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quinta-feira, 30 de junho de 2011

12 ANGRY MEN

Julgamentos. Julgamos a todo o momento, a cada passo, a cada olhar, tomamos uma decisão baseada em referências passadas e em perspectivas futuras. Vamos tomar um sorvete? Sim, o calor está demais, porém a dieta contra-indica. O que vale mais? O prazer imediato ou o benefício duradouro? Vamos contratar uma empregada. Duas candidatas se apresentam: uma bem distinta, muito bem arrumada, mas que não apresenta a experiência necessária. Outra, tão desarrumada que até parece uma maltrapilha, porém com belas referências, todas conferidas, tudo indicando que pela experiência é uma boa profissional. Confiamos nas aparências, pois o visual pode ajudar quando recebermos convidados em nossa casa, ou preferimos a praticidade de alguém que vai dar conta do trabalho no dia-a-dia? Vemos uma lagartixa andar pela parede de nossa casa de veraneio. Achamos nojento tal réptil. O liquidamos, para que não fiquemos incomodados ou o mantemos vivo, para que o equilíbrio fino da natureza não seja atingido – afinal, ele pode se alimentar de insetos mais repugnantes?

Essas são decisões típicas a serem tomadas em cada momento de nossas vidas, porém triviais como identificar qual a melhor roupa para se utilizar a cada dia. Porém, imaginem quando temos em nossas mãos a vida de alguém. Ou melhor dizendo, a manutenção da vida de uma pessoa. O filme “12 Angry Men” (1997), vencedor do Globo de Ouro e que tem como astros principais os veteranos Jack Lemmon e George C. Scott – e que na verdade trata-se de uma refilmagem de um clássico de 1957 que havia sido dirigido por Sidney Lumet – traz à baila tal debate.

No filme, um júri de composto por 12 homens é reunido no interior dos Estados Unidos para decidir pela culpabilidade ou não de um jovem acusado de ter assassinado o pai. O jovem vive numa comunidade carente e tem um histórico de constantes discussões e brigas com a vítima. Foi visto no local do crime em um embate acalorado com o pai pouco antes deste ser encontrado morto, a facadas, tendo sido a arma do crime encontrada no local e identificada como tendo sido adquirida recentemente pelo suspeito principal.

A estória que se passa nas telas inicia-se exatamente no ponto em que, após a exposição dos advogados – o do suspeito é um defensor público – é finalizada e a juíza conclama os jurados para tomar uma decisão. Pelas regras do Estado em que se dá o julgamento, a indicação do júri pela culpabilidade ou não do suspeito deve se dar por unanimidade. Do contrário, o julgamento é levado para outro corpo de jurados.

Os doze jurados então são confinados a uma sala para tomarem sua decisão naquela tarde calorenta, num ambiente em que a princípio estão sem ar-condicionado. Quando todos imaginavam que alcançariam a unanimidade facilmente decidindo-se pelo veredicto de “culpado” – o que levaria necessariamente o suspeito à pena de morte – um dos jurados aponta sua preferência pela inocência do rapaz. A partir daí desenrola-se a estória, em que estes 12 homens “irados” são levados a refletir mais detidamente à decisão que irão tomar, tendo em conta não apenas as provas circunstanciais ou os argumentos que são levantados de forma mais profunda com o desenrolar do filme, mas também observando seus conceitos e preconceitos, e em como estes afetam o que parecia ser um simples raciocínio lógico.

A maestria da atuação de todos os atores envolvidos prende a atenção do telespectador de tal maneira que este nem percebe que a estória se passa num único ambiente, o que seria típico de uma peça de teatro, por exemplo – digo isto para aqueles que têm ojeriza ao teatro. Porém o suspense, a análise e as reações de cada um dos personagens prendem a respiração daqueles que acompanham os debates. Jack Lemmon (1925-2001) e George C. Scott (1927-1999), os dois protagonistas, dão um show e fazem valer a pena assistir uma trama de quase duas horas que nos faz compreender que nossa alma é tão cheia de imperfeições que afetam o nosso próprio raciocínio. Afinal, somos seres humanos, não somos infalíveis, mesmo que criemos uma série de ferramentas para evitarmos nossos erros, eles ainda assim podem ocorrer. E não devemos nos culpar por isso. It’s life!

