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quinta-feira, 26 de maio de 2011

FOLCLORE

João andava meio triste. Muitos problemas o atormentavam ultimamente e ele não conseguia encontrar solução para nenhum deles. Certo dia, ao transitar pela Cinelândia, na hora do almoço, tentando ou esquecê-los ou ter uma súbita inspiração para sair do beco em que se encontrava, topou com um pedinte que tinha o seguinte cartaz: “Dê-me uma esmola / Cada dia que passa / Afinal, o prazer consola / De ajudar o próximo / Quando se acha sem escapatória”.

João olhou para aquele pedinte, alguém que não tinha para onde ir ou onde ficar, pensou em si próprio, e não mais do que de repente, contra todos os princípios os quais norteou sua vida, viu-se procurando umas moedas, até pensando em oferecer uma refeição para aquele rapaz. Porém, ao voltar seu olhar para o destino que daria ao seu parco quinhão financeiro, os dizeres haviam mudado: “Quando a alma sofre / Não olhamos para o lado / Vemos apenas o nobre / Que de tão descuidado / Se tornou pobre / Um pobre coitado”.

João dessa vez não se conteve e se aproximou daquele que o inquietava e perguntou:

- “Como você fez isso?”
- “Eu que lhe pergunto: como você fez isso?”

João não acreditou que aquele pedinte lhe inquiria, ainda mais com a mesma pergunta que ele havia lhe feito. Sua vontade passou então ser a de se afastar, para entender o significado de tudo aquilo. Mas quando fez menção em se levantar, ouviu daquele que até momentos atrás era o objeto de sua atenção:

- “Posso lhe contar uma estória?”

João já estava desconfiado daquilo tudo, mas resolveu anuir. Afinal, o que poderia acontecer?

- “Claro, não tenho mesmo para onde ir...”

Então, o pedinte, não sem antes abrir um sorriso maroto, como quem diz “Eu já sabia!” iniciou o seguinte relato:

“Certa vez, na floresta, os animais viviam em harmonia. Tinham lá seus problemas, mas resolviam-se muito bem entre si. Quando um estava mal, o outro ajudava. No dia seguinte, poderiam se inverter os papéis, todos o sabiam, e era bom ter com quem contar.
No entanto, numa manhã, eis que surge uma raposa. Animal este que com seu pêlo felpudo a todos encantou. Manhosa, ela colocou que admirava a harmonia da floresta em que seus vizinhos moravam, ela que normalmente corria nos prados mais distantes. Só que ela achava estranho que nenhum deles se incomodasse com a rotina de resolver problemas uns dos outros. ‘Não seria muito melhor se não houvesse problemas?’, perguntou.
Todos ficaram a imaginar como seria um mundo sem problemas. Era tentador demais para não se perguntar: ‘Mas como?’. Ao que a raposa começou a tecer uma série de teorias e propostas para evitar as pequenas celeumas do dia-a-dia. Tudo parecia muito simples, muito prosaico, mas o era de fato?
Depois de alguns dias, em que todos os animais passaram a ter que descrever suas rotinas e seus afazeres para a Raposa, enquanto esta se lambia no doce frescor do regato que cortava a floresta, eis que surge o Besouro, de casco verde, que era um dos animais que mais se incomodava com questiúnculas. E como se não bastasse somente isso, quando surgia um problemão, ele batia asas e dizia: ‘Não é comigo não!’. O Besouro falou para a Raposa: ‘Não gosto de você, não!’. Ao que a Raposa respondeu: ‘Eu muito menos, pelo relato dos pequenos. Já que aos grandes, você pouco incomoda!’. E a partir daquele momento em diante, era todo dia um zumzumzum que não se interrompia. A alegria dos animais não mais existia! Todos pensavam: ‘O que vamos fazer para parar com essa algaravia?’.
Mas a roda da vida gira, já dizia a Coruja, que de tão sábia, dormia de dia. O rei Leão foi instado a dar conta da confusão que se instalou em parte do seu reino. Para tanto convocou o Marquês, um pequeno gato maltês que sabia como ninguém usufruir o melhor da vida. O Marquês chegou naquela parte da floresta e o disse à Raposa e ao Besouro, que estavam a discutir se a orquídea devia ser amarela ou vermelha para melhor compor com a natureza: ‘Vocês dois já se olharam?’. Em verdade, paralisados pela pergunta intempestiva, ambos pararam de se alfinetar e voltaram seu olhar para o bichano que se aproximava. ‘Como assim!?’, falaram em uníssono. O Marquês então respondeu: ‘De que adianta discutir a cor da orquídea, se para a natureza o que importa é a alegria que ela transmite aqueles que a admiram? Procurar problemas onde não existe é uma perda de tempo que consome a tudo e a todos. Quando os animais desta parte da floresta simplesmente se ajudavam, os problemas desapareciam. Ou melhor, eles sequer existiam, pois todos sabiam que seriam solucionados. Vocês, ao contrário, parecem ter prazer em apontar os problemas, ao invés de oferecer as soluções. Desse modo, lhes digo: o rei Leão solicitou que vocês se afastem, ele tem um bom cantinho para ambos, no qual vocês poderão discutir sem fim: se chama ‘Casa dos Espelhos’, e fica no circo que passa na estrada ao lado. Tenho certeza que lá vocês se sentirão em casa’.
Ao ver tanto a Raposa quanto o Besouro se afastarem, os demais bichos vibraram com a possibilidade de voltar a curtir a vida. Mas o Marquês ainda tinha uma última mensagem a passar: ‘Meus caros, tenho a obrigação de lhes dizer: se o problema tem solução, que mal há? Se o problema não tem solução, para que se preocupar?’. Dito isto, o bichano foi-se, na certeza de que a paz voltaria a reinar.”.

