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sábado, 31 de março de 2012

O FUTURO DA HUMANIDADE

Um livro, quando classificado de “auto-ajuda”, ironicamente carrega junto consigo uma pecha que tende a colocá-lo no nível de literatura de baixa qualidade. O leitor tem duas opções quando se depara com esse dilema: por princípio, jamais os compra; ou por curiosidade, os compra e deixa os sentimentos decidirem por si próprio se valeu à pena.

Este debate resvala perigosamente em outro que vira e mexe assola a nossa sociedade, que é a diferenciação entre programas audiovisuais de alto nível e os Reality Shows. Digo isto porque em ambos os casos acaba-se estratificando a audiência – no primeiro caso, os leitores, e no segundo os telespectadores- entre aqueles que aceitam qualquer coisa e os de “faro” mais apurado, intelectualmente falando.

No meu caso particular, não tenho porque esconder que paradoxalmente fui um apaixonado espectador das primeiras edições do BBB, enquanto até bem pouco tempo evitava com afinco ler os livros de auto-ajuda, em que pese minha característica de leitor compulsivo do que me venha à mão. Muito recentemente tal barreira psicológica caiu por terra, e tive a possibilidade de vivenciar algumas idéias transpostas para tais livros com o intuito de dar algum alento às pessoas que imaginam necessitar (1).

Um dos quais tive oportunidade de ler foi “O Futuro da Humanidade” – Augusto Cury – 251 págs – Ed. Sextante – 2005. O autor alia nesta que é a sua primeira obra de ficção, o manuseio correto das palavras para expor na boca do personagem principal, um psiquiatra denominado Marco Polo, suas principais propostas e teorias de conduta para o ser humano estar voltado ao bem-viver (2).


 
O fio condutor gira em torno da formação de Marco Polo como profissional da psiquiatria, tendo uma trajetória um tanto quanto heterodoxa, ao aplicar diretamente ensinamentos obtidos em função de sua convivência com um mendigo chamado Falcão - para alguns parecerá uma inspiração talvez buscada diretamente do Profeta Gentileza. A narrativa aponta para a luta cotidiana de se implantar no cotidiano um olhar mais humano em torno dos moradores de rua e doentes mentais, rejeitados pela sociedade por seus distúrbios psiquiátricos, ao invés de simplesmente colocá-los a margem, lidando com os mesmos via tratamentos químicos puros, sem se buscar a razão, as mentes brilhantes e o equilíbrio que estariam soterrados abaixo de histórias de sofrimento em seu passado.

Para tanto o verbo central é “contestar”, não aceitar receitas prontas, dialogar e argumentar, sempre com o intuito de elevar a consciência do papel que cada um de nós pode exercer no futuro da humanidade. Obviamente, levando-se em conta a sociedade materialista em que vivemos, o choque de se colocar o ser humano no centro de nossas vidas ao invés do ganho financeiro imediato e egoístico é um baque duro para uma grande parte das pessoas. Não por culpa delas, mas sim porque todos estão contaminados pelos parâmetros com os quais, no passar dos séculos, a comunidade em que estamos inseridos se pauta.

Para finalizar, vou exemplificar contando três histórias, demonstrando inclusive como eu mesmo cometo atos falhos que demonstram nossa maneira, hoje em dia, enviesada de se observar o mundo ao redor. Na semana em que li o livro ocorreu a queda de três edifícios no Centro do Rio de Janeiro, ceifando a vida de cerca de três dezenas de pessoas. Em meio aos inúmeros relatos jornalísticos daquela ocasião, um me chamou a atenção. A repórter colocou que a queda se deu próxima ao Teatro Municipal, que havia recém passado por uma reforma. Ela afirmou que, Graças a Deus, o teatro não havia sido atingido. Naquele mesmo período, observo um pai que acompanhava o filho brincando com um tablet. O garoto quase levou um tombo, distraído que estava com o novo brinquedo eletrônico. O pai deu um grito, ao que o menino respondeu que estava tudo bem, que ele não havia se machucado. O pai, então, retrucou: “Você se machucar é o de menos! Imagina se tivesse quebrado o computador novinho!”. Por último, o meu próprio caso. Ainda durante aqueles dias, o Rio de Janeiro vivia o fim-de-semana de estréia do musical Xanadu (3), no Teatro Leblon. Numa das cenas, os atores Thiago Fragoso e Daniele Winnitz sobrevoam a platéia pendurados por cabos de aço. Justamente na noite de sábado – ou seja, numa das primeiras apresentações – os cabos se romperam e os protagonistas ficaram seriamente feridos. Sabe qual foi o meu comentário imediato ao saber do ocorrido: “Que pena! Eu estava tão interessado em ver a peça. Não vai dar para ser agora”. Cai o pano!