Fontes acessadas em 10 de Fevereiro de 2011:


quarta-feira, 22 de junho de 2011

A VINGANÇA

- Nós éramos amigos – respondeu Bella. – Colegas. Nos conhecemos seis anos atrás em um evento em Chatham House, um think tank em Londres. A maioria dos participantes trabalha com questões de segurança nacional. Publicam artigos, dão palestras, organizam simpósios, esse tipo de coisa. (1)

Ao ler esse trecho do livro “A Vingança”, de Christopher Reich, volume que dá continuidade à saga do Dr. Jonathan Ramson no mundo da espionagem, tive um sobressalto. Entre 2003 e 2004 fui convidado pela referida Chatham House – que até aquele momento sequer sabia que existia – para participar de uma pesquisa sobre a proteção dos recursos genéticos em países emergentes.

O convite me foi feito provavelmente porque naquela ocasião eu ainda era um dos representantes do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) no Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN), unidade localizada internamente na estrutura do Ministério do Meio Ambiente (MMA). De toda forma, me senti lisonjeado, e mais ainda porque o convite era acompanhado da possibilidade de participação em um seminário em Londres sobre o tema da pesquisa. Infelizmente não pude participar naquela ocasião, e a capital britânica somente foi conhecida alguns anos depois, quando tive também a oportunidade de jantar um maravilhoso peixe na casa da minha prima, Mariana, que morava por lá.

Voltando ao livro e a sensação que ele me passou, posso dizer que me dei conta do quanto a ficção muitas vezes se aproxima da realidade. Imaginei-me envolto num projeto de prospecção de informações mundial para beneficiar determinados grupos ou países. Ora, sabemos que na maior parte das vezes os think tanks como o Chatham House têm seus patrocinadores “ocultos”, que buscam colocar os holofotes sobre temas de seu interesse de modo a influenciar para determinada direção a opinião pública. Porém, por outro lado, se o debate não for oportunizado de alguma forma, teríamos uma sociedade sem a chance de se posicionar. Basta ter o cuidado de não nos sentirmos tal qual ovelhas sendo conduzidas para uma determinada direção.

Aliás, se tem um expert nesse pastoreio é o autor do livro em questão, Christopher Reich. O primeiro volume desta série denominado “A Farsa”, já foi objeto de um post (Novembro/2010). Aquele tem sua trama por demais centrada nos meneios possíveis de serem engendrados por intermédio do sistema financeiro mundial para o financiamento de atividades terroristas. Sendo ainda o primeiro da série, consumiu-se um tempo para a explicação da origem de grande parte dos personagens centrais.

Chatham House surge no segundo volume como uma citação para uma realidade que vivemos já tem algum tempo: o poder que a informação privilegiada propicia a quem a detém. A trama inicia-se justamente com o assassinato de um lorde inglês que tinha como sustento, além de suas posses hereditárias, a profissão de analista de informações para uma agência privada. Esta vendia os seus serviços para quem o bem pagasse, com profissionais gabaritados para coletar dados e analisá-los, antecipando tendências e fatos que poderiam influenciar a economia mundial. Pergunto-me se estaria eu sendo, alguns anos atrás, uma fonte não-oficial deste tipo?