João estava de olhos fechados, para bem ouvir a estória que o pedinte lhe prometera contar. Uma vez esta terminada os abriu, maravilhado pela mensagem que acabara de escutar. Mas para sua surpresa, o pedinte não mais estava por lá. Restava apenas o cartaz, no qual encontrava os seguintes dizeres: “A maior riqueza está em fazer bem aos outros. Para tudo há solução. O principal é termos paciência e estar abertos tanto para ajudar quanto para ser ajudado. Obrigado pela sua atenção!”.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

INVICTUS

Quando meus amigos escolheram o livro “Conquistando o Inimigo: Nelson Mandela e o Jogo que Uniu a África do Sul” – CARLIN, John – Ed. Sextante – Rio de Janeiro – 2009 – 272 págs. – para me dar de presente de aniversário em Outubro/2010 sabiam muito bem o que estavam fazendo. Sou um fã incondicional de três coisas: livros, esportes e filmes, não necessariamente nesta ordem. Ter uma obra que cobre justamente estes três mundos se configura, sem dúvida nenhuma, no melhor dos presentes para a minha pessoa.

Em termos de literatura a obra do jornalista John Carlin reúne todas as condições para prender o leitor. A tarefa não é simples, uma vez que ele se propôs a tratar de fatos verídicos, que em tese eram, mesmo que de maneira superficial, de conhecimento de um grande número de pessoas. Mas justamente aí que está o segredo para se contornar este aspecto: o aprofundamento do tema, a identificação de algo que está além da superficialidade.

Para isto Carlin se desdobrou em pesquisa e entrevistas. Manteve contato com todos os principais personagens envolvidos no ressurgimento de Nelson Mandela no cenário internacional – ressurgimento físico, devemos ressaltar, pois sua imagem, mesmo em 27 anos de prisão, encerrados em Fevereiro de 1990, quando este já tinha 71 anos (CARLIN, 2009 – pág. 17) jamais saiu das mentes de todos aqueles que repudiavam o apartheid (1) na África do Sul – inclusive o próprio, identificando os bastidores desse momento histórico. Mais ainda, ele descobriu que em conjunto com a grande força interior mas individual deste líder sul-africano existiu uma oportunidade histórica que se aliou a sua estratégia maior de reconfiguração de todo um povo, de um país inteiro, numa democracia multirracial.

