A vitória de Fernando Alonso no último Grande Prêmio da Coréia do Sul fez dele um dos principais favoritos ao título do Campeonato Mundial de Pilotos da Fórmula 1 (F1) este ano. Seria o seu terceiro título mundial, se juntando a grandes campeões, como Ayrton Senna, Niki Lauda e Nelson Piquet, por exemplo.
Este fato suscitou em mim um misto de sentimentos: primeiro, não gostei de tal perspectiva, pois considero o piloto espanhol, em que pese de grande qualidade, ter um caráter para lá de duvidoso – tal qual um certo piloto alemão que já ganhou por sete vezes o título mundial; e em segundo lugar me fez um tanto quanto reflexivo. Em que sentido, poderiam perguntar vocês. Vejamos então.
Busquei na minha memória os sentimentos que nutrimos – e aí falo na primeira pessoa do plural para entrar o campo dos generalismos, o que é sempre perigoso – quando pilotos brasileiros com grande potencial se encontram envolvidos na disputa pelo campeonato. Mais: quando pilotos brasileiros cometem “erros” em prol de buscar a conquista do título mundial, ou de uma vitória, que seja.
Observei, em meio a este raciocínio, que na F1 facilmente elegemos nossos heróis e vilões. Venho acompanhando o campeonato há muito tempo – basta dizer que me lembro, quando criança, de ter visto corridas em que a Copersucar, com Emerson Fittipaldi ao volante, teria participado (final da década de 70) – e um certo padrão é perceptível: temos o nosso herói, cheio de virtudes, contra o vilão, aquele que busca derrotá-lo.
Porém, quando um brasileiro estava envolvido, este facilmente se tornava o nosso herói. E quaisquer estrangeiros que se interpusessem em seu caminho seriam os vilões. Tivemos até mesmo o privilégio de termos dois heróis e dois vilões ao mesmo tempo, quando usufruímos da existência simultânea de Senna e Piquet. Cada um com sua torcida, que obviamente via o contrário como seu antagonista.
O ponto a que quero chegar é o de quanto somos enviesados em nossa análise. Senna, um dos baluartes de nosso esporte, tem em sua carreira dois momentos que são emblemáticos desta dicotomia. Em 1989 Senna buscava seu segundo título Mundial e disputava o campeonato palmo a palmo com Alain Prost, piloto francês que no circuito era conhecido por sua alcunha de “Professor”. Ambos estavam na mesma equipe – McLaren – e nem mesmo isso serviu para acalmar os ânimos. No Grande Prêmio do Japão daquele ano, Prost ao perceber que seria ultrapassado pelo brasileiro obrigou a ambos saírem da pista. Caso isto ocorresse ele seria automaticamente campeão.
Porém, Senna conseguiu retornar a corrida, cortando caminho, sendo ao final, mesmo obtendo o 1º lugar, desclassificado pela direção de prova. Tal fato deu o título ao francês, que não teve que esperar mais do que 1 ano para ter o seu troco. No mesmo autódromo, em Suzuka, no Japão, Senna tiraria Prost da prova logo na primeira curva, conquistando assim o título naquele ano. Este ato foi ovacionado naquela temporada como um ato de justa vingança, pelo menos por nós brasileiros.
Pois bem, poderíamos citar inúmeros outