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quinta-feira, 31 de março de 2011

SEMPRE AO SEU LADO

A estória do filme “Sempre ao seu Lado” (2009), estrelado por Richard Gere, é vendida como sendo a narrativa de um conto sobre a lealdade entre um cão e seu dono. A meu ver, trata-se em verdade de duas coisas: a passagem do tempo e das escolhas que fazemos na vida.

A passagem do tempo é pontuada no filme em diversos aspectos. O narrador é o neto do personagem principal, um professor universitário de música chamado Parker que ao encontrar o filhote de Akita chamado Hachi na estação de trem que utiliza todos os dias para ir ao trabalho se afeiçoa de tal modo que após inúmeras tentativas de dar um destino ao cão decide levá-lo para casa, mesmo contra a vontade de sua esposa, Cate, interpretada pela atriz Joan Allen.

Com o decorrer do filme intuímos que tal resistência se deve ao fato, talvez, de que o professor já ter sido apegado no passado a outro cão, chamado Lucky, e que provavelmente este deve ter ficado muito abalado quando da morte do seu companheiro anterior. Com o tempo todos da família, até mesmo Cate, se aproximam do cão, e o laço de amizade entre os dois contamina a todos da pequena cidade em que vivem.

Considero Richard Gere, um ator nascido em 1949, o protótipo de quem sabe lidar com a passagem do tempo. Talvez o fato de ter tido seu ápice como sucesso interpretando um personagem numa fase já madura, em “Uma Linda Mulher” (1990), dez anos depois do seu primeiro filme de relativo êxito, “Gigolô Americano” (1980), tenha auxiliado, assim como sua filosofia de vida pautada pelos preceitos budistas. A tranqüilidade, trazida pela possibilidade de fazer escolhas a partir de um determinado ponto da carreira, fazendo com que ele tivesse a oportunidade de manter um nível de filmes medianos – assim como de atuações do mesmo naipe, sem altos e baixos – foi outro fator que certamente auxiliou nesta trajetória.

“Sempre ao seu Lado” me parece ter sido mais uma dessas escolhas nesse sentido. Estar vinculada a uma história verdadeira passada no Japão é uma das pistas nessa linha, em função da filosofia oriental supracitada. O fato de que o passar do tempo na vida até mesmo simplória do professor, voltada para o ensino da música, é pautada pela felicidade nas pequenas coisas que a vida proporciona, por intermédio das escolhas que fazemos a cada dia, indica outro vínculo que certamente atraiu o ator principal para o que estava expresso no roteiro, dirigido pelo diretor sueco Lars Hallström – não é a toa que diretores europeus são mais afeitos a filmes “autorais”, não comerciais, digamos.

Em termos de contexto externo, pois sabemos que a interação entre o expectador e o filme é o que faz a mágica do cinema acontecer, tenho que confessar que este me pegou numa fase de reflexão. Fiz 40 anos em 2010, o que por si só já leva a qualquer ser humano refletir sobre... a passagem do tempo e escolhas feitas até então. Sou um felizardo, um sortudo mesmo, pelas amizades – escolhas – que fiz durante a vida. Mais do que isso, a principal delas, tenho uma esposa que me auxilia, me dá suporte, me atura porque não dizer, já há 18 anos, pelo menos. A passagem do tempo só fez reforçar o sentimento de amor que temos um pelo outro.

Dessa forma, “Sempre ao seu Lado” teve o mérito do título em Português ser – o que é difícil – mais fidedigno à mensagem – e comercialmente vendável - do que o título original do filme: “Hachiko: a Dog’s Story”. Em que pese o personagem principal ser realmente o cão, mas a mensagem que o filme ambiciona vai muito além do simples relacionamento entre ele e o seu dono. Trata-se sim do relacionamento que mantemos com todos a nossa volta, desde nossos familiares mais próximos até o homem que vende o cachorro quente na esquina. Trata-se de sermos mais humanos, de nos alegrarmos com as pequenas coisas da vida, de observarmos a beleza que existe em cada uma de nossas vitórias, no aprendizado com as dificuldades que enfrentamos, enfim, em tratar a passagem do tempo e as escolhas que fazemos no seu decorrer com o devido carinho que eles merecem.