Aí surge o esporte. Esse momento acima citado é a Copa do Mundo de Rúgbi. Explica-se: uma das principais retaliações ao regime do apartheid era a proibição à participação esportiva sul-africana em quaisquer modalidades esportivas em nível internacional. Tal fato agravava-se no caso do rúgbi (2), considerado o esporte nacional dos bôeres (3), povo de origem holandesa responsável pela implantação da segregação racial naquele país. Considerado a maior paixão da parcela branca do povo sul-africano, no mesmo nível por exemplo do futebol para os brasileiros, para vocês terem uma noção mínima desta dimensão, Mandela sabiamente ao buscar um instrumento de união nacional percebeu que a melhor ocasião seria trazer o maior torneio deste esporte para ser sediado pela África do Sul. Mais ainda: seria extremamente importante para que a mensagem construída – um time, uma nação – fosse abraçada tanto por brancos quanto por negros que o Springboks, como é conhecida a seleção de rúgbi da África do Sul, conquistasse o torneio, mesmo sendo uma azarona. Temos aí então plantada as raízes de uma odisséia de grande apelo popular: um herói e seus guerreiros lutando contra todas as improbabilidades impostas pela vida. Uma lição de luta sobre como dar a volta por cima e pregar a união entre todos, não importando a raça, religião, etc, em prol de um objetivo comum.

Ora, uma história com tais ingredientes seria obviamente um filet mignon para a indústria cinematográfica. E foi assim que surgiu o filme “Invictus” (2009), dirigido por Clint Eastwood, em que Morgan Freeman interpreta o papel de Mandela e Matt Damon o papel de François Pienaar, o capitão do Springboks. Não vi o filme ainda, portanto não posso fazer comparações, mas me valho sempre da máxima de que o livro é superior à película. Duvido até mesmo como o roteirista deu conta de colocar o personagem de Matt Damon em destaque, uma vez que Pienaar apresenta-se com maior ênfase no terço final do livro, quando já caminhamos para a realização da Copa do Mundo. Porém, acreditando no talento dos profissionais aqui elencados, creio firmemente – e estou interessado em conferir – que o filme é mais uma obra prima de Eastwood.

Devo dizer, por último, que uma das grandes lições trazidas pelo livro é a capacidade aglutinadora de Mandela de atrair até mesmo aqueles que eram considerados seus inimigos para a sua causa. Para isto ele tem como principais armas a tolerância, a perspicácia em identificar o que lhes é mais relevante, mas acima de tudo, a capacidade de perdoar, respeitando o outro, e abrindo-lhe a possibilidade de refletir, de fazer o mesmo para com ele. Dessa forma, sorrindo e conversando, conversando e sorrindo, ele vai desconstruindo estereótipos e cimentando relações que o ajudariam a alcançar o maior dos sonhos: uma África do Sul para todos.

(1)     O apartheid foi estabelecido oficialmente na África do Sul em 1948 pelo Nationalist Party (Partido dos Nacionalistas) que ascendeu ao poder e bloqueou a política integracionista que vinha sendo praticada pelo governo central. O Nationalist Party representava os interesses das elites brancas, especificamente da minoria boere. Após 1948, o sistema de segregação racial atingiu o auge. Foram abolidos definitivamente alguns direitos políticos e sociais que ainda existiam em algumas províncias sul-africanas. As diferenças raciais foram juridicamente codificadas de modo a classificar a população de acordo com o grupo social a que pertenciam. A segregação assumiu enorme extensão permeando todos os espaços e relações sociais. Os casamentos entre brancos e negros foram proibidos.