Neste segundo volume, o autor acelerou o tempo da estória, transformando-a num verdadeiro thriller, com muitas perseguições, além de construções e desconstruções de cenários que se acentuam cada vez mais quando se aproxima o final. Envolvem-se o MI5 e o MI6 (2) do Governo Britânico, além do Governo Norte-Americano, Francês e Italiano com suas agências de segurança internas. Personagens pacatos são de repente transformados em espiões de grosso calibre. Reich realmente superou em termos de adrenalina a primeira parte. O leitor fica com um gosto de “quero mais”, imaginando como será o passo seguinte. Acho que da próxima vez vou pensar duas vezes antes de aceitar determinados convites.

(1)    REICH, Christopher – A Vingança – Ed. Sextante – Rio de Janeiro – 2009 – pág. 176 (total: 346 págs).
(2)    MI5 é responsável pelos assuntos internos, enquanto o MI6 pelos assuntos internacionais – Revista VEJA – págs. 98-101 – “A Serviço de Sua Majestade – mas de verdade” – edição 2.200 – ano 44 – nº 3 – 19 de Janeiro de 2011.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

SANTA JULIANA E TIRADENTES

Mártir Juliana, filha de ricos pagãos nasceu na cidade de Nicomedia (Ásia Menor) no ano de 286. Aos nove anos seu pai African a prometeu em casamento a um jovem de origem nobre chamado Eleusius cujo pai era fidalgo da corte. Devido à pouca idade dos dois o casamento foi adiado até sua maioridade. Durante os anos que seguiram Juliana conheceu a fé cristã, acreditou e foi batizada. Eleusius se promoveu no serviço civil e tornou-se governador de Nicomedia. Quando se aproximava a data do casamento, Juliana começou a contar ao seu noivo pagão a respeito da fé cristã e tentou convencê-lo a se batizar. Quando Eleusius se recusou, Juliana também desistiu de desposá-lo. Grosseiro e descontrolado pela cólera, African, ao tomar conhecimento da união do cristianismo desprezado por ele e da rejeição a tão invejado noivo, se enfureceu muito com ela e começou a agredi-la. E Juliana dizia ao pai: “Venero a Cristo, amo a Cristo e não tenho medo de suplícios por Ele.” Então, African mandou sua filha a julgamento ao próprio Eleusius. Encantado pela beleza de sua ex-noiva, Eleusius em princípio tentou convencê-la carinhosamente a renunciar a Cristo e a desposá-lo. Depois, vendo sua firme determinação começou a ameaçá-la de diversas maneiras. Mas, nem o medo da morte foi capaz de fazer Juliana renunciar a Cristo. Ela foi fortemente açoitada e torturada; em seguida foi jogada em um calabouço. Ali uma nova provação aguardava Juliana: o demônio apareceu em forma de anjo tentando convencê-la a ser razoável e firmar um pequeno compromisso. Pelas palavras dele, Juliana adivinhando que era o inimigo que falava com ela, foi acorrentado pela decisão dessa grande santa, rezou a Deus e o demônio sumiu envergonhado, na Igreja ao lado de sua imagem tem a figura do demônio acorrentado. Vendo a firmeza da mártir de Cristo e os milagres durante as torturas, muitos moradores de Nicomedia passaram a crer em Cristo. Todos foram decapitados. Depois disso também executaram Juliana, a qual completava 18 anos. Isso aconteceu no ano de 304. A santa mártir Juliana é venerada como padroeira da castidade e pureza. Partes de suas relíquias são preservadas em muitas igrejas.

Deus escreve certo por linhas tortas, diz o ditado popular. Muitas são as lições que extraímos da História. Tiradentes se tornou mártir de nossa independência por participar de um movimento do qual acabou por ser delatado, mantendo sua posição republicana em que pese a possibilidade que vislumbrava, e que depois se confirmou, da morte pela forca. Ele acreditava num país melhor, igualitário, em que os brasileiros teriam a oportunidade de crescer semeando seus sonhos.