Espero, sinceramente, que o nosso futuro em sociedade seja pautado por outros valores. A continuar assim, talvez não tenhamos muito que lamentar, pois simplesmente não existiremos. Estaremos erradicados da face da Terra muito antes do colapso do Sol.

(1)    É interessante que, se ao observar de maneira desapaixonada, todo o raciocínio acima exposto pode, de alguma forma, ser aplicado a um clássico da literatura mundial, como “O Pequeno Príncipe”, de Saint-Exupéry.
(2)    Uma das coisas que me desanima nos livros de auto-ajuda é a pretensão, de alguns deles, em vender um modelo. No caso de Cury, isso se dá no pósfácio, quando se indica a possibilidade de se interagir com o mesmo por intermédio do Instituto Academia da Inteligência – www.escolainteligencia.com.br , entidade criada pelo autor com o objetivo, como pelo próprio descrito, de “preparar os alunos para serem pensadores e não repetidores de idéias [...]”.
(3)    Peça inspirada no filme homônimo de 1980, que teve a participação de Olivia Newton John. Para mais detalhes ver http://www.cineplayers.com/filme.php?id=1945 .

Sugestões de filmes, que podem ter servido como referência e inspiração para Cury em sua obra:
  • “Hair” – 1979 – “Claude (John Savage), um jovem do Oklahoma que foi recrutado para a guerra do Vietnã, é ‘adotado’ em Nova York por um grupo de hippies comandados por Berger (Treat Williams), que como seus amigos têm conceitos nada convencionais sobre o comportamento social e tenta convencê-lo dos absurdos da atual sociedade. Lá Claude também se apaixona por Sheila (Beverly D'Angelo), uma jovem proveniente de uma rica família” - http://www.interfilmes.com/filme_13511_hair.html .
  • “O Jardineiro Fiel” – 2005 – “Uma ativista (Rachel Weisz) é encontrada assassinada em uma área remota do Quênia. O principal suspeito do crime é seu sócio, um médico que encontra-se atualmente foragido. Perturbado pelas infidelidades da esposa, Justin Quayle (Ralph Fiennes) decide partir para descobrir o que realmente aconteceu com sua esposa, iniciando uma viagem que o levará por três continentes” - http://www.adorocinema.com/filmes/jardineiro-fiel/ .

sábado, 24 de março de 2012

DIFERENÇAS

Conviver com as diferenças é uma arte, mas de difícil consecução. Fui testemunha de uma reação num tom por demais forte à exposição de idéias que uma amiga minha, jornalista, fez por intermédio do seu blog, sendo contrária às ações afirmativas baseadas no conceito de raça. Ela propunha que a política de cotas fosse vinculada à reserva de vagas para escolas públicas, não importando a cor ou credo que o postulante professasse.

Após ter exposto sua opinião, foi atacada como sendo racista, nazista e que tais. Isso, levando-se em conta de alguém que é neta de índios soa no mínimo estranho. Para mim mais ainda e não foi a toa que o lema que escolhi para o meu blog preconiza a troca de idéias, pois não somos detentores absolutos da verdade suprema. Cada um de nós vê uma determinada situação por um ângulo muito particular, um prisma diferente que deve ser respeitado, mesmo que contestado. Mais do que isso ter respeito pelo interlocutor faz parte do processo.

Ok, alguns de vocês poderiam se questionar que quando necessariamente aquele com quem entabulamos diálogo é alguém comprovadamente de má índole, como devemos agir. Não tenho uma resposta pronta para isso. As reações das quais somos pegos de roldão, incontroláveis mesmo, ditam em momentos extremos nossas atitudes. Ter um discurso consciente de como se portar é fácil, estando fora da situação em si. Mas se não tentarmos pelo menos...

Indo por este viés, não devemos nos deixar perturbar pelo destempero ou irracionalidade de terceiros. Devemos buscar sempre sermos ponderados, frios até, para dobrarmos aqueles que, em nossa visão, estão no caminho errado da estrada. Agora, que não podemos é nos furtar de ouvir a opinião alheia e, ainda mais, atacar de maneira vil aquele com quem se abriu um canal de comunicação. Taxar pessoas, encontrar seus defeitos, é a coisa mais fácil do mundo. Busque fazer um elogio e perceba a diferença!

Tal esforço ganha em dificuldade quando juntamos diversas cabeças para debater um único tema. Quantas foram as reuniões das quais participamos que se não se tem uma orientação, um foco, se perdem em debates inúteis, sem sentido e sem fim? Buscar parâmetros comuns numa miríade de idéias, ser neutro o suficiente – mesmo tendo aquela mosquinha interna que incomoda quando vê projetos estapafúrdios ganharem forma a sua frente sem ter como impedir – é uma ação para mestres zen do maior grau.