(2)     Para mais informações sobre o rúgbi ver http://www.brasilrugby.com.br/Rbrasil.htm .

(3)     Os Bôeres, também designados africâneres são descendentes de colonos alemães, holandeses e franceses que se estabeleceram na África do Sul no século XVI. Desenvolveram uma língua própria: o africâner (adaptação sobre o texto original).

Leitura adicional recomendada: MANDINO, Og – “O Maior Vendedor do Mundo” – Ed. Record – 2003 – 110 págs. Interessante observar como a estratégia proposta por Mandino para se tornar o maior vendedor do mundo – a simples aplicação da boa vontade e da simpatia por parte do vendedor, que conquista os clientes quando estes o percebem como um amigo, alguém que quer lhes ajudar, tendo como símbolo máximo o sorriso estampado no rosto – é presente em Mandela e em seus encontros empreendidos com os representantes do Governo Sul-Africano durante as negociações não somente por sua libertação como também pela realização das eleições multirraciais de 1994. Ou seja, Mandela “vende” um mundo novo, e conquista seus antigos inimigos utilizando um approach que é válido para diversas áreas de nossa vida: a perspectiva de sermos felizes ajudando uns aos outros.

quinta-feira, 12 de maio de 2011

O SÍMBOLO PERDIDO

Depois de dois megasucessos como “Anjos e Demônios” e “Código da Vinci”, seria tarefa difícil para Dan Brown retomar o personagem principal dos supracitados livros – Prof. Robert Langdon, interpretado no cinema pelo astro Tom Hanks – sem correr o risco de frustrar eventuais expectativas. Para tanto a saída óbvia seria a repetição de uma fórmula construída desde a primeira das três histórias.

Em “O Símbolo Perdido” – Ed. Sextante – Rio de Janeiro – 489 págs. – 2009, como nos livros anteriores o Prof. Langdon é acompanhado por uma bela amiga que o auxiliará na solução de um mistério que envolve símbolos enigmáticos escondidos. Estes se localizam desta feita em pontos turísticos da capital norte-americana, Washington, tendo sido ele levado ao centro de uma estória cheia de ação por meio de suas conexões no mundo acadêmico.

A grande diferença entre este terceiro livro em relação aos dois anteriores é que este, por ser ambientado totalmente nos Estados Unidos, traz a oportunidade para o autor de fazer loas, de maneira exagerada a meu ver, à capacidade daquele país de ser o centro de uma nova era do Iluminismo. É o velho chavão de que os EUA seriam não a “a polícia do mundo”, mas o baluarte, o país e o povo com a capacidade de conduzir o resto do planeta a um novo estágio evolutivo.

Este discurso grandiloqüente acaba sendo o pecado maior do livro. Se abstrairmos tal fato pode-se aproveitar o que a regra mágica acima apontada da ação + sensualidade implícita + mistério associado a símbolos que aos nossos olhos passam despercebidos e que somente o Prof. Langdon poderia decifrá-los, tal qual um Sherlock Holmes da era moderna, nos serve para envolver-nos na trama sem que tenhamos vontade de parar de ler antes do final.

O livro centra-se no mundo da Francomaçonaria:

“Historicamente, é impossível afirmar com certeza de onde vem a Franco-maçonaria. Ela aparece, quase subitamente, lá pelos fins do século XIV, mas todos estão de acordo em reconhecer que ela já existia antes dessa data”. (...) Seria ela uma “sociedade secreta iniciática que tem por finalidade proporcionar ao indivíduo os meios de assegurar sua evolução espiritual, mediante a ação de um trabalho coletivo”. (1)
A Franco-Maçonaria é uma autêntica instituição iniciadora porque transmite a verdadeira iniciação e traz, por meio de seus rituais e símbolos, o ensinamento das antigas escolas de mistérios, dos quais é depositária e herdeira. (2) – grifo nosso.