Em Niterói temos a rua Tiradentes, próxima a minha residência, e de grata lembrança por ser o endereço da Faculdade de Economia, a qual cursei entre 1989 e 1995. Nessa mesma rua estava instalada a Clínica Ortopédica Santa Juliana. Há muito tempo desativada, acabou por se tornar abrigo de sem-tetos, trazendo a preocupação para a vizinhança por também poder se tornar local de consumo de drogas e esconderijo para ladrões. Esta situação minorou recentemente, quando teve sua entrada vedada por tapumes que acredito sejam dos donos da antiga clínica.

Mas o que me chamou atenção é a estranha coincidência que faz com que duas figuras da História tenham suas trajetórias cruzadas em função de homenagens prestadas aos seus nomes, e que numa ironia extrema, apontem para o descaso da sociedade, refletindo a desigualdade entre os homens, justamente algo que ambos buscavam extirpar, cada um a seu modo. Santa Juliana, conforme apresentado acima, teve como maior mérito, na visão da Igreja Católica, a preservação de sua castidade por defender o Cristianismo contra os poderes estabelecidos. Acreditava num ideal, pois, e fez o que considerou necessário para que sua mensagem fosse compreendida. Mesmo tentada, não se corrompeu. Já Tiradentes, numa outra época, no Brasil, seguiu trajetória semelhante, permanecendo firme em sua fé política de que merecíamos um futuro melhor.

Infelizmente o Brasil não alcançou ainda nem o paraíso imaginado por Tiradentes, nem o respeito pelo outro e pela divergência de opinião, o que na prática foi também uma pregação de Santa Juliana. Quando observamos, portanto, uma clínica – que deveria ser um local de cura - desativada que contém o nome da santa, situada na rua batizada com o nome do mártir brasileiro, se tornar representativa do pior dos resultados que a nossa sociedade pode produzir, será que não há aí além de um problema grave, uma dolorosa mensagem a ser refletida? Até quando permitiremos que os sonhos de nossos mártires sejam em vão? Até quando teremos uma comunidade que não respeita a si própria? Até quando?

OBS.: ironia das ironias – Santa Juliana também é o nome de uma cidade do interior de Minas Gerais, assim como Tiradentes.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

VINCENT CASSEL

Minha relação com a França e os franceses em geral é conflituosa. Vocês são sabedores da paixão que tenho por esportes e os patriotas da Queda da Bastilha estão na história esportiva brasileira como um travo amargo difícil de aceitar. Ora somos eliminados em Copas do Mundo por eles, ora os ganhamos no vôlei masculino – me lembro que no Mundial de 1986, disputado na França, os eliminamos e fiquei enlouquecido gritando sozinho dentro de casa, como se isso vingasse a eliminação no Mundial do México, nos pênaltis. Vivemos ainda o início da década de 1990 envolvidos no duelo entre Senna e Prost, personificando dessa forma o embate entre as duas nações.

Mas o mundo dá muitas voltas. Em que pese a construção desse sentimento refratário, me vi anos mais tarde trabalhando na área internacional e sendo levado à necessidade de aprender o idioma original do personagem Asterix. Tive ótimos 3 anos e meio de aprendizado na Aliança Francesa de Niterói, com grandes colegas de turma e uma professora exemplar, Ruth, que me acrescentaram ao termos de observar como se conhece melhor um povo ao se aproximar de sua cultura. E nesse sentido devo confessar minha admiração em relação à trajetória de vida do ator francês Vincent Cassel.

Monsieur Cassel tem uma extensa filmografia – para mais detalhes ver http://www.imdb.com/name/nm0001993/ . Recentemente pude conferir “À Deriva” (2009), dirigido pelo brasileiro Heitor Dhalia, em que interpreta o escritor Mathias. O filme é falado em português, idioma que Cassel domina. Trata-se de um drama, em que o seu personagem trai a esposa, com quem tem 3 filhos, e a filha mais velha, interpretada pela jovem atriz, Laura Neiva, passa pela fase de afirmação da adolescência. De temática até simples, o filme serviu mais, pessoalmente, para matar minha curiosidade sobre a atuação de um profissional de alto gabarito, reconhecido no cenário mundial, com participações em blockbusters e filmes menos cotados, numa produção brasileira. Dessa forma, acabou por reafirmar o que eu já tinha conhecimento: a paixão daquele ator por nosso país.