Mas, e se chegarmos a conclusão que não somos moldados para tal tarefa – conduzir discussões de maneira isenta, digo - o que fazer? Uma das alternativas é deixar o fluxo passar, não chamar para si a responsabilidade e colocar de maneira clara sua opinião de forma a contribuir para a tomada de decisão. É uma atuação mais cômoda, sem dúvida, mas se de maneira consciente se tomar esta decisão, não estaríamos contribuindo de forma muito mais efetiva do que ao tentar bagunçar um debate?

O maior cuidado com essa postura é não se deixar levar por um comportamento de manada. Se eximir de todo de expor sua opinião é até aceitável, por prudência ou por achar que ainda não possui os elementos suficientes para posicionar-se. Porém, corroborar decisões que considera equivocadas de cara, mesmo sem ter uma resposta contrária de pronto, parece mais casuísmo do qualquer outra coisa.

Enfim, este post não teria fim se fôssemos buscar na memória exemplos de condutas do que pelo que foi aqui explanado entendo serem as atitudes mais adequadas e as mais incorretas. Mas este não é o meu objetivo. Construir uma trajetória que permita olhar para trás e ter a tranqüilidade de dizer que se tomou uma decisão, expôs uma opinião, se contribuiu para um projeto de acordo com as informações que tinha a mão é a principal idéia aqui a ser incutida em termos de postura, respeitando-se as diferenças que possam vir em sentido contrário. Espero ter plantado esta semente em vocês. De outro modo, respeito a sua escolha, assim como peço respeito em relação à minha e a de quaisquer outros. Estaria eu sendo ingênuo demais?

sábado, 17 de março de 2012

LUZ DO MUNDO

Curiosidade. Esta é a palavra que pode resumir o meu sentimento quando me propus a ler o livro “A Luz do Mundo” – Bento XVI, Papa – Ed. Paulinas – 246 págs. - 2011. De um certo modo, devo confessar, havia uma reticência: este é um papa polêmico, no sentido de que tem uma tarefa ingrata, que é a de ocupar o posto máximo da Igreja Católica após o pontificado de João Paulo II, reconhecido como um exímio condutor, pautado por um imenso carisma pessoal.


A parte tal desafio, se viu envolto em uma série de debates, girando em torno das questões vinculadas aos escândalos de abusos sexuais por padres católicos, ora nos Estados Unidos, ora na Irlanda, ora em sua terra natal, a Alemanha, para falar apenas dos que mais chamaram a atenção da mídia. Mas além deste aspecto, ele não se furtou a abordar neste livro outros temas-tabu, como o sacerdócio para mulheres, o homossexualismo, o uso de preservativos e o celibato, e isso se reflete numa obra com posicionamentos expostos sobre cada um destes temas.

Porém, mesmo levando-se em consideração o apelo de tais assuntos, nunca me vi com ímpeto suficiente para ler um texto que tratasse de questões religiosas, a menos que o autor fosse reconhecido por sua clareza para leigos. Nesse sentido, o que me fez superar tal barreira foi o fato de que esta obra foi editada em formato de entrevista, tendo como moderador o jornalista Peter Seewald (1).

Tendo sido redator de importantes periódicos alemães, como a revista Spiegel (http://www.spiegel.de/) e o jornal Süddeutsche Zeitung (http://www.suddeutsche.de/) e “conhecido internacionalmente por adotar em seus livros um estilo particular: as entrevistas” houve aí um canto da sereia para o qual a minha curiosidade se apegou para ser satisfeita.

Dos temas acima citados, apenas em um deles tive uma nova perspectiva em relação ao discurso oficial da Igreja Católica: o uso de preservativos. Na verdade a tese defendida, salvo engano, é que este não seja o primeiro recurso (ou único) para o controle da natalidade, mas sim que seja uma terceira porta quando duas primeiras não funcionam: o método dito natural – reconhecido como “tabela”, com fidelidade ao parceiro escolhido por intermédio do sacramento do casamento; a abstinência; e aí sim o preservativo, quando não há solução em relação aos dois primeiros. Talvez essa relativização esteja ganhando corpo principalmente em função da prevenção da Aids, o que dificultaria, pelo menos, o uso puro e simples do primeiro método aqui citado.