Enfim, para aqueles que gostam de filmes de ação, não recomendo este. Agora para aqueles da minha geração, que se encontram em seu momento de reflexão particular, não deixem de assisti-lo. Feliz Aniversário para todos!

Fontes – acessadas em 28 de Dezembro de 2010:


quinta-feira, 24 de março de 2011

YOGA

Sou um ocidental. Imerso em minha própria cultura, fui doutrinado a buscar resultados, sempre os melhores possíveis, em curto prazo. Fazer o primeiro milhão o quanto antes, atender as exigências do mercado adotando o que há de mais moderno em sua atuação profissional. A família seria a primeira beneficiada pelo êxito financeiro. Uma boa educação para os filhos, uma ótima estrutura, com casa própria e carro na garagem, enaltecendo o lado material do viver.

Esta cultura foi um pouco abalada quando o Japão demonstrou sua força ao ressurgir economicamente após a 2ª Guerra Mundial. Adaptando-se a um novo contexto, soube associar uma das diretrizes da cultura oriental – a disciplina – identificando tal característica como a chave para o enfrentamento pelo acesso aos mercados internacionais perante os países desenvolvidos ocidentais. O sucesso chegou a tal ponto que os japoneses – apenas para citar um exemplo – começaram a comprar negócios no maior mercado do mundo – os EUA – em áreas consideradas ícones da cultura norte-americana – cinema, música, automóveis, até o Rockfeller Center em Nova York.

Quando os Estados Unidos pensaram que tal onda havia passado, com retração da economia japonesa, veio um segundo movimento liderado pelos Tigres Asiáticos. Em parte copiando o modelo japonês que havia sido vitorioso anteriormente, em parte apoiando-se em características próprias – no caso da Coréia do Sul, por exemplo, em conglomerados apoiados abertamente pelo próprio Governo em termos financeiros – mais uma vez a cultura oriental se fazia presente, aproveitando-se de uma contramaré nas fronteiras econômicas ocidentais.

Estabilizado o crescimento estratosférico dos anos 90, se firma com força o Dragão Chinês. O império contra-ataca deixava de ser título de filme de Hollywood para passar a representar a retomada de terreno na dianteira econômica mundial, apoiada em índices de crescimento espantosos, tanto populacional como produtivo, tendo como pilar central a adaptação ao modelo capitalista dentro de uma sociedade oficialmente comunista. O bambu verga, mas não quebra (1), e a China anseia por ser o centro financeiro mundial, papel que em sua ótica já lhe pertenceu no passado e que apenas está voltando ao seu devido lugar. A reboque deste contexto surge o termo BRICs, em que se tenta colocar numa mesma denominação países emergentes como Brasil, Índia, Rússia e China. Definitivamente a cultura oriental não poderia ser mais negligenciada como um fator de sucesso.

Poderiam vocês na altura deste post estar se perguntando: porque será que o Leopoldo deu o título de Yoga para este texto? A minha intenção foi demonstrar que em meio à roda-viva a que fomos acostumados, de intensa disputa por espaço, uma urgência constante em demonstrar o quão melhores somos do que os outros, muitas vezes nos esquecemos o que de melhor a cultura oriental tem a nos ensinar: a tranqüilidade com que eles lidam com os problemas do dia-a-dia. E o yoga é um exemplo disto, ou mais, é uma das ferramentas para isso.

Baseio minha análise após ter lido o livro “Yoga – Sabedoria, Liberdade e Felicidade” – Fátima Miranda – Ed. Mauad – 2005 – 151 págs. Neste percebemos que o mundo caminhou para uma aceleração tal que esquecemo-nos de relaxar e de aproveitar o que de melhor ele nos tem a oferecer. A disputa atingiu ao nível que somos levados a perder tempo fazendo considerações maquiavélicas sobre possíveis estratagemas que estariam sendo arquitetados contra nós, ao invés de fazermos uma avaliação positiva sobre os acontecimentos em nossa vida.