A primeira vez que tive tal insight foi observando seu trabalho no filme “Doze Homens e Outro Segredo” (2004), em que ele interpreta um ladrão que é concorrente dos protagonistas do filme, interpretados por sua vez por George Clooney, Matt Damon e Brad Pitt. Neste filme, numa de suas principais cenas, ele se utiliza da capoeira para driblar um sistema de alarme e ter acesso a um bem precioso. Tal cena representa, desta forma, uma das contribuições da cultura brasileira para o imaginário internacional, ao lado do futebol e do samba, espalhadas pelo mundo todo como sendo aspectos que validam a nossa alegria, que é esse misto de arte marcial e dança que desenvolvemos a partir da herança africana.

Assim, a mensagem que o ator passa com a escolha de seus trabalhos é que não ter preconceitos pode não somente fazer um mundo melhor como trazer uma ampliação de oportunidades de entrelaçamento de idéias entre diferentes culturas. Em “À Deriva”, por exemplo, ele tem uma boa química com Débora Bloch, que faz o papel de sua esposa, e que por sua vez também domina o idioma francês – uma observação à parte: o elenco jovem, infelizmente, não acompanha a qualidade dos protagonistas, a meu ver. Observar profissionais que possuem tal atitude para com a vida pode certamente ser de valia para o crescimento de qualquer um.

Apenas para demonstrar como a mente aberta pode proporcionar um desenvolvimento contínuo, pode-se dizer, por exemplo, que este mesmo ator que já representou personagens marginais, como no filme francês “O Ódio” (1995), ou “Irreversível” (2002), encontra-se no filme “O Cisne Negro” (2010). Dessa forma vem construindo uma filmografia digna daqueles atores que têm a possibilidade escolher os projetos dos quais participarão. Ou seja, é um cara para se acompanhar, saindo um pouco daquela mesmice dos rótulos típicos do cinema europeu, quebrando preconceitos e levando não somente a França no coração, mas um pedacinho do Brasil também.

Sugestão:

Ver o vídeo de “Doze Homens e Outro Segredo”, em que Vincent Cassel utiliza a capoeira: http://www.youtube.com/watch?v=xMuheGTAXew . E sua cena de preparação, no mesmo filme: http://www.youtube.com/watch?v=K_yu0JQ5aBk .

quinta-feira, 2 de junho de 2011

RONALDO - O FENÔMENO

E Ronaldo finalmente parou. Ou vai parar. Ou está parando. Mas enfatizo a palavra “finalmente” da minha primeira frase. Uma vida por demais acelerada viveu esse menino criado no subúrbio do Rio de Janeiro. O freio teria que ser muito forte para conter sua investida sobre si próprio. Inúmeras foram as contusões e confusões em que este se meteu, principalmente no terço final de sua carreira.

A meu ver ele alcançou seu ápice em 2002, e agora passado quase dez anos daquele momento no Japão, ele a encerra. Foi uma trajetória, portanto, tal qual a escalada de uma grande montanha. Tendo iniciado sua vida de jogador profissional muito cedo – em 1992, no Cruzeiro de Belo Horizonte, após o surgimento nas categorias amadoras do São Cristóvão do Rio de Janeiro – 10 anos depois ele dava a grande reviravolta, surpreendendo os críticos ao se recuperar de uma grave contusão no joelho, com o rompimento da patela em jogo pela Internazionale de Milão contra a Lazio de Roma, pela final da Copa da Itália.