De toda forma, o livro traz uma espécie de “ato falho” e uma lacuna que são difíceis de serem defendidas. O “ato falho” diz respeito ao Papa citar como países ocidentais apenas os desenvolvidos, o que nos parece um equívoco de formação. Para um europeu ter o viés de que apenas os países ditos “desenvolvidos” são do Ocidente pode indicar um preconceito guardado no inconsciente. Este ponto, atrelado a se ignorar o histórico de ter sido um soldado nazista, durante a Segunda Guerra Mundial – fato confirmado apenas na cronologia presente ao final do livro (2) – assunto não tratado na entrevista, deixa uma percepção de que houve uma seleção antes da publicação – em que pese a afirmação, logo no início, de que o Papa teria feito apenas correções gramaticais ou para esclarecer determinados pontos que tenha achado que ficaram obscuros. Não há como negar um gosto de “Mas e...”.

De toda forma, o principal mérito do livro é o registro histórico do pensamento de uma personalidade de grande influência, pelo menos no que diz respeito à formação do pensamento da Igreja Católica contemporânea. Não se deve esquecer, ademais, que ele era um dos principais assessores de João Paulo II que, em que pese seu já citado carisma, sempre se caracterizou por ser muito firme na defesa dos preceitos do Catolicismo. Ou seja, vale a leitura, nem que seja pelo aspecto cultural.

(1)    Peter Seewald hoje em dia é um jornalista free-lancer que se dedica especialmente aos temas religiosos. Não sou muito fã do Wikipédia como fonte confiável. Porém, dado a escassez de relatos na internet sobre a vida deste profissional tive que confirmar uma breve menção sobre sua conexão com o Catolicismo, pontuada em distintos sites de uma forma muito singela – “Peter Seewald, who converted to Catholicism after meeting the then-Cardinal Ratzinger (...)” - http://ctscatholiccompass.org/tag/peter-seewald/ , por exemplo. No Wikipédia é colocado que o início de sua vida era com um determinado vínculo religioso. Depois ele se encaminha para a esquerda, fundando inclusive um periódico nesta linha, já se afastando da Igreja, retornando após o contato com o então Cardeal Ratzinger, em 1996.
(2)    “1943-1945: presta serviço militar como auxiliar nos serviços antiaéreos, nos serviços de trabalho e de infantaria. De maio a junho de 1945, fica prisioneiro dos americanos em Neu-Ulm” – pág. 222. É interessante notar ainda como um dos pontos mais ressaltados em sua trajetória já como Papa é o esforço pela aproximação com o Judaísmo e outras vertentes do Cristianismo – a Igreja Anglicana, Ortodoxa, os Protestantes (em especial os Luteranos), entre outras – além do próprio diálogo com o Islamismo. Com um olhar positivo, é o esforço por professar o entendimento entre os homens em prol da paz, evitando-se que a temática religiosa seja utilizada como justificativa para as guerras. Por outro lado, seria o homem Ratzinger motivado pela expiação de uma culpa pessoal guardada no fundo da alma? Jamais saberemos. Agora, uma pergunta que fica: isto realmente importa?

terça-feira, 13 de março de 2012

ÍNDIA X PAQUISTÃO - TACO PELA PAZ

Quando viajamos para países mais distantes uma das dificuldades que sofremos é a adaptação ao fuso horário. Não, eu não fui nem a Índia e nem ao Paquistão, pelo menos fisicamente. Porém pude sentir um pouco de sua alma na viagem realizada à Alemanha no ano passado. Explico.

Na tentativa de me adaptar ao fuso horário europeu – 5 horas à frente, chegada a hora de dormir, muito cedo para nós, buscava ligar a televisão, tida como um calmante sensacional, sintonizando no noticiário da BBC (British Broadcasting Corporation - http://www.bbc.co.uk/portuguese/), famosa rede de radiodifusão britânica. Por intermédio desta pude acompanhar dia após dia a evolução do campeonato mundial de críquete. Este esporte tipicamente anglo-saxão foi espalhado pelas antigas colônias inglesas, se tornando em algumas delas a principal atividade esportiva. E não foi diferente com Índia e Paquistão, duas das potências no que se refere a este passatempo que nos remete ao taco que por vezes é disputado em nossas ruas.

A maneira mais fácil para o brasileiro entender o cricket é por meio da semelhança com o taco ou betes, que parece uma forma simplificada do jogo inglês. O princípio é o mesmo: o arremessador tem que derrubar a "casinha" ou wicket, e o rebatedor tem que bater a bola e correr até o outro wicket para marcar pontos, ou runs.
Mas, enquanto o taco é jogado em duplas um time de cricket é formado por 11 jogadores: dois rebatedores, os batsmen, e onze fielders no campo tentando impedir que a equipe da vez (a que rebate) complete as runs, e tentando eliminar os rebatedores. Além de derrubar a casinha, o rebatedor pode ser eliminado se a bola for pega no ar; ou se a wicket for “quebrada” antes de os rebatedores chegarem a ela ao tentar marcar suas runs A equipe da vez tem que marcar o maior número de runs possível, enquanto o outro time tenta eliminar dez rebatedores. Uma vez que todos esses rebatedores são eliminados, os times trocam de posição, passando a rebater o que estava arremessando e a arremessar o que estava rebatendo. O vencedor é o time com o maior número de runs ganha o jogo. (grifo nosso)
Fonte: http://www.brasilcricket.org – acessado em 13 de Agosto de 2011

