhar para o nosso próprio umbigo e nos ver! Complicado, não!?

O engraçado é que até mesmo a postura ideal do psicólogo em dado momento é colocado em xeque no filme, mesmo que seja numa única cena entre Streep e seu psicólogo. Neste ponto, então, chegamos à segunda abordagem:

·         Simples

Vocês imaginam qual tenha sido o aconselhamento dado (ou vendido, dependendo do ponto de vista) pelo psicólogo? Let it flow, darling! É o famoso “deixa a vida me levar” do Zeca Pagodinho. Devemos ou não devemos nos preocupar demasiado com as conseqüências de nossos atos? Estes não são apenas um pequeno grão de areia no imenso universo em que cada um de nós se encontra metido?

Deixar os sentimentos fluírem em sua plenitude nos proporciona uma série de experiências das quais vivemos tentando evitar. E assim não saberemos nunca o que teria ocorrido se tivéssemos utilizado aquela palavra ou frase em determinado momento. Fazer com que as coisas corram um pouco mais soltas pode sim trazer um extremo benefício para a nossa paz de espírito. E talvez esta seja a grande mensagem deste filme – a simplificação da vida, ao reverso do que imaginamos ser um cenário em eterna construção administrado por nós mesmos.

Não temos o controle total nem sequer sobre o que vamos comer pela manhã, quando acordamos – de repente dá uma vontade de comer aquele bolo de chocolate e chutar o balde para com aquela dieta tão duramente seguida, não é!? Então, porque não deixamos a vida nos tocar com suas diversas facetas e a aproveitamos ao máximo? Simples, não? Just live your life and have fun!

Ah, quanto ao filme em si, recomendo. É uma estória leve, divertida, que tem ainda o mérito de ter um Steve Martin vivendo um personagem contido, ao contrário dos normalmente histriônicos que ele abraça. Isto à exceção de uma cena de dança numa festa em que ele deixa, digamos, seus sentimentos fluírem. Mas não é exatamente sobre isto que falamos aqui o tempo todo?

Fonte: http://www.portaldecinema.com.br/Filmes/simplesmente_complicado.htm - acessado em 27 de Fevereiro de 2011

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

INTELIGÊNCIA COM DOR

Nelson Rodrigues entrou na minha vida de duas formas: pela veia de cronista esportivo, irmão do jornalista Mário Filho, que dá o nome oficial ao Maracanã, além de representar muito bem o estereótipo de torcedor que não apenas torce, mas distorce – “O vídeo - tape é burro!”. Pena que era Fluminense, mas não se pode ter tudo. O Flamengo teve Ary Barroso para exercer tal função (1). Como dizia o próprio Nelson – “O Fla-Flu surgiu 40 minutos antes do nada!”.

O outro caminho trilhado por Nelson foi o de autor das estórias que compuseram a série “A Vida Como Ela É”, filmada posteriormente pela Rede Globo, em 40 episódios dirigidos por Daniel Filho, há cerca de 10 anos atrás. Não por acaso tenho as duas obras, editadas pela Companhia das Letras entre 1992 e 1993, que reproduzem fielmente os escritos nestes dois campos daquele que é considerado o maior dramaturgo brasileiro de todos os tempos – À Sombra das Chuteiras Imortais – Crônicas de Futebol – 197 págs; e – A Vida Como Ela É – O Homem Fiel e Outros Contos- 245 págs.

Obviamente, com minha paixão pelos escritos, posso considerar que ele deve ter influenciado para que esta fosse insuflada. Qual não é minha surpresa quando, ao final de 2010, sou presenteado – fortuitamente, afinal foi o resultado de um amigo oculto do tipo “rouba-presente” – com o livro de Luís Augusto Fischer, “Inteligência com Dor – Nelson Rodrigues ensaísta” – 336 págs. – Porto Alegre, Arquipélago Editorial – 2009.

Trata-se da transcrição da tese de doutorado de Fischer, que prega que Nelson Rodrigues, reconhecido como cronista, na verdade seria melhor classificado como ensaísta por seus escritos de cunho político, que versavam sobre do dia-a-dia do Brasil. Para tanto, o autor se esmera em diferenciar ensaio de crônica, deleitando o leitor com trechos da própria obra do Nelson para exemplificar sua hipótese. Para tanto explicita tal diferença numa equação sintética: o ensaio está para crônica assim como o humor está para o cômico, a confissão para a queixa, a narração para o romance, e memória para a simples rememoração.