A autora tem o mérito de não forçar o leitor para um determinado caminho. Faz inclusive comparações com a religião católica para demonstrar os pontos em comum entre as filosofias ali inseridas. Jesus, por exemplo, seria um grande yogue, um mestre em seus ensinamentos. A partir daí, fui surpreendido em termos práticos em como as técnicas de postura e relaxamento muito se assemelhavam às que praticava quando tinhas aulas de alongamento. Descobri que o canto típico dos monges – OM – tem um objetivo voltado à concentração e à meditação. Reforcei meu conhecimento sobre a prática da respiração dirigida para o relaxamento – ver post “A Química da Alegria” – Nov/2010. E como todas essas coisas se encaixam no caminhar futuro?

Digo a vocês que quanto melhor pudermos fazer a associação das duas culturas – ocidental e oriental – mais bem sucedidos seremos nos projetos que viermos a abraçar. Relaxar é preciso, e este é um dos principais mantras da obra supracitada. Como fazer isso em meio ao nosso tresloucado dia a dia, somente lendo o livro, o qual recomendo tanto para aqueles que pretendem ter uma porta de entrada para a prática em si como para terem um conhecimento básico sobre a sua filosofia. Porém, lhes digo: o segredo dos orientais é perseverança, flexibilidade e capacidade de adaptação. Assim eles estão dominando o mundo. Será que não temos o que aprender com eles?

Abaixo encontrarão um pequeno trecho do livro. Relaxem e tenham uma boa leitura. Namastê!

“O contentamento, a confiança e a positividade são recomendados para aqueles que desejam seguir este caminho. Saber transformar o negativo em positivo é muito importante. Hoje conhecemos que as pessoas intransigentes, mal-humoradas e negativas ficam com a defesa do organismo mais baixa. As pessoas alegres, bem-humoradas, tolerantes e compreensivas adoecem menos, vivem mais e com melhor qualidade de vida. O yoga ensina isso: sempre tentar enxergar as coisas pelo melhor lado, jamais perder a confiança. [...] Importante é saber analisar com tranqüilidade as situações e vivê-las da melhor maneira possível, tentando resolver os problemas com calma, tentando conversar com quem se convive e que muitas vezes nos afeta, desenvolvendo a paciência e a paz interior. Saber conversar é muito importante. Saber escutar também. Procurar uma solução harmônica, mais ainda” – págs. 67/68.

(1)     O provérbio chinês original fala em árvore, e não em bambu. Esta foi uma pequena adaptação minha. Abaixo, o original, retirado do livro aqui referenciado à pág. 71:
“Ao nascer, o homem é suave e flexível.
Na sua morte é duro e rígido.
Plantas verdes são tenras e úmidas.
Na sua morte são murchas e secas.
Um arco rígido não vence o combate.
Uma árvore que não se curva, quebra.
O duro e o rígido tombarão.
O suave e flexível sobreviverão”.

quinta-feira, 17 de março de 2011

MUTAÇÕES

A morte de Heath Ledger, em Janeiro de 2008, antes do lançamento do filme que iria lhe dar o Oscar póstumo de melhor ator coadjuvante no ano seguinte pelo papel do Coringa em “Batman: o Cavaleiro das Trevas”, causou perplexidade em função do sucesso que o ator vinha alcançando, principalmente a partir de “O Segredo de Brokeback Mountain” (2005). A causa da morte se deveu a uma mistura exagerada de medicamentos prescritos, como antidepressivos, calmantes, analgésicos e tranquilizantes.


 Heath Ledger e seu célebre Coringa
Fonte: cinesemana.com.br

Numa análise rasteira poderíamos dizer que este fato reforçaria o estereótipo de que no meio artístico existe uma gigantesca quantidade de malucos, pessoas que fazem questão de se envolver com drogas de todo o tipo, etc, etc. Porém, sempre fui refratário de tal avaliação. Tratando-se de seres humanos as questões nunca são simples, muito pelo contrário, tendem a ser por demais complexas para que num único insight se chegue a alguma conclusão muito próxima da verdade.

Ao ler a autobiografia da atriz norueguesa Liv Ullman – “Mutações” – Ed. Cosac Niafy – 224 págs. – 2008 – identifiquei o que acredito ser uma linha de pensamento mais consistente sobre o tema. Os atores vivem em meio ao seguinte dilema: têm que emprestar seu corpo e sua mente em prol de um outro ser, representado pelo personagem. O sucesso alcançado nesta área não é isolado das conseqüências externas – fama súbita, vidas devassadas, muito dinheiro – e em meio a tudo isso ainda existe um ser humano com suas incríveis dúvidas sobre a vida e o seu rumo futuro. Se no particular tal fato já é complicado, imagine tendo que lidar com a pressão de sempre interpretar, a vista de todos, o mais alto nível em seu trabalho.

Liv Ullman, nascida em 1938, relata em sua autobiografia tais inquietudes. Obra datada inicialmente de 1975, foi escrita ainda em meio ao sucesso obtido com a parceria que teve com o diretor sueco Ingmar Bergman. Taxada como exitosa atriz européia, sua transição para Hollywood teve ainda a reboque a criação da filha Linn, fruto do relacionamento com Bergman. No livro fica clara a dificuldade que é a mescla entre a fama e o ato de lidar com pessoas estranhas a todo momento por dever de ofício, com a necessidade de transitar entre diferentes personalidades num só corpo. Esta última característica apresenta-se quando a atriz comenta sobre papéis interpretados, exemplificando os dilemas que enfrentava à época.

Ganha destaque neste aspecto o personagem Nora, da peça do norueguês Henrik Ibsen, “A Casa de Bonecas” (1), interpretada por Ullman tanto na Noruega natal como nos Estados Unidos. Os embates de uma estória densa, que no seu idioma original já eram de um grau de dificuldade intenso por conta da necessária imersão, demonstram-se num nível mais alto quando enfrentados aos olhos de um público distinto, num idioma diferente – a própria atriz fez correções no roteiro para que melhor se adaptasse ao sentido da obra – trazendo um stress extra para a atuação.

O livro inicialmente demonstra-se de difícil leitura, pois o leitor ainda não está ciente de que enfrentará idas e vindas, tanto no tempo – ora se remetendo à infância na Noruega, ora aos tempos ao lado de Bergman ou ao lado do primeiro marido, de maneira não linear – quanto no contexto, quando a atriz dialoga com seus personagens a narrar suas inquietudes. Porém, após o entendimento de tal dinâmica, serve principalmente para identificar, tanto pelo lado do ser humano quanto pela atuação artística, todos os obstáculos que essa atriz enfrentava em meio aos loucos anos 70.

Neste ponto, voltamos então ao gancho inicial deste post. Tanto Ledger quanto Ullman conviveram com as constantes mutações presentes no seu dia-a-dia. Ora tendo que enfrentar as verdades da vida, ora tendo que ultrapassar os limites de corpo e mente para incorporar um outro ser. Se existe uma profissão em que é extremamente difícil não levar o trabalho para casa é esta de ator. Ainda mais quando de grande sucesso. Apoios psicológicos e químicos, quando mal-trabalhados, podem levar até mesmo à morte, e essa fronteira encontra-se muito próxima quando falamos do meio artístico e, infelizmente, perdemos grandes talentos por isso. Não devemos, portanto, ser alheios a este contexto e fazer pré-julgamentos apressados. Ledger faleceu por não saber lidar com tais mutações. Ullman ainda está viva para continuar contando suas histórias. O ser humano é, como já disse anteriormente, muito complexo.

Termino este texto transcrevendo um trecho da autobiografia de Ullman, na esperança de melhor demonstrar o que acima tentei expor:

“Nós, que estamos vivos, neste momento, somos apenas uma parte infinitesimal de algo que existe há uma eternidade e continuará a existir, quando não houver nada mais servindo como prova de existência da Terra.
Entretanto, precisamos sentir e acreditar que somos tudo.
Esta é nossa responsabilidade – não apenas para conosco mesmos, mas para com tudo e todos com quem partilhamos nosso tempo de existência.
O que é mutação?
Algo que acontece dentro de mim? Ou algo que experimento em outras pessoas?
Talvez seja um impulso consciente ainda mais forte e, sendo assim, para onde conduz?
Para que estou me esforçando?
Para me tornar o melhor ser humano possível? Ou a melhor artista?
O que realmente desejo fazer com aquilo que alcancei?
O que farei com a mutação?
Talvez não seja tão importante saber.
Talvez não seja tão importante chegar”. – Mutações – pág. 186.

(1)     "Casa de bonecas" narra em três atos a hipocrisia e as convenções da sociedade do final do século XIX. Nora salva a vida do marido doente graças a um empréstimo que consegue mediante a falsificação da assinatura de seu pai. Mais tarde, o marido, Torvald, reprova a atitude pelas possíveis conseqüências para sua carreira profissional, sem considerar o gesto um sinal de amor. Com isso, a protagonista acaba abandonando o marido e os filhos. A obra pertence ao período realista de Ibsen e escandalizou o público de então com sua denúncia da moral burguesa.

Fontes: acesso em 27 de Dezembro de 2010

sexta-feira, 11 de março de 2011

MULHERES

Confesso que sou um grande admirador das mulheres. Estou cercado por elas, tanto no trabalho quanto na minha família, e posso dizer que, sendo modesto, pelo menos 90% delas demonstra uma força interior muito grande para ultrapassar os obstáculos que a vida impõe. Porém, um mistério para mim se coloca quando penso nesta questão: se as mulheres são tão fortes assim, porque a seleção feminina de vôlei do Brasil fraqueja quando menos se espera?

É fato que sob o comando de José Roberto Guimarães elas deram um salto de qualidade. E isso não é pouco, levando-se em conta que o comandante anterior era o supervitorioso Bernardinho. Na fase em que estavam sob o comando do atual treinador da seleção masculina possuíamos uma geração tão talentosa quanto à atual, com jogadoras do naipe da Ana Moser, Márcia Fú, Ida, Fernanda Venturini, entre outras. Os maiores resultados alcançados por esta geração foram duas medalhas de bronze olímpicas (1996/2000), um tricampeonato do Grand Prix (1994/1996/1998) e um vice-campeonato mundial (1994) – o que não é pouco, diga-se de passagem.

Naquela ocasião resultados melhores não advieram talvez pelo fato delas terem sido contemporâneas de uma geração cubana fantástica, que tinha à frente um talento assombroso como Mireya Luiz. As cubanas foram então tricampeãs olímpicas (1988/1992/1996), sempre superando a equipe de Bernardinho nas principais competições, inclusive no Mundial de 1994 disputado no Brasil, em que perdemos a final em frente a 12.000 torcedores em São Paulo, e ainda tendo protagonizado cenas de pugilato explícito nas Olimpíadas de Atlanta com as brasileiras, ao término da semifinal, quando as caribenhas também saíram vitoriosas.

O fato de terem sido as cubanas uma pedra no sapato das brasileiras naquela época põe por terra um argumento falacioso que o destempero ou falta de controle dos nossos nervos se daria em função de nosso sangue latino, uma vez que as caribenhas possuem o mesmo fator. Poderia se dizer que o modo extremado de Bernardinho não seria o mais adequado para as mulheres – até acho isso, mas não para resolver esta questão, pois ele é vencedor em clubes femininos e ganhou Grand Prix com a seleção. Considero isso verdade em benefício da seleção masculina, onde seu estilo se encaixa com mais facilidade. Aliás, este é um mérito da Confederação Brasileira de Voleibol, ter invertido os técnicos em prol do esporte brasileiro como um todo.

Assim, me parece ser difícil para nós admitir simplesmente que as cubanas tinham uma geração superior a nossa, e ponto. Mas acredito que este seja o fato, e os resultados não deixam de demonstrar. Ultrapassada esta etapa e iniciada a gestão de José Roberto Guimarães, outras atletas de ponta surgiram, assim como a geração cubana já não era mais a mesma. No entanto a luta para alcançar grandes resultados com constância não tem sido 100% exitosa.

As meninas foram campeãs olímpicas pela primeira vez em Pequim, 2008, devolvendo um resultado adverso que tiveram em relação às russas quatro anos antes, nas Olimpíadas de Atenas, quando perderam uma semifinal que vinham ganhando no 4º set – numa partida em que venciam por 2 sets a 1 – por 24 a 19 e não conseguiram fechar, com as russas vencendo o jogo no tie-break que veio em seguida. Então, no ano passado, quando todos nós imaginávamos que iríamos finalmente vencer um Mundial, com uma campanha invicta até o jogo final, assim como chegou o time russo, perdemos. Ou seja, uma rotina de idas e vindas nos degraus do pódio das principais competições.