O que mais chama a atenção neste contexto específico é o poder que o esporte tem para trazer o congraçamento entre povos que se vêem como inimigos históricos, por conta de suas disputas territoriais (1). A vitória indiana nas semifinais, com 260 runs contra 231 dos paquistaneses, foi o que menos importou nesta partida disputada em Mohali, Índia, no final de março/2011 – esta acabaria se tornando campeã mundial, posteriormente. O mais impressionante foi a percepção de paz entre as duas equipes, sem nenhum tipo de embate mais sério, assim como o respeito e a visão de ali estavam apenas adversários, e que terminado o jogo a vida seguiria e ambos poderiam se relacionar como amantes de uma mesma paixão.

Ou seja, em meio as minhas tentativas de buscar o sono, pude me deixar tocar e emocionar pela observação de que o mundo pode ser melhor se deixarmos os seres humanos identificarem o que têm em comum, não importando as suas nações. A amizade pode ser construída quando todos percebem que professam a mesma fé do bem querer, que a disputa esportiva prega. Esta tem como base também o respeito ao adversário, vendo-o como um próximo que apenas adora se divertir e se distrair com o mesmo jogo que o “outro”. E por que não se distrair juntos, voltando ao espírito de crianças que se encontram nas ruas para mirar a lata do adversário e ao final rirem uns com os outros?

O clássico aperto de mão, símbolo máximo da paz.

Lembro-me de jogando taco nas ruas de São Francisco, em Niterói, quando Chaves, grande amigo, fez questão de “profissionalizar” um pouco o jogo produzindo um taco com empunhadura de borracha na oficina do pai, JJ. Pois bem, no primeiro dia em que ele apareceu com aquele taco todo modernoso, este foi emprestado para que Maguila, um “do bando”, pudesse jogar. E não é que já na primeira partida o taco foi quebrado ao meio, após ter batido no chão. E vocês pensam que houve uma briga por conta disso? Não, estávamos ali para nos divertir, para rirmos das caras uns dos outros, e foi isso que efetivamente fizemos, exalando a alegria típica de uma época sem maiores preocupações. Pois foi essa a lição que indianos e paquistaneses nos apresentaram nesta disputa do Mundial de Críquete. A de que podemos ser pessoas melhores se efetivamente deixarmos algumas “questiúnculas” de lado.

(1)      Muhammada Ali Jinnah, com o apoio da Liga Muçulmana, por ele fundada em 1916, lutou ao lado do Partido do Congresso Indiano contra a dominação britânica e reclamou, a partir de 1940, a criação do Estado Islâmico do Paquistão, separado da Índia, para agrupar os muçulmanos do subcontinente indiano. O princípio da partição foi aceito pelo Partido do Congresso e pela Liga Muçulmana em 1947 [...], ficando aos Estados principescos a liberdade de escolha. Dois deles, Hyderabad e Caxemira, questionaram o princípio da partição e foram anexados pela Índia, sem o reconhecimento pelo Paquistão. [...] A questão da Caxemira continuou sendo uma fonte de tensões entre a Índia e o Paquistão, que entraram em guerra em 1965, sem resolver o problema. [...] As tensões com a Índia cresceram no primeiro semestre de 1998, com a realização de testes nucleares pelos dois países, fato que causou sérias preocupações na comunidade internacional quanto às conseqüências de um possível conflito militar na região.
Fonte: Grande Enciclopédia Larrousse-Cultural – Editoras Larrousse (1995) e Nova Cultural Ltda (1998) – págs. 4430-4432.

sexta-feira, 9 de março de 2012

A ERA DA ILUSÃO

Isenção. Esta é uma característica muito difícil de se encontrar no ser humano hoje em dia. Alguns profissionais deveriam tê-la no sangue para exercer suas respectivas atividades – juízes, árbitros, psicólogos, analistas financeiros e diplomatas de organismos multilaterais, por exemplo.

Porém, nesse mundo em que “a primeira impressão é a que fica” somos doutrinados a julgar uns aos outros instantaneamente, sem dar a possibilidade de que uma análise mais detida seja realizada a luz dos fatos e pautado por regras claras que seriam válidas igualmente a todos.