“(...) o depoimento pessoal como fonte da força das palavras, a relutante ou hesitante aceitação do início da confissão, o destemor em arriscar palpites, teses, afirmações sobre o mundo (...) o que ele exige é o direito de ser como é, de pensar como pensa (...).”
Págs. 21 e 22.

Tal esforço para mim foi útil, pois acabei por descobrir que na verdade Nelson Rodrigues é a síntese do que os blogueiros são hoje em dia. Ele mesmo, vivo estivesse, certamente faria uso de tal ferramenta, em que pese sua luta pela prevalência da noção de que novidade não se sobrepunha à experiência e coragem alcançadas com o passar dos anos. A relação do ensaísta com o leitor é um exemplo identificado por Fischer da alma dos autores de blogs, senão vejamos:

“(...) o ensaísta escreve como para si mesmo, sem almejar direta e explicitamente a glória pública, mas defronta-se com um problema monstruoso (que ele porém torna simples), a saber – o ensaísta não pode fugir à evidência de que, já porque escreve, quer ser lido (...) o ensaio depende vitalmente de uma comunicação com a alma que estará na outra ponta do processo, o leitor”.
Pág. 66.

Indo mais fundo nessa característica do ensaísta, o autor busca em Montaigne (2) o que seria o objetivo de um escritor que caminhasse dentre as características que o ensaio se propõe, meio que isentando-o do resultado apresentado ao leitor, como se o fora uma isca para fisgar o peixe, que se deixou capturar por alguém que o desdenhava de uma certa forma:

“(...) se o leitor não se sentir picado pela provocação, abandonando o texto, teremos aí um ensaísta satisfeito por não precisar explicar nada; se o leitor se sentir mobilizado pela insolência e partir para a leitura do texto, e por acaso, se desiludir lá pelas tantas, teremos um autor, um ensaísta, considerado inocente em qualquer tribunal [uma vez que o leitor não foi obrigado, e porque não dizer, foi quase incentivado a ler somente se o desejasse]; e se, enfim, o leitor acusar o golpe, levantar a sobrancelha e ler, ler, ler, desesperadamente, como se ali, naquela auto exposição, estivesse a própria razão da vida, teremos aí um ensaísta que completou o circuito da comunicação”. [grifo nosso]
Pág. 197.

Outro aspecto que me toca particularmente como sendo característica do ensaísta, e muito bem representada na escrita de Nelson, é o humor. “O ensaísta verdadeiramente grande apresenta uma peculiar marca, o humor” (pág. 263). Esta característica sempre esteve presente comigo, a busca pelo humor, e os blogs, ferramentas instantâneas de informação, espelham naturalmente o sentimento exposto pelo autor, que muitas vezes o coloca num ímpeto, como se fosse uma catarse para uma situação. Eu entendendo como o humor sendo uma das salvações para os males da humanidade, não poderia fugir deste argumento. Assim como o próprio Nelson o fez em vários dos seus escritos. “Dito de outro modo: o ensaísta faz, em seu terreiro o ensaio, um mix de arte, filosofia, religião e ciência. Nada lhe é estranho, nada é rejeitado a priori; e tudo vem ao acaso. O escritor incorpora, encaixa, dá voz a tudo” (pág. 264).

Outras tantas foram as descobertas na leitura deste livro que a princípio se afigurava de cunho acadêmico, mas que ao contrário demonstrou-se ser, em que pese sua erudição permanente, de prazerosa leitura. Para minha surpresa, não tinha essa noção, Nelson era tido como reacionário, de direita, mas sua obra o transcendeu e ultrapassou quaisquer barreiras ideológicas que pudessem ser interpostas por uma intelectualidade esquerdista. E ele, como ensaísta, precursor dos blogueiros, tal qual lhes afirmo, se enquadra perfeitamente ao que Fischer coloca como ensaio, corroborando sua teoria – “O ensaio é a afirmação do indivíduo, como voz que fala, como cérebro que pensa, como coração que sente, como ser que vive e tem direito a buscar sentido nas coisas a partir de seu ângulo peculiar de visão” (pág. 267). Estou ou não estou em boa companhia!?