Dessa forma, digo-lhes, a única conclusão que chego é que, mesmo que no masculino estejamos sempre por 1 ou 2 pontos de diferença entre a vitória ou a derrota, pelo menos por lá a mentalidade vitoriosa já está assentada. Entramos nos jogos nos imaginando superiores e que vamos ganhar ao final, o que não necessariamente nos faz atuar acomodados, pois uma das diretrizes do Bernardinho é que tão difícil quanto ser o nº 1 é se manter nesta posição, e que temos que provar a cada jogo que somos dignos dela.

Pois as mulheres, talvez respeitando um ciclo natural de altos e baixos, tal qual o ciclo menstrual que vivem todo mês – e falo isto apenas como semelhança abstrata, e não como razão ou motivo para os resultados “negativos”, até o ponto que ser vice-campeão mundial pode ser considerado como tal – ainda não introjetaram esse modo de pensar. Além disso, claro, temos equipes de alto nível do outro lado que também buscam o mesmo resultado – assim como no masculino, por isso nos questionamos sobre qual é a diferença, ora bolas!

Dessa forma, no momento decisivo, elas ainda se vêem a enfrentar aquele dilema: será que somos capazes? Será que vamos sair vitoriosas? Os homens, pelo contrário, estão entrando com essa certeza interior, não fazem este tipo de questionamento, ao ponto de fazer de tudo para alcançar o objetivo almejado, o que já gerou uma polêmica danada por aqui (ver post Razão, Paixão e Ética no Esporte – Out/2010). Mas fato é que esta abordagem tem funcionado.

Será que o x da questão é que as mulheres são mais paixão que razão? É, pode ser, mas isso também é um estereótipo pra lá de batido. De qualquer modo continuarei torcendo para que elas se afirmem no cenário mundial no mesmo nível que o já alcançado no masculino. Em verdade, já somos respeitadíssimos em ambos os gêneros no vôlei mundial, mas faz parte de nossa cultura querer sempre mais, ainda mais quando sabemos de onde podemos tirar, não? E de nossas mulheres, sabemos que pode vir muito mais!

Fontes acessadas em 31 de Dezembro de 2010:


quinta-feira, 3 de março de 2011

TROPA DE ELITE 2

Saio do escuro do cinema e começo a andar naquele mar de gente envolta com preocupações natalinas*. O que comprar para o afilhado, aquele conhecido que sempre aparece nas festas, a tia Melina e o tio Joaquim, além dos parentes mais próximos – esposa(o), filhos, pai e mãe?

Porém, a adrenalina está lá em cima. O “osso duro de roer/pega um/pega geral/e vai pegar você” nos rodeia no dia a dia e acaba de ser exposto em tintas vivas na telona. Cada semblante que passa por mim mascara, na flor da pele, uma tranqüilidade construída em torno do paraíso particular de cada um, alheio - propositalmente ou levianamente, não importa - aos sintomas que a sociedade apresenta de um certo desalinho com o que imaginamos de ideal.

Perguntas trafegam por minha mente: como melhorar o mundo em que vivemos é a principal delas. O agora Tenente-Coronel Nascimento colocou em ações e palavras o inconformismo com o que ele chamou de “sistema”. Somos nós faces servis deste mesmo sistema?

Cada vez que recebemos nosso salário imaginamos como pagar nossas contas. Algumas delas são contas de caráter privado, por exemplo, a conta de cartão de crédito. Mas lhes pergunto: o crédito é barato em nosso país? Já foi mais caro, mas ainda convivemos com uma das mais altas taxas de juro do mundo. Isso porque estamos numa economia inflacionada, inflada pelo desejo consumista de classes que antes não tinham tal poder aquisitivo, e que por mil e um motivos, internos e externos, agora se vêem com a possibilidade de comprar sua geladeira triplex frost-free para fazer o churrasquinho do final de semana.