Os juízes teriam assim a obrigação de avaliar os casos de acordo com os fatos descritos nos autos, e tão somente por este parâmetro, não podendo ser influenciados por quaisquer fatores externos, tipo pressão da mídia ou da opinião pública. Os árbitros esportivos devem tomar suas decisões em frações de segundo, em alguns casos valendo-se de imagens gravadas, porém em outros pela simples percepção instantânea do ato cometido sob seu olhar. No máximo contaria com o auxílio de árbitros-assistentes.

Os psicólogos fariam a avaliação de seus pacientes tendo como base as informações que os mesmos trariam para a consulta, não se valendo de subterfúgios terceiros, a não ser que por opção do próprio paciente – de todo modo teria que ter o distanciamento necessário para discernir o que seria o fato em si da interpretação do fato pelo paciente. Já os analistas financeiros, de posse de equações matemáticas e do conhecimento cultural das tendências administrativas e sociológicas de um determinado mercado externariam sua opinião acerca de um investimento sem a necessidade de agradar aos acionistas. Caso contrário, todo investimento já seria pré-julgado, de acordo com os interesses do grupo dominante.

Como vocês podem perceber, a isenção total, 100%, não deixa de ser uma falácia no mundo moderno em que vivemos. Os juízes são influenciados por opiniões de terceiros; os árbitros se vêem pressionados a favorecer os times de maior expressão e ou quem está jogando em casa, com medo de possíveis represálias; os psicólogos são seres humanos tanto quanto os pacientes, e podem levar a tensão pessoal para o consultório, afetando seu discernimento em determinado dia; e os analistas financeiros são sim movidos pelos bônus que podem alcançar.  Pois bem, tal fato – a falta de isenção típica de todos nós - se agrava no caso dos funcionários internacionais de organismos multilaterais. Vivendo sob estrondosa pressão dos seus superiores e dos Estados-Membro que compõem sua organização, estes deveriam tratar a todos os países de maneira igualitária, não importando a origem da demanda, atendendo a critérios técnicos pré-estabelecidos que pautariam a atuação de sua entidade.

Para os estudiosos da matéria, este é o cerne do multilateralismo. A criação de organismos que representariam uma sociedade de nações que tomariam suas decisões por argumentos baseados pelo bom-senso, em prol da construção de um ambiente mundial de equilíbrio, que atenderia, ao máximo possível, o anseio de desenvolvimento sócio-econômico de todos, sempre por intermédio do consenso entre as partes. Mohamed Elbaradei, ex-diretor geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA – www.iaea.org) apresenta toda a sua angústia a este respeito em livro recentemente lançado, não por acaso denominado “A Era da Ilusão” – Ed. Leya – 384 págs. – 2011.

Sua linha de raciocínio gira em torno de sua luta, principalmente nos últimos anos em que dirigiu a agência (1), de contornar e buscar uma solução para os principais embates na área nuclear mundial em torno dos casos mais belicosos surgidos – Iraque, Coréia do Norte, Irã, Líbia e a preocupação com a descoberta de como era fácil se construir e conduzir uma rede clandestina de comércio de material atômico, com possibilidades de geração de uma bomba. Em meio a uma atuação que acabou laureada com o Nobel da Paz em 2005 ele se viu inúmeras vezes na situação de ter que controlar sua reação para alcançar um objetivo mais a frente, conter os seus ânimos ou omitir um detalhe em prol de se buscar a paz e o entendimento num ponto futuro, sempre atuando no limite entre a serenidade e o desespero por ver seus esforços em vão por conta de interesses escusos.

Pior ainda foi perceber em determinados momentos que mesmos aqueles que chamam para si a responsabilidade de atuar como guardiões da paz não enxerguem um palmo além do próprio quintal para tomarem suas decisões, muitas vezes equivocadas, causando o suplício de outros povos e deixando um suspense no ar quanto a possibilidade de eclosão de uma Terceira Guerra Mundial a qualquer momento. Falamos tanto dos Estados Unidos quanto dos países árabes, de Israel e da Coréia do Norte, ou seja, de toda a comunidade mundial que fica num ambiente de faroeste, aguardando para ver quem dá o primeiro tiro, sem abrir mão de seus arsenais.

Mesmo que fosse alcançado o consenso pelo desarmamento total de todos os países de seus artefatos atômicos, a impressão que ficamos, ao ler o relato pungente de ElBaradei – em que pese ele externar ter esperança por dias melhores no futuro, uma vez que a outra alternativa não é aceitável, ou seja, a extinção da humanidade – é de que já chegamos a um ponto em que mesmo que todos aleguem ter se livrado de suas armas, sempre ficará uma dúvida, se estarão ou não mentindo, escondendo-as para se protegerem de eventuais ataques. Ou seja, a mentira, a ilusão, é uma regra nesse mundo traiçoeiro, e não a exceção, infelizmente.