(1)    Ary Barroso, além de autor de “Aquarela do Brasil”, trabalhou como narrador esportivo em rádio. Quando estava ao comando das carrapetas no jogo do Flamengo, ele que ficou reconhecido por tocar um apito quando saía um gol, obviamente se esmerava quando este era do rubro-negro. E quando o time da Gávea era atacado, vira-se de costas e afirmava: “Eu não quero nem ver!”.
(2)    Michel de Montaigne – 1533-1592 – Filósofo francês, autor de “Ensaios”, obra de 3 volumes editada entre 1580 e 1588. Fonte: http://educacao.uol.com.br/biografias/ult1789u659.jhtm - acessada em 16 de abril de 2011.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

SOLUÇÕES

Solução s.f. ato ou efeito de solver 1 aquilo que resolve, soluciona (algum problema ou dificuldade); saída, recurso 2 resposta correta a uma questão de prova, teste, problema, etc; resultado 3 separação de coisas que antes estavam unidas ou que são naturalmente unidas; interrupção, quebra, hiato 4 pagamento final e definitivo de (débito contraído) (...)
Fonte: Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa – pág. 2604 – Ed. Objetiva – 2004

Pedrinho olha para a professora e morde os lábios. “Por que será que ela foi olhar justamente para mim nessa hora!?” Em sua mente ainda pululam as palavras dela: - “Pedrinho, sua vez: 6x7?” Pedrinho se questiona: “Bem que eu devia ter estudado mais ontem à noite. Se eu errar, é bem possível que leve uma anotação na caderneta e passe o final de semana inteiro estudando a tabuada!”

O ser humano é formado desde sua mais tenra infância com os insumos recebidos do ambiente, que associados a características que lhe são inatas geram o indivíduo que serão em sociedade, mais adiante. A pressão por resultados, portanto, é um tema recorrente em nossas vidas desde sempre. É como se logo ao sairmos do útero já nos fosse cobrado o choro que nos identifica como uma criança com todos os parafusos nos lugares certos. Porque só uma criança assim não estranharia sair do conforto em que se encontrava para enfrentar um mundo frio e cheio de luzes e cores que se apresenta ao nascer.

A pergunta que lhes faço é: qual é o objetivo? E faço esta pergunta sem a mínima ilusão de que obterei “a” resposta. Porque ela não existe meus caros, simplesmente por isso! Infelizmente somos e devemos ser doutrinados desde pequenos para buscar as soluções para os problemas que nos são apresentados. Isso fez a humanidade caminhar e desenvolver-se, alcançando um nível de conhecimento inigualável, principalmente nos anos pós-revolução eletrônica.

Agora, imagine você se uma criança o acercasse e lhe perguntasse: - “Uma pessoa, num cenário de guerra – tipo Kosovo, na década de 90 (Ok, é difícil uma criança pensar nos Balcãs daquela época, mas onde fica a liberdade poética!?) - assaltar porque está com fome é correto?” Qual seria sua resposta? Não se tem uma resposta trivial para isso. Acharam essa difícil? Mas a pergunta que fiz no parágrafo anterior é mais complexa que essa, meus amigos. Trata diretamente de qual objetivo traçaremos para as nossas tão curtas vidas! E comparativamente, ambas são objeto de divagações que talvez fiquem sem solução. Mas se dissermos para uma criança que existem questões sem solução, qual será o seu alicerce para seguir adiante?

As crianças têm o beneplácito da ingenuidade. Elas não têm que se preocupar com isso, mas apenas em obter as notas necessárias para passar de ano e curtir a vida com tranqüilidade. A consciência de que o mundo está inserido, literalmente, na teoria do caos, somente pode vir mais adiante, para não corrermos o risco de gerarmos pessoas sem esperança no futuro, no amanhã.

Olhando agora por outro prisma, o da obrigatoriedade. Será que somos realmente obrigados a encontrar solução para tudo? Isso ensejaria o domínio, o controle quase total (não o existe em sua totalidade, em lugar algum) de todo o conhecimento, de toda a informação que gira em torno de nossas vidas. Isso porque estamos sempre nos preparando para sermos questionados! Agora, se temos ou não as respostas, e como lidamos com os momentos de desconhecimento, aí está o ponto central!

Faço então deste texto um libelo pela liberdade de pensamento, pelo diálogo e pelo entendimento. Não temos todas as respostas para tudo. Mas temos a possibilidade de dialogar, e encontrar assim o melhor caminho para as partes, mesmo que não seja o ideal para “uma” das partes. E de repente me vejo consciente da força de um símbolo – as aspas “”! Num texto entremeado por inúmeras delas percebo que identificam a relatividade do pensar. Tudo é relativo, já diria Einstein – não sei se ele disse isso um dia, mas o que importa afinal? A mensagem é tudo, mesmo não sendo a resposta definitiva! Ou não!