Talvez com o intuito de amenizar o tom marcadamente pró-norte-americano do livro assim o autor utiliza-se de ter como ambiente uma das sociedades que mais instigam a curiosidade dos leigos em todo o mundo – os chamados “Antigos Mistérios”, preservados pela Francomaçonaria, estão a todo momento presentes no texto. Ou seja, utiliza-se de um mote universal, que tem apelo a leitores de todo o mundo, para deixar passar uma mensagem por demais centrada em apenas uma única leitura da civilização ocidental.

De toda forma, conforme coloquei acima, é um livro que, deixadas a parte eventuais “filosofias”, preservou o segredo do sucesso dos dois anteriores. Assim sendo servirá certamente como distração para a maioria dos leitores. Isto é, em que pese o alongamento de seu final, piegas – quase como o discurso apresentado no filme “Independence Day” (1996), em que o Presidente norte-americano, Thomas J. Whitmore, interpretado por Bill Pullman, clama todos ao combate pelos Estados Unidos para salvação do planeta – e uma reviravolta mirabolante digna de 007 – que infelizmente não pode ser revelada – da qual se a estória fosse minimamente preservada teria tido um impacto maior sobre o público, o autor soube como continuar cativando e assim acrescentará, certamente, mais alguns zeros em sua conta bancária, roteiros para adaptação ao cinema, etc., afinal, the show must go on...

Fontes – acesso em 16 de Janeiro de 2011:



quinta-feira, 5 de maio de 2011

ANDERSON SILVA x MIKE TYSON

Antes que ocorra qualquer confusão, nem no sentido intelectual e muito menos no sentido físico, não estou propondo ou antecipando mais uma luta do século. Para quem acompanha artes marciais ou boxe, muitos foram os combates assim classificados, lugar comum superutilizado no meio esportivo para promover diversos tipos de eventos. O que avaliaremos a seguir transcende a disputa esportiva direta entre esses dois lutadores que já entraram para a história de seus respectivos esportes. Convido-os, muito pelo contrário, a avaliar a similaridade de suas trajetórias e eventuais diferenças, tudo inserido no contexto maior do negócio em que estão envoltos.

Fui testemunha ocular do fenômeno Mike Tyson. Garoto com talento nato para o boxe foi como muitos outros, retirado de uma vida fadada ao crime para destilar todo o seu ódio contra as injustiças que vivenciou ou até mesmo sofreu na pele no corpo dos adversários destinados a ele no ringue. No início, como todo lutador com potencial, pegou lutas que se ofereceram para seu crescimento no ranking, algumas de tão fáceis que viraram até folclore – me lembro especialmente de uma em que bastou a ele pegar o tempo exato em que o adversário ficava pulando a sua frente para, com um único golpe, nocauteá-lo.

Mike Tyson


Após duas dezenas de lutas estava ele próximo de se tornar o mais novo campeão dos pesos pesados. Em 1986 vencia Trevor Berbick, por nocaute, no segundo assalto, e assombrava o mundo. Porém, a miríade de organizações mundiais de boxe e seus empresários, num meio esportivo que sempre foi acusado, não sem razão, de explorar suas estrelas ao máximo, incluindo emocionalmente, tal qual alguns jogadores de futebol no Brasil, a fama e o dinheiro fizeram estragos. Numa entrevista muito franca, realizada no meio do ano de 2010 para a revisa americana Details, ele detonava aquela carreira que de tão meteórica começou a degringolar apenas 4 anos após seu surgimento de brilho mais intenso, quando foi derrotado por James Buster Douglas, numa luta realizada em Tóquio:

- A primeira fase da minha vida foi um monte de egoísmo. Só um monte de presentes para mim mesmo e para pessoas que não necessariamente mereciam. Agora estou com 44 anos e percebo que toda minha vida é um lixo. "Maior homem do planeta"? Eu não era nem metade do homem que pensava ser. Então, se há algum grande plano agora, é apenas dar. É altruísmo, importar-me com pessoas que merecem. Porque acho que sou um canalha. Tenho esta incrível capacidade de me olhar no espelho e dizer "Sou um canalha. Sou um m...". http://globoesporte.globo.com/lutas/noticia/2010/07/mike-tyson-desabafa-sou-um-m.html - acessado em 27/Fev/2011.