(1)    ElBaradei dirigiu a AIEA por três mandatos consecutivos, perfazendo o período total de 1997-2009. Para mais detalhes sobre a biografia completa deste brilhante diplomata ver http://www.iaea.org/About/dg/elbaradei/biography.html .

segunda-feira, 5 de março de 2012

CASA COMIGO?

O que uma pergunta singela como esta representa? Na verdade, de todas as perguntas a ser feita pelo ser humano, esta é uma das mais complexas. O ser humano por si só já é bem complexo. Imagine então quando um convida o outro para juntar suas complexidades e trilhar um caminho em comum. Uma infinita gama de variáveis se soma a partir daí, levando a múltiplas possibilidades, concertos e soluções nunca antes planejados quando um dos futuros companheiros vivia isolado em meio aos seus dilemas individuais.

De toda forma, algo leva a um indivíduo fazer essa proposta. A resposta mais simples é o amor. Na verdade é a melhor das respostas, em que pese, ao analisarmos friamente – se é que isso é possível quando se fala de sentimento – sabermos não ser a única resposta. Coragem é outro atributo que se deve associar a esta ousadia, pois o casamento trata-se de um mergulho fundo num mundo desconhecido. E enfrentar o inóspito é ainda muito difícil para o ser humano em geral.

O atrevimento de seguir adiante se dá impulsionado pelo desejo e pela paixão gerados no relacionamento entre o casal. Nada poderá parar o trem que vai a toda num trilho que se pensa construir como uma linha reta para a felicidade. Porém para chegar nesta estação teremos que passar por inúmeras montanhas, túneis escuros, sempre na esperança de alcançar o outro lado sem perder nenhum passageiro no meio do caminho.

A sociedade moderna pouco a pouco vai construindo atalhos para evitar as intempéries desta jornada. Hoje em dia é muito comum os casais buscarem o chamado “test-drive”, ou seja, a convivência sob o mesmo teto mesmo sem ter um compromisso firmado. O objetivo é ver como cada um se adapta à nova rotina e se essa não se torna massacrante em torno das metas comuns do casal e também em relação às ambições individuais de cada um, que já existiam anteriormente ao casamento.

Um filme que trata tal possibilidade de maneira alegórica, e que aponta para o triunfo do sentimento sobre a razão é a produção americana-irlandesa “Casa Comigo?” (2010), dirigida por Anand Tucker. Película de tom leve, como é praxe nas comédias românticas, se vale do humor irônico irlandês para sustentar a trama em torno da jovem Anna Brady, interpretada pela atriz Amy Adams, que está convicta de que será convidada a se casar pelo seu noivo. Surpreendida num primeiro momento com o adiamento imprevisto de tal ocasião, ela vai atrás do pretendente que tem como profissão cardiologista e que tinha viajado à Irlanda – Dublin mais precisamente – para um congresso médico. Porém, no meio do caminho tinha um irlandês – Declan, numa atuação no tom exato necessário do ator Mathew Goode – que com a intenção de ajudá-la a chegar à capital irlandesa – criando a oportunidade para o tal “test-drive” acima mencionado - se vê entretido em outros “objetivos” inesperados, digamos.



A alegoria por mim citada está exatamente no fato de que as terras irlandesas, com suas inúmeras curvas, apresentam-se como o cenário ideal para o ir e vir complexo de mentes e corações envoltos em sua jornada que, a seguir o caminho natural, teria como fim o casamento planejado pela personagem principal. O próprio jeito de ser irlandês é um personagem à parte do filme, com tipos caracterizados de tal forma que fazem com que tenhamos a impressão que este país dos duendes foi feito mesmo para confundir, e não para simplificar. Seriam quase como os portugueses anglo-saxões, que em relação aos brasileiros possuem sua lógica distinta bem peculiar.

No fim, o espectador faz suas reflexões, tentando identificar se teria agido da mesma forma que a personagem principal. Uma mensagem que está exposta no entremear dos diálogos é a de que devemos valorizar devidamente aquilo que temos ao alcance da mão. Muitas vezes os valores materiais acabam se sobrepondo numa relação de tal maneira que não percebemos como os sentimentos são o verdadeiro cimento que mantém unidos aqueles que possuem um amor genuíno, sem a ânsia da posse ou das cobranças contínuas. Portanto, o dinheiro pode bem ajudar, mas não é o componente essencial da química ambicionada pelos alquimistas da paixão. Agora, lhes consulto: a pergunta “Casa Comigo?” ficou mais fácil de ser respondida? Longe disso, mas quem disse que eu estava aqui para facilitar as coisas...