É óbvio que essas mesmas classes lutaram anos e anos por um bem melhor, e têm o devido direito de usufruí-lo quando o encontra em seu horizonte. Mas o embate chave para todos é: podemos ter uma justa distribuição de renda sem ter uma sociedade viciada na corrupção gerada pelo capital multiplicado por diversas vias? Por enquanto foram poucos os caminhos identificados para uma resposta positiva a esta pergunta. Talvez em comunidades isoladas no meio da Amazônia tenhamos uma que atenda aos nossos maiores devaneios ideológicos.

O custo financeiro alimentado acima já foi propalado em diversos momentos como sendo um preço a pagar pelo alto nível de inadimplência. Porém ao mesmo tempo ouvimos dizer que o bom trabalhador, da classe mais humilde, é um bom pagador, honra o seu nome, capital mais caro a sua alma. Então quem é o mau pagador?

Vou mudar a última pergunta tentando atingir o âmago da questão por uma outra porta: qual é a principal característica do crime, seja ele organizado ou desorganizado? É não ter regras. O crime não precisa responder a ninguém ou a nada, e isso a facilita a sua entrada em diversos patamares de nossa sociedade. Agora, quem dita as regras para a nossa sociedade? Seria, em tese, a classe política, representantes maiores do povo nas instâncias legislativas.

Por este raciocínio, temos no longa de José Padilha, “Tropa de Elite 2” (2010), um paradoxo: o principal vilão é o “sistema”, formado por agentes corruptos – polícia e políticos principalmente – que possui tentáculos tão longos que chegam até a Câmara dos Deputados em Brasília. Estes agentes, que não seguem regras, são os mesmos que deveriam construir as regras que a sociedade deve seguir. São os maus pagadores e que pouca se importam em o sê-lo.

Assim, temos o grosso, a grande maioria da população seguindo regras que servem aos interesses de uma minoria, que não precisa se submeter às mesmas. A revolta pontual quanto aos desmandos dessa elite não os afeta em nada. Seriam necessárias gerações para mudar tal cenário, gerações de embate contínuo à arquitetura vil em que estamos inseridos. Porém essa revolta chega a tanto que não é a toa que o momento de maior descarga de adrenalina, aquele em que desejamos estar na pele do personagem de Wágner Moura, mais uma vez numa atuação de alto nível, é quando o caveira, agora travestido de sub-secretário de segurança, enfia o cacete – fisicamente mesmo - num político. Somos nós batendo no sistema, ou numa ponta dele, pelo menos para o nosso deleite por dois minutos, tal qual um saco de pancadas de uma academia de boxe para aliviar o stress.

Nesse sentido, o filme se presta ao seu final a mandar um recado: existe a necessidade de nos incomodarmos com isso, esse atual estado de coisas, mas sempre, a todo momento, e não por apenas dois minutos. Sem isto não estaremos criando gerações futuras com um mínimo de probabilidade de viver numa sociedade mais justa e igualitária. Do contrário, como diz a música ao final, brilhantemente interpretada pelos Paralamas do Sucesso – eu não sei da’onde vem o tiro. Mas que irá nos atingir, irá.

O Calibre


Composição: Herbert Viana

Eu vivo sem saber até quando ainda estou vivo
Sem saber o calibre do perigo
Eu não sei d'aonde vem o tiro (2x)
Por que caminhos você vai e volta?
Aonde você nunca vai?
Em que esquinas você nunca pára?
A que horas você nunca sai?
Há quanto tempo você sente medo?
Quantos amigos você já perdeu?
Entrincheirado, vivendo em segredo
E ainda diz que não é problema seu
E a vida já não é mais vida
No caos ninguém é cidadão
As promessas foram esquecidas
Não há estado, não há mais nação
Perdido em números de guerra
Rezando por dias de paz
Não vê que a sua vida aqui se encerra
Com uma nota curta nos jornais
Eu vivo sem saber até quando ainda estou vivo
Sem saber o calibre do perigo
Eu não sei d'aonde vem o tiro (2x)


* Isso mesmo, somente vi "TROPA DE ELITE 2" próximo ao Natal de 2010, depois de longa espera. Mas valeu a pena, ao final.