Nesses últimos momentos, no entanto, quando tudo apontava para uma possível execração pública de sua imagem, esta se demonstrou tão forte, geradora de bons sentimentos para com seus admiradores – milhões mundo afora – por sua história de vida e superação profissional, que até mesmo a imprensa, que esteve tão enfática na construção do discurso sobre o seu ponto de parada, no qual somente ele mesmo poderia identificar, que esta passou a enaltecer suas conquistas e o vácuo que ele deixaria na esfera do futebol. Tal fato foi perceptível e externado em forma de congratulação pelo treinador do Corinthians, Tite, em entrevista coletiva já na semana posterior da aposentadoria do principal astro do time que dirigia.

Esse sentimento foi apontado, com certo estranhamento, pelo jornalista Lédio Carmona do canal a cabo especializado em esportes Sportv, no programa “Redação Sportv”, na manhã do mesmo dia da entrevista em que Ronaldo anunciou que se retiraria dos gramados. Ele o sintetizou afirmando que havia, de certa forma, um clima de “velório” rondando o anúncio que estava prestes a acontecer. E tudo isso foi gerado, não coincidentemente na era de seres midiáticos e de circulação da informação quase instantânea, em menos de 24 horas, pois ao final do domingo, dia anterior, a notícia havia vazado por intermédio do jornalista Daniel Piza, do Estadão, que havia sido contatado pelo próprio Ronaldo, a quem conhecia de longa data. Assim, a dinâmica de alta velocidade de sua vida permanecia.

Outro ponto colocado no mesmo programa supracitado e para qual, confesso, não havia atentado até então, era o fracasso da Copa de 1998, na França, sob outro prisma. Para aqueles que não se recordam, aquela era para ter sido a Copa do Ronaldo, seu verdadeiro êxtase 4 anos antes do que ele efetivamente alcançou. Naquela época ele era considerado o melhor jogador do mundo, premiado pela FIFA como tal, e estava na plenitude física. Além disso, seria ladeado por Romário no ataque da seleção, repetindo uma dupla que jamais perdeu quando esteve junto em campo. Dois anos antes, em 1996, ambos protagonizaram a final da Copa das Confederações em que o Brasil derrotou a Austrália por 6 X 0, com três gols de cada um.

Porém, uma contusão sentida pelo Baixinho, ainda na fase de preparação para a Copa, já na França, impossibilitou tal fato histórico – a atuação conjunta deles num Mundial (em 1994 Ronaldo sequer entrou em campo, apesar de estar no grupo que foi tetracampeão). Vocês podem imaginar o que teria sido aquela Copa com os dois juntos? Vou apenas citar um único ponto para vocês perceberem qual seria a diferença: a convulsão pela qual passou o Fenômeno no dia da final foi decorrida, muito provavelmente, pela alta pressão que o mesmo sentia sobre si, para confirmar uma expectativa gerada de que ele conduziria o Brasil para aquele título. Caso tivesse Romário ao seu lado, os holofotes seriam divididos, e esse nível de estresse inexistiria. O que poderia ter acontecido na final? De tudo, uma vez que a França jogou muito bem aquela partida, mas o Brasil certamente não a perderia – se isto viesse a acontecer – da forma como foi. Porém, isto nunca saberemos.

Por último, devo dizer que Ronaldo foi emblemático, na medida que foi o grande jogador brasileiro do qual testemunhei a carreira do início ao fim. De Zico, por exemplo, meu ídolo maior, não tive a oportunidade de acompanhar a arrancada inicial, pois era muito pequeno em meados da década de 70. Mas a carreira do Fenômeno eu pude seguir, desde o seu comecinho, facilitado pelas múltiplas ferramentas que a comunicação dispõe hoje em dia. Fiquei decepcionado por ele não ter jogado no Flamengo, mas não posso relegar o fato de que ele me deu muitas e grandes alegrias com a Seleção Brasileira. Sendo assim, obrigado Ronaldo, e vamos em frente até que outro jogador surja para nos alegrar no mesmo tom, afinal de contas, o Brasil é ou não é um celeiro de craques?