No auge de sua carreira era comum ver pessoas acordadas até de madrugada para assistir suas lutas, que muitas vezes não passavam do primeiro round. Tal aspecto me alertou para a similaridade com o atual monstro dos ringues da Mixed Martial Arts (MMA), o brasileiro Anderson Silva. Passei então a avaliar se o fim seria o mesmo, ou se o passado histórico de alguém como Tyson poderia ter trazido algum aprendizado num meio também dedicado às lutas.

Diferentemente do boxe profissional dos anos 80, o MMA, por intermédio do Ultimate Fighting Championship (UFC) vem trilhando um caminho pela unificação das lutas. Como alcançou isto seria matéria para um outro post, mas em resumo minha tese se baseia que com força financeira e um mínimo de inteligência para a venda de uma imagem e de um produto se consegue superar quaisquer obstáculos em torno de uma supremacia em termos de credibilidade organizacional. E isto foi feito e vem transformando o MMA numa máquina de fazer dinheiro. Seria muito fácil, pois, para qualquer um que estivesse envolvido nesse meio se perder como Tyson o fez. Porém Anderson Silva, para minha surpresa – também sou preso a alguns estereótipos quando transito por mares os quais não estou habituado – demonstrou clareza e consciência quanto aos seus limites em uma série de entrevistas que vi dar ultimamente – a maior parte delas para o programa Sensei Sportv, especializado em lutas.

Em diferentes momentos ele afirmou, categoricamente, que não é imbatível e que os cinturões que possui podem a qualquer momento ser conquistados por outro lutador. Indicou ainda ter a preocupação com a mensagem que passa para o público, sendo o melhor caminho pregar a humildade sempre e ajudar os outros sempre que for preciso. Essa humildade, que uma vez esquecida quando enfrentou Demien Maia em Abu Dhabi e que gerou uma série de protestos não somente de seu empregador, mas de todo o público que acompanha o MMA, fez com que ele colocasse novamente as coisas em seu devido rumo: “Não foi uma atitude legal. Entrei no clima da luta, da rivalidade e acabei extrapolando um pouco. Poderia ter sido mais sério, com certeza”. A atitude de clarividência quanto aos próprios limites, quer sejam profissionais quer sejam humanos, podem fazer com que seu caminhar seja distinto quando se aposentar.

É o que esperamos de um ídolo brasileiro, que ele contribua para que a humanidade entenda que alguns valores estão acima dos aspectos materiais e que devem ser preservados, em especial o respeito pelo outro. E tal comportamento tem que estar expresso nas mínimas atitudes, tal como quando do retorno ao Brasil após a recente vitória sobre Vitor Belfort, conforme relatado pela Folha:

A chegada ao Brasil, no último dia 13, marcou Anderson Silva com um episódio que ele vem contando desde então. Ao entrar em sua casa, em um condomínio na Barra da Tijuca, no Rio, viu um paparazzo em cima do muro, tirando fotos. "Eu disse: 'Que p... é essa? Velho, tu vai cair daí! Quer foto, a gente tira'."

Se esta atitude é da boca para fora ou não, se este preocupação para com o outro é verdadeira ou não, é outra discussão. Se for somente mídia, se perderá com o tempo. Resta-nos acompanhar e torcer pelo contrário, que esta seja a postura verdadeira dele, passando uma mensagem sólida que permanecerá de pé com o tempo, diferentemente dos seus adversários.

OBS.: Peço perdão pelos palavrões, mas não tinha como tratar deste assunto sem ser fidedigno ao cenário.

Sites acessados (27/Fev/2011):