Fonte: http://interfilmes.com/filme_v5_23024_Casa.Comigo..html#Imagens – acessada em 09 de Abril de 2011.

sábado, 3 de março de 2012

FELIZ POR NADA

Ao ler o livro de Martha Medeiros – Feliz por Nada – Ed. L&PM – Porto Alegre – 2011 – 216 págs – um sentimento me acompanha: a inveja. Inveja por reconhecer nela alguém que alcançou o maior anseio que um comunicador – como ela em dado momento se auto-qualifica – qual seja, de encontrar um meio de expor suas idéias – e tendo o devido alcance para elas.

O livro consta da lista dos 10 mais vendidos já há algum tempo, neste momento em que escrevo estas breves linhas. Acredito que o maior mérito desta cronista, com trabalhos publicados no Zero Hora e no O Globo, é a utilização do bom senso na construção dos seus argumentos. Não que ela não aponte algumas vezes atitudes ou atos que vão na contramão do socialmente aceito. Mas mesmo nessas ocasiões a justificativa para tal encaminhamento segue um encadeamento de idéias que é difícil de se contrapor.

Dessa forma ela vai abordando o leitor com aquela cadência de bate-papo, de uma boa contadora de histórias, expondo sua opinião sobre os mais diversos assuntos. Em geral, o relacionamento humano perpassa todos eles nos seus mais diferentes níveis, mas especial ênfase é dada em como conduzir a vida a dois, quer sejam um casal, quer seja o relacionamento de ti para consigo mesmo. Ou seja, o diálogo é enaltecido, até o mesmo o auto-diálogo (não confundir com um monólogo. Neste último existe a possibilidade de não se estar escutando o interlocutor).

Dentre os inúmeros textos apresentados, abrangendo o período que vai de junho/2008 a maio/2011 dois exemplificam bem o que coloco acima – “A Fé de Uns e de Outros” (163-164) e “Diversão de Adulto” (193-194). No primeiro, correndo o risco de tocar um tema polêmico – “Sei que sou uma desastrada em tocar num assunto que deixa meio mundo alterado. Daqui a cinco minutos minha caixa de e-mails estará lotada de ataques, [...]” – a relação entre a concepção da homossexualidade e os preceitos religiosos – em especial os católicos – mas não deixando de fazê-lo, em favor da sua coerência como ser humano, disposta a expor seu pensamento; e no segundo indo contra a corrente tão em voga nos dias de hoje que é a do endeusamento da juventude e seus ideais – “A verdadeira liberdade está em já ter feito vestibular, já ter terminado a faculdade, já ter casado, já ter tido filhos, já ter conquistado estabilidade profissional, já ter separado (é facultativo) e, surpreendentemente, ainda não ter virado um fóssil”.

Se, em dado momento, me fosse feita a pergunta “mas é uma escritora sem defeitos?”, eu diria que não, que ela padece de um defeito que é igual ao que todos que se propõem se expor ou expor suas idéias padecem: a ótica sempre será enviesada em função de suas experiências. Mas aí eu lhes pergunto: mas de quem não é? Existe o escritor totalmente isento, até mesmo de si mesmo e de suas referências? Claro que não. Ela apresenta os temas que aborda sob uma ótica tipicamente feminina – e por vezes feminista. Mas toda mulher que é uma batalhadora dos dias atuais se vê quase que instada a se posicionar de maneira clara, para não deixar brechas para interpretações dúbias a respeito de suas posturas. E desse tipo de luta a Martha Medeiros não foge.

Enfim, sempre leio seus textos, quando os tenho a mão, no jornal O Globo. E agora me sinto mais instigado a continuar lendo-os. Quando não seja pela pura curiosidade de me divertir e relaxar numa tarde de domingo, que sejam para continuar na eterna peleja dos homens de tentar – e somente tentar – entender um pouquinho melhor as mulheres. Estaria eu sendo sensato? Mais uma vez recorro à autora, no texto que é quase uma auto-definição da mesma. Em qual tribo eu me encaixo? Deixo para vocês a conclusão final:

“Reconhecê-los [os sensatos] não é difícil. Eles costumam ser objetivos em suas conversas, dizendo claramente o que pensam e baseando seus argumentos no raro e desprestigiado bom-senso. Analisam as situações por mais de um ângulo antes de se posicionarem. Tomam decisões justas mesmo que para isso tenham que ferir suscetibilidades. Não se comovem com os exageros e delírios de seus pares, preferindo manter-se do lado da razão. Serão pessoas frias? É o que dizem deles, mas ninguém imagina como sofrem intimamente por não serem compreendidos”- págs. 129-130 – “A Nova Minoria”.