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sexta-feira, 25 de maio de 2012

LE PETIT NICOLAS

Quantas histórias guardamos de nossa infância? As amizades construídas, as traquinagens de criança, os lanches, a não-preocupação constante, tudo isso mais tarde que demonstra-se ser o que nos dá a base para seguir em frente.

O personagem principal de “Le Petit Nicolas”, de René Goscinny e Jean-Jacques Sempé – Ed. Folio Jr – 168 págs. – 2007 – serve justamente para que rememoremos a graça daquela época com um humor tipicamente francês. O pequeno Nicolas gerou uma série de estórias desde 1959 quando foi criado pela dupla acima citada. Goscinny, que juntamente com Uderzo criou também o famoso Asterix (além de Lucky Luke), veio a falecer ao final de 1977, o que impediu a continuidade desta criação (1).

Eu tive o primeiro contato com o universo de Nicolas enquanto estudava na Aliança Francesa, entre 2007-2010. Havia uma estória colada na parede da sala, porém como não tinha vocabulário o suficiente, ou pela correria do dia-a-dia e dos afazeres do próprio curso, nunca tive tempo para lê-la toda. Essa curiosidade ficou, e terminado o curso, no ímpeto de me manter em contato com o idioma, resolvi comprar o livro.

Para vocês terem uma idéia da criatividade dos autores, os “esquetes”, podemos assim dizer, giram em torno de situações normalíssimas. Isso por si só denota a capacidade de criação dos mesmos, que devem buscar a comicidade em cada um dos atos. Depois que os lemos, damo-nos conta de que vivemos situações similares hilárias de igual maneira em nossas vidas como crianças.

No livro em questão temos os seguintes cenários: o dia em que se tira a foto da turma no colégio; uma brincadeira de cowboy e índios; o dia em que o monitor do recreio substituiu a professora; o jogo de futebol no terreno baldio; a visita do inspetor ao colégio; o dia em que Nicolas tentou levar um cão para casa; o aluno estrangeiro que entrou na turma no meio do ano; a tentativa de dar um presente para mãe; ficar doente em casa e faltar a aula; o recreio em si; etc...

Em meio a estas situações, temos uma série de personagens típicos, além do próprio Nicolas – Agnan, o cdf da turma e “le chouchou de la maîtresse”, o qual não podia ser atingido no rosto por usar óculos; Geoffrey, o filhinho de papai – “Geoffrey a un papa três riche qui lui achète tous les jouets qu’il veut”; Alceste, o gordinho que come todo o tempo; entre outros.

Tais estórias alcançaram tanto sucesso que foram objeto de uma adaptação cinematográfica no ano de 2009. Nesta ocasião “[...] Nicolas (Maxime Godard) é um garoto muito amado pelos pais, que leva uma vida tranquila. Até o dia em ouve uma conversa entre seus pais, que o faz achar que a mãe está grávida. Nicolas entra em desespero e já pensa no pior: ao nascer um irmão, eles deixarão de lhe dar atenção. Para escapar de seu terrível destino, o menino faz campanha para mostrar a seus pais o quanto é indispensável e, por tentar agradá-los demais, acaba cometendo vários tropeços o que faz com eles fiquem enfurecidos com Nicolas. Desesperado, ele muda de tática e, com seus amigos desastrados, bola diversos planos para achar uma solução para seu problema” (2).

Interessante notar que algumas das cenas do filme foram justamente retiradas do livro ao qual tive acesso. O roteiro foi adaptado a partir das distintas estórias, tendo como linha central o tema acima apontado. Ou seja, recomendo o filme, mas antes a leitura do livro, que sempre aguça o desejo de resgatar a criança que temos em cada um de nós.

(1) Para mais detalhes sobre estes personagens ver www.asterix.com e www.lucky-luke.com .

segunda-feira, 21 de maio de 2012

O IMPÉRIO CONTRA-ATACA

Já faz alguns anos que o técnico Bernardinho aceitou o desafio de trocar o comando da seleção feminina de voleibol para ficar a frente da seleção masculina. Naquele momento era situação repleta de incertezas, uma vez que ele vinha de um trabalho de excelente nível, levando o Brasil a conquistar duas medalhas de bronze em Olimpíadas, além de algumas conquistas em Grand Prix. Porém se almejava algo mais. E parecia que a geração de Fernanda Venturini, Márcia Fú e Ana Moser não supririam o nível imaginado. Pelo menos não com a metodologia que então estava sendo aplicada.

Por outro lado, na seleção masculina havia o diagnóstico de que após o ouro olímpico de Barcelona (92) aquele grupo havia perdido o rumo, tendo como único sucesso relevante posterior a conquista de uma Liga Mundial em 1993. Ou seja, vínhamos, em ambos os casos, de uma década de relativo êxito, mas o século XXI se avizinhava, e havia a sensação de que o vôlei brasileiro poderia alçar vôos mais altos.

Desta forma, com a assunção de Zé Roberto Guimarães no feminino e Bernardinho no masculino se iniciava uma nova era. Passamos a viver os tempos dourados do esporte, com inúmeras conquistas – ouros olímpicos, campeonatos mundiais (no masculino), além de diversas Ligas Mundiais e Grand Prix. Passava a ser desenhado um predomínio verde-amarelo no jogo de seis contra seis, com uma rede levantada no meio.

Italianos, russos e norte-americanos, entre outras potências as quais víamos como fora de nosso alcance (não podemos nos esquecer de citar Cuba, principalmente no feminino), passaram a invejar não somente os nossos jogadores como também nossa organização fora de quadra. Mas havia um plano sendo arquitetado. Uma tentativa de retorno a tempos passados que podem até ter sido devidamente camuflados, mas que não passaram despercebidos pelo menos aos meus olhos.

O ícone maior de Bernardinho era a geração dourada norte-americana de Karch Kiraly, maior jogador de todos os tempos. A seleção americana havia sido bicampeã olímpica e campeã mundial entre os anos de 84 e 88. Hoje somos tricampeões mundiais – igualando a poderosa Itália de Zorzi – e temos dois campeonatos olímpicos, porém não seguidos. Esse era o nosso indicador de sucesso, e assim o buscamos incessantemente e os ultrapassamos.

A Itália, perdida em meio ao seu modelo de um campeonato nacional forte, porém recheado de estrangeiros, não conseguiu até hoje retomar um nível de excelência e supremacia que tinha no passado. Mas os mestres da estratégia e organização atendem pelo nome de Estados Unidos da América. E o seu retorno ao topo do pódio já está bem traçado, tendo já alcançado alguns frutos.

Sob o comando do neo-zelandês Hugh McCutcheon os EUA iniciou o seu contra-ataque. A estratégia norte-americana está baseada na sua já reconhecida organização e, mais do que isso, em beber na fonte pela qual vinha sendo sobrepujada. Ou vocês acham que é mera coincidência que nos últimos anos a nossa Superliga tem convivido com a presença de jogadores das seleções masculina e feminina de voleibol dos Estados Unidos?

Isso mesmo: além de melhorarem a metodologia interna de treinamento e darem o devido incentivo individual para que cada jogador viesse buscar atuar junto dos expoentes da nação que estava dominando o panorama mundial, existia ainda a possibilidade inerente a se ter acesso a novas táticas e a identificar os possíveis futuros adversários.

Fato é que desde que o Sr. McCutcheon surgiu no palco, temos sofrido alguns reveses. Primeiro no masculino, com a derrota na última Olimpíada, em Pequim. E no feminino, com os EUA ganhando a Liga Mundial e trazendo sua seleção feminina para um patamar do qual estava distante já havia algum tempo. E sempre está lá, o carequinha que fala inglês, o Sr. Mc sei lá o quê. Vocês tem dúvida de que ele se encontra motivado pessoalmente a igualar o feito do Zé Roberto, qual seja, ser medalha de ouro no masculino e no feminino? E vocês têm dúvida de que cada vez mais, pelo menos enquanto eles acharem necessário, os atletas americanos estarão por aqui?

Não defendo um fechamento de fronteiras, longe disso. Nos beneficiamos também com a presença dos americanos em nossos campeonatos, com maior visibilidade, mais patrocinadores, e um intercâmbio internacional que é tremendamente salutar. Não devemos cometer o mesmo erro de Cuba, por exemplo, com o fechamento das fronteiras esportivas. Mas devemos sim ter a noção de que o Império acordou. E seus súditos estão entre nós para colher vitórias contra nós. Se liguem!

quinta-feira, 17 de maio de 2012

PHILIP K. DICK

Recentemente li a coluna publicada em um periódico eletrônico interno do meu trabalho em que um colega – Cristóvam, minhas loas! – relata seu estranhamento e, ao mesmo tempo, deslumbramento para com a narrativa presente no filme “Agentes do Destino” (2011) - http://www.adorocinema.com/filmes/filme-144404/ . Este filme é mais um daqueles que lida com um provável futuro, no qual identificamos estranhos desdobramentos, em função de um controle externo. Complicado, não!? Vou tentar facilitar.

O que temos em comum entre Blade Runner (1982), Minority Report (2002) e Total Recall (O Vingador do Futuro [i]) (1990), apenas para citar os mais conhecidos, e o filme acima citado, cujo título original é “The Adjustment Bureau”? Philip K. Dick é a resposta!

Autor de ficção científica norte-americano, que morreu precocemente aos 53 anos, em 1982, Philip K. Dick tem sido o responsável, por intermédio de suas obras, por ser uma das maiores influências cinematográficas na desde as últimas décadas do século passado, até estes primeiros anos do novo milênio [ii].

Isso não se dá por acaso. Sua obra caracteriza-se por questionar o desenvolvimento dos parâmetros de convivência em sociedade por conta dos requisitos que pouco a pouco a humanidade vem se auto-impondo com o passar dos tempos. Controles externos cada vez mais extremados, sendo a representação máxima desta alegoria a interface que temos via redes sociais, para citar apenas um exemplo, acabam por representar a velocidade em que vamos nos inserindo numa cadeia global de circulação de informações. Será que em algum momento vamos nos perguntar se é necessário um agente externo para produzir alguma ordem no caos e no grau de acessibilidade que nos predispomos em favor de uma interação cada vez maior? É o fantasma do Big Brother se tornando realidade sem sentirmos.

Em “Agentes do Destino”, o filme supracitado, estrelado por Matt Damon – astro da trilogia Bourne – a fantasia de Dick indica a existência de um Escritório (o Bureau, do título original em Inglês) que mantém os acontecimentos ocorridos com cada um – pelo menos os mais relevantes – dentro do chamado Plano estabelecido pelo Presidente. Porém, quando algo sai errado, o Bureau tem que entrar em ação para corrigir (Adjustment), colocando a história de volta para o “destino” que havia sido traçado “externamente”, anteriormente.

Existe uma brecha no filme para que este Plano seja “retraçado”, digamos. Observa-se ainda o fato do Presidente – nunca visto – ter deliberado, em dados momentos da História, para que a Humanidade se autorregulasse, sem sucesso, no entanto. Loucura ou uma representação válida das maiores crenças por um Deus controlador e o poder do Livre Arbítrio? Poderia o amor alterar os rumos da vida de cada um? Essas são respostas que ficam para serem dadas individualmente. Generalismos são perigosos. Mas a principal função de Dick, neste caso, é trazer à baila tais temas para serem discutidos. Pelo suas estórias, que geraram tantos filmes de sucesso – de linhas muito próximas no que diz respeito à discussão sobre os nossos parâmetros de vida em sociedade – acreditamos que ele tenha alcançado seu intento.

[i] A mesma obra de Philip K. Dick que deu origem a este filme estrelado por Arnold Schwarzenegger em 1990 – “We Can Remember It For You Wholesale” (Nós podemos lembrar isso para você, atacadista [tradução livre]) http://www.imdb.com/title/tt0100802/ – serviu de inspiração para uma nova adaptação para o cinema, desta feita com Colin Farrell, neste ano de 2012 - http://www.imdb.com/title/tt1386703/ ;

[ii] De acordo com o seu site oficial - http://www.philipkdick.com/aa_biography.html - “(...) That's an average of roughly one movie every three years since Dick's passing - a rate of cinematic adaptation exceeded only by Stephen King. And there are other big-money film options currently held by Hollywood studios”;

[iii] Tenho um único livro de Philip K. Dick em minha biblioteca. Trata-se do “O Homem do Castelo Alto” – Ed. Brasiliense – 2ª Edição (1987) – 269 págs. Neste livro o autor elabora “um desconcertante conflito de verdades, (narrando) a história da Terra sob a hegemonia nazista, sob o jugo de um império tecnologicamente superdesenvolvido e racista. Mas há alguém que vislumbra um universo paralelo, onde os vencedores foram os aliados...”. O livro foi publicado originalmente em 1962, o que não deixa de ser emblemático, por conta de ser no início de uma época marcada pela Guerra do Vietnã, ainda não totalmente alheia ao discurso propagandista herdado da 2ª Guerra Mundial.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

QUANDO NIETZSCHE CHOROU

Todos que nunca fizeram análise têm uma grande curiosidade de como se dá o processo de abertura entre o paciente e o psicólogo, quaisquer que sejam suas correntes teóricas que dão base a sua prática. O romance “Quando Nietzsche Chorou” – Irvin D. Yalom – Rio de Janeiro – Ediouro – 2005 – 408 págs. – presta este importante serviço: desnudar o mistério da relação paciente e analista, descortinando o ambiente de uma Viena em que Freud era jovem e as primeiras práticas da psicanálise estavam ainda em fase embrionária.

Para tanto, o autor, Irvin Yalom, professor de psiquiatria da escola de Medicina de Stanford, 80 anos, constrói uma novela envolvendo personagens históricos e fictícios vinculados ao tema. Temos o próprio Freud, ainda tateando à procura do seu caminho profissional, mas em verdade a estrutura do enredo é centrada no relacionamento Dr. Josef Breuer e célebre filósofo Friedrich Nietzsche.

Esses dois personagens históricos (1), contemporâneos de uma Viena efervescente culturalmente durante o século XIX, em verdade jamais se encontraram. Mas a junção da capacidade analítica de Breuer perante as incertezas e divagações do filósofo Nietzsche ensejaram ao autor confrontá-los, numa relação a qual o personagem-médico sinalizava como “terapia da conversa”, em que fica clara a exposição em que analisando e analisado se vêem inseridos ao avaliar o peso carregado de toda uma existência.

Um aspecto que fica subjacente ao leitor, pois o mesmo centra a atenção e expectativa sobre a possível cura de Nietzsche – algo que é sutilmente exposto desde o título da obra – é a mensagem de como aqueles especialistas, talhados por anos de prática e teoria, não são seres à parte em relação aos dramas com os quais são confrontados. Seres humanos, talvez expiem tal peso ao conseguir diferenciar o lado profissional do pessoal, ao fazer efetivamente o seu trabalho, colocando no papel as características do paciente para melhor montar o quadro demandado. Mas que não se iludam, pois isto é um desafio, que eles mesmos se propõem ao fazer tal opção de imersão no drama alheio, e esta é uma carga pesada, mesmo para os profissionais.

Dois pequenos deslizes, a meu ver, em termos formais na obra, em nada empanam sua qualidade enquanto romance, pois alcança o principal objetivo que é o de reter o leitor com sua curiosidade elevada ao máximo até o fim da estória. Os erros os quais citei seriam: nos chamados excertos, ou simplesmente notas, do Dr. Josef Breuer sobre o paciente Nietzsche, aquele se refere a este pelo seu nome verdadeiro. Porém, a título de preservação da privacidade do analisando Breuer havia acordado denominá-lo Eckart Müller, e assim o faz no título das anotações, em que pese ter se “esquecido” ao escrever seu conteúdo.

O segundo deslize pode ser até mesmo um engano de minha parte, pois não sou profundo conhecedor da história da Psicologia. Porém como o livro se propõe justamente a isso, apresentar em meio a um enredo romanceado o início da aplicação, conforme já dito, da “terapia da conversa”, em dado momento ao final da obra o autor que até então vinha chamando genericamente os profissionais da medicina que um dia utilizariam o método que ali estava sendo testado de “doutores da conversa”, resvala e utiliza o termo “psicólogos”.

Mas como disse anteriormente, são pequeníssimos senões no valor altamente meritório da obra. A meu ver, de grande utilidade esta se enquadra naqueles que se encontram em meio a chamada crise dos 40 anos, pois deslinda questões as quais são diretamente afetas às indagações dos que buscam um, digamos, “sentido” para suas vidas passada esta fronteira emblemática do “primeiro nascimento”. Esta apresenta ainda, em dado momento, a importância do relaxamento por intermédio da respiração, prática a qual eu já mencionei anteriormente no post “A Química da Alegria”. Nietzsche, após mais uma de suas crises de enxaqueca, a utiliza:

Mas primeiro, deixe-me tentar relaxar os músculos das têmporas e do couro cabeludo. – Durante três ou quatro minutos, respirou lenta e profundamente enquanto contava suavemente. Depois disso, disse: - Pronto, melhorei. Costumo contar minhas respirações e imaginar meus músculos se relaxando a cada número. Às vezes, mantenho-me centrado concentrando-me apenas na respiração.
Pág. 386.

Para finalizar, devo dizer que o livro se presta múltiplos objetivos – o teórico, o de se conhecer personagens emblemáticos da história da humanidade; ainda mais, o de se conhecer as diversas práticas adotadas na terapia analítica, de maneira suave, em seus primórdios; e, para mim, o central, que é o de expor as contradições e os pensamentos dos seres humanos inquietos na busca dos seus alicerces para viver. Para aqueles que estão justamente em meio a tais questionamentos, pode ser exemplar e muito útil, principalmente no sentido de se olhar para suas conquistas e escolhas, e abraçá-las como sendo realmente suas.

(1)    Breuer (Josef) – médico austríaco (Viena – 1842-1925), conhecido principalmente por sua colaboração com Freud de 1882 a 1895, período fundamental tanto para a compreensão da histeria como para o início da elaboração da teoria do inconsciente e do método analítico, antecipado por Breuer com o nome de método catártico. [Grande Enciclopédia Larrousse Cultural – 1995/1998 – pág. 949]; Nietzsche (Friedrich Wilhelm), filósofo alemão (1844-1900). [...] A crítica que Nietzsche faz do idealismo metafísico, ou “ontoteologia”, focaliza as categorias do idealismo (ser, essência, sujeito) e os valores morais que o condicionam, e propõe nova abordagem: a genealogia dos valores. Questionar o valor dos valores morais implica descrever sua origem e sua história. Para Nietzsche, os valores morais originam-se da reação dos fracos, que colocam o bem como a negação das ações dos poderosos. [...] Advogando a eliminação desse modo de ver, Nietzsche propõe substituí-lo pela vontade da potência, da qual deveria surgir um super-homem criador, além do bem e do mal. [Idem – pág. 4210].
Traduzindo para a linguagem popular, Nietzsche contesta a submissão do ser humano, do “fraco”, aos desígnios de sua própria história – inclusive o apelo deste aos valores religiosos, sobre-humanos, para alterá-los. O homem faz a sua própria história, tendo total poder para tal. Por isso o título da obra – “Quando Nietzsche Chorou” – evoca sua própria cura em detrimento de sua filosofia de vida, ou seja, todos nós temos nossas fraquezas. E não há demérito nenhum em assumi-las!

sexta-feira, 11 de maio de 2012

OS VINGADORES

A grande incógnita do aguardado filme “Os Vingadores” (2012) - http://www.adorocinema.com/filmes/filme-130440/ - tido como o ápice de uma estratégia bem sucedida de encadeamento de uma seqüência de estórias baseadas nos heróis da Marvel, para culminar com o encontro de uma parte deles num mesmo filme – o que se revelou um êxito de marketing, pela expectativa gerada – era como equilibrar tantos heróis num mesmo filme. Em resumo: o que não é novidade para qualquer pessoa que trafega no meio cinematográfico, o segredo do sucesso começa num bom roteiro.

Acreditamos que o desafio proposto foi vencido de maneira adequada. Teríamos que analisar, para se chegar a esta conclusão, cada um dos personagens e seu espaço de atuação. Então vamos a esta empreitada.

Gavião Arqueiro e Viúva Negra, vividos respectivamente por Jeremy Renner e Scarlet Johansson, tiveram momentos de protagonismo equilibrados com o que haviam tido anteriormente. Personagens secundários, de apoio aos heróis centrais, mantiveram o nível neste filme, em que pese sua importância relativa para o início da película – no caso do Gavião Arqueiro – e de cenas de destaque – em especial quando da entrada da Viúva Negra na trama e de seu diálogo com o vilão, Loki, irmão de Thor, estes dois personagens incorporados por sua vez por Tom Hiddleston e Chris Hemsworth.

No que diz respeito a estes dois últimos, interessante notar que pelo fato de ser o antagonista principal, Loki acabou ganhando maior destaque do que Thor, desta feita. Talvez isso possa ser debitado ao fato de que este último tenha tido que dividir o palco com outros tantos heróis, ao passo que aquele reinou absoluto em meio aos vilões. De toda forma já é sabida que a saga de Deus Nórdico terá uma seqüência independente (1), o que deverá equilibrar quaisquer vaidades atingidas.

O Capitão América fez um interessante contraponto, utilizando-se da defesa de seus valores e princípios – a mensagem é de que teriam sido herdados da época distinta vivida pelo herói (década de 40 do século passado) - em relação ao ar bonachão do Homem de Ferro. Se tornaram, assim, o eixo central da equipe. Chris Evans deve ter avaliado, de maneira inteligente, que caso conduzisse o personagem de modo suave, contracenando com o furacão Robert Downey Jr., somente teria a ganhar em termos de exposição no filme. Os comentários – ver link abaixo – do diretor Joss Whedon parecem confirmar esta teoria.

Dito isto, antecipo a minha conclusão sobre o destaque do filme, aquele herói que se tornou “o protagonista dos protagonistas”: o Homem de Ferro. A escolha me agradou particularmente. Sempre fui fã do estilo, por exemplo, do Homem Aranha nos quadrinhos. O herói das teias entremeia suas lutas com piadas de timing perfeito. E assim foi composto o Homem de Ferro para os cinemas. Em todos os filmes se caracterizou pelo bom humor e pela chacota em relação aos “valores altruísticos” que movem os típicos super-heróis “água com açúcar”, o que não deixa de trazer um pouco de realismo e humanidade para o personagem.

Por último, gostaria de destacar o que para mim foi a grande surpresa: o Hulk, que teve seu alter-ego, David Banner, vivido por Mark Ruffalo. A escolha do ator, já reconhecido por outros ótimos trabalhos no cinema (2), demonstrou-se acertada, dando o tom certo para um Banner por vezes contido por vezes sarcástico. Não sou muito adepto de inúmeras trocas de ator para um mesmo personagem – Banner já havia sido interpretado no cinema por Eric Bana (2003) e Edward Norton (2008) – mas desta vez espero que tenha continuidade – o que com certeza é compartilhado por todos os outros fãs da série Vingadores. Devo dizer ainda que o personagem computadorizado do gigante verde é responsável por três das cenas mais hilárias do filme. Mais que isso não posso dizer para não perder a graça.

Well, meus amigos, após essa longa explanação, acredito que realmente valeu a pena todo o esforço para assistir o filme – comprar o ingresso antecipado, me deslocar pós-trabalho em meio a uma chuva torrencial, enfrentar cinema lotado, etc. O filme divertiu, foi equilibrado em diversos pontos, e ainda deixou ganchos para mais alguns da série. Alvissareiras são as notícias dos contratos já firmados entre os atores e a Marvel, para novos episódios e novas produções. Os quadrinhos, por intermédio do cinema, resgatam assim aquele sentimento de menino, de infância, que todos nós gostamos de preservar. Avante, Vingadores!

(1)    http://www.adorocinema.com/filmes/filme-193108/ - o mais interessante desse fato é a confirmação da continuidade de Natalie Portman no elenco, mesmo após o Oscar por Cisne Negro (2011) - http://www.adorocinema.com/filmes/filme-125828/ ;
(2)    Somente para citar alguns – “Ilha do Medo” (2010), “Ensaio sobre a Cegueira” (2008) e “Códigos de Guerra” (2001), entre muitos outros – para mais detalhes ver http://www.adorocinema.com/personalidades/personalidade-25190/filmografia/ .

OBS.: Para ter conhecimento de toda a trajetória de construção dessa epopéia cinematográfica, no que diz respeito aos bastidores da produção - http://cinema.uol.com.br/ultnot/2012/04/26/presidente-da-marvel-explica-etapas-do-plano-de-cinco-anos-que-deu-em-os-vingadores.jhtm .

segunda-feira, 7 de maio de 2012

CONTRASTES

Duas competições, nomes idênticos, porém objetivos distintos. Distintos não apenas em sua materialidade, ou seja, no que realmente buscavam, mas em sentimentos e dedicação também. Estamos falando da Copa América de Futebol e da Copa América de Basquetebol Masculino, em 2011.

Enquanto na primeira tivemos o auge de uma etapa inicial de trabalho, envolvendo jogadores profissionais que possuem uma remuneração considerável dentro do universo em que habitam, na segunda também encontramos jogadores profissionais, mas o nível de rendimento financeiro está longe do alcançado nos centros mais desenvolvidos, em especial nos Estados Unidos (1).

É claro que estamos generalizando para melhor compor a idéia que vamos expor a seguir. Existe uma forte corrente entre a população que advoga que a questão financeira é a preponderante para estabelecer o estímulo e dedicação dos profissionais do esporte a uma determinada meta a ser atingida. Creio, porém, que esta não é o caminho para melhor compreender os fatos. As variáveis são múltiplas. Vamos olhar caso a caso.

A equipe de futebol, dirigida pelo técnico Mano Menezes, durante a Copa América, atingia 1 ano de trabalho. Todos os especialistas estavam com uma grande expectativa em torno do resultado, e mais, em torno do desempenho do time, na esperança de já vislumbrar um “esqueleto” de esquema tático que trouxesse os primeiros fios de esperança em relação à Copa 2014, que será disputada no Brasil. Não foi assim.

Mano iniciou seu trabalho pregando a filosofia da renovação. Para tanto, prospectou de maneira igualitária, em solo brasileiro e na Europa, os melhores jogadores que se enquadrassem nesse perfil. Como estrelas da companhia, dois destaques do Santos – Neymar e Ganso. Mas ficou claro que a equipe carecia de outros expoentes que pudessem equilibrar responsabilidades, aliviando a carga de quem estava entrando – ou mesmo dos veteranos que nunca se viram na responsabilidade de decidir (2). Talvez, caso haja o retorno à boa forma, de maneira contínua, de um quarteto já conhecido, tenhamos um grupo mais equilibrado e com capacidade de enfrentar a pressão que virá. Estou falando de Ronaldinho Gaúcho, Kaká, Luis Fabiano e Adriano. Vocês podem perceber, portanto, o quanto é grave a crise.

Já a Copa América de Basquetebol Masculino pode e deve ser entendida como o primeiro de dois picos num trabalho sério – como há muito tempo não víamos estruturado da maneira como está – voltado para resgatar a posição da seleção brasileira no cenário mundial. Mais do que isso, para trazer de volta ao patamar que já teve no passado em termos de gosto do público todo o basquete brasileiro.

Para tanto trouxemos um técnico campeão olímpico – Rúben Magnano – para treinar um time ansioso por fazer história. Desde as Olímpiadas de Atlanta (1996) que o basquete masculino não participava dos Jogos. Com um discurso firme, pautado por seu currículo vencedor, o técnico argentino soube como cooptar a atenção e dedicação de um grupo que, num olhar distante, poderia se ver fragilizado pela ausência de alguns.

Magnano dirigindo a seleção brasileira de basquete

Mas ao contrário, a garra e a vontade de dar a volta por cima foram maiores que quaisquer adversidades. Isso, associado a uma nova mentalidade tática, em que a defesa se tornou prioridade para se buscar os resultados pretendidos, fora a serenidade diante de um ligeiro momento de instabilidade na primeira fase – derrota para a República Dominicana – fizeram com que os rapazes nos surpreendessem com atuações soberbas, em especial nas três partidas que eram realmente decisivas – diante de Argentina, Porto Rico e novamente República Dominicana.

Chego à conclusão de que, enquanto o futebol em termos estruturais, no que tange à seleção brasileira, enfrenta o dilema de atender demandas por resultados imediatos, ainda numa etapa de construção. Sua cultura típica, porém, pode atrapalhar todo um projeto. Já o basquete vem pouco a pouco construindo um novo mundo. Melhor, não tão novo assim, mas o retorno a um sentimento que já tivemos no passado de estar entre os melhores. Num, temos a certeza de que somos e nos angustiamos porque os resultados não vêm a toda hora. Noutro, temos a possibilidade de nos reconstruir, vivenciando mais uma pressão interna, dos profissionais ali envolvidos – e não do público – por tempos melhores. Ou seja, as comparações são salutares, desde que colocadas as coisas nos seus devidos lugares.

(1)    Um ponto interessante é que os jogadores de basquete profissional dos Estados Unidos fizeram um locaute, ou seja, uma greve entre duas associações, no caso em relação ao grupo que gerencia sua principal liga, National Basketball Association (NBA), por conta de impedir o avanço da estipulação de um teto salarial. Para mais detalhes sobre a NBA ver www.nba.com .
(2)    Não digo isto para “aliviar a barra” do André Santos (Arsenal), que na minha opinião, tanto quanto o Fred, do Fluminense, foram mal convocados naquela ocasião. Não eram os melhores na sua posição naquele momento. Minha preocupação está com o ícone dos pênaltis perdidos, Elano, jogador de dedicação extrema e que havia sido um dos destaques do Brasil na Copa de 2010, mesmo atuando numa posição de coadjuvante!

quinta-feira, 3 de maio de 2012

GOOGLED

Quando eu era pequeno ouvi falar pela primeira vez de um dito popular que dizia: toda família deve ter um advogado, um contador e um médico. Claro, por trás disso havia basicamente dois preceitos – eram carreiras respeitáveis numa sociedade então com outros valores em mente; e eram profissões muito úteis para emergências familiares.

No que diz respeito ao segundo aspecto por mim citado – o das emergências – o dito continua válido. Porém, o vínculo com a respeitabilidade de uma carreira profissional futura bem sucedida se viu abalado quando entramos na chamada era do conhecimento. A engenharia, nesta nova época de tecnologias avassaladoras e destruidoras de mercados, assumiu o posto da mais alta relevância em termos de perspectivas de ganhos, não somente em termos de visibilidade como também em termos financeiros.

Este é um dos pontos – porém não o mais relevante, a bem dizer – na obra “Googled – a história da maior empresa do mundo virtual – e como sua ascensão afeta as empresas do mundo real” – Ken Aulleta – 2011 – Ed. Agir, Rio de Janeiro – 508 págs.. Nunca um subtítulo espelhou tão bem o principal objetivo do autor.

Aulleta, jornalista por formação, de posse de um grande trabalho de pesquisa em torno da trajetória do Google (https://www.google.com.br/intl/pt-BR/about/) soube como ninguém identificar as implicações do desenvolvimento desta empresa do Vale do Silício e seu impacto sobre o nosso dia-a-dia.

Poderíamos dividir o livro em duas partes: na primeira, o enaltecimento da cultura da engenharia como o meio para a solução dos problemas da sociedade moderna é trabalhada como o instrumento motivador para que os fundadores, Larry Sage e Sergey Brin, levassem adiante sua idéia de um superbuscador. Dessa forma foi construído o perfil de um engenheiro típico, com suas inúmeras perguntas, seus “Por que...??” (ver trecho transcrito abaixo) e como cada desafio representava um novo salto na procura por uma solução otimizada para um problema. Para mim, em particular, que atuo numa empresa repleta de engenheiros, foi de grande valia a obra para entender sua alma inquieta e por vezes demasiado ansiosa.

A segunda parte do livro é mais voltada para os jornalistas. Seria, talvez, uma dívida a qual Aulleta tinha para consigo mesmo. Seria muito difícil que ele não desviasse o olhar para os seus pares, ou até mesmo para os principais dirigentes da mídia tradicional, via o impacto da ascensão do Google e de seu modelo de negócio sobre o mercado de notícias. Tal caminhada passa pelos grandes dilemas que empresa enfrentou, no seu relacionamento com o Governo Norte-Americano em função dos Direitos Autorais e defesa da concorrência – em função de possíveis fusões com empresas do mesmo ramo ou de áreas correlatas – até às questões empresariais em si, ou seja, a mudança de visão sobre os rumos da mídia e seu contato com o anseio dos usuários.

O grande mérito da obra é de ter sido construída sobre uma escrita de fácil leitura. Sem dúvida a formação de jornalista de Aulleta auxiliou neste aspecto, conhecedor que ele é do domínio das letras para o público comum. Dessa forma recomendo este trabalho, o qual considero de grande valor não somente para os profissionais enquadrados nas categorias acima citadas, mas também para todos aqueles que gostam de entender como nosso mundo evolui, e para que direção. Assim, não ficamos defasados em seu entendimento e teremos maior capacidade de diálogo com as gerações futuras, essas muitas vezes mais ligadas nos resultados alcançados, do que no caminho trilhado.

“O Google é administrado por engenheiros, e engenheiros são pessoas que perguntam o porquê das coisas: Por que precisamos fazer as coisas do modo como elas sempre foram feitas? Por que todos os livros já publicados não podem ser digitalizados? Por que não podemos ler qualquer jornal ou revista na internet? Por que não podemos ter televisão de graça em nossos computadores? [...] Os líderes do Google não são homens de negócios frios; são engenheiros frios – cientistas sempre em busca de novas respostas. Eles procuram um constructo, uma fórmula, um algoritmo que possa ser demonstrado ao mesmo tempo por meio de gráficos e preveja comportamentos. Ingenuamente, acreditam que a maior parte dos mistérios, inclusive os do comportamento humano, pode ser desvendada apenas com dados” (págs. 10-11).

OBS.: O pósfácio de autoria de Pedro Doria é muito interessante no sentido de termos uma noção atualizada de como as grandes batalhas ali traçadas pelo Google evoluíram desde a edição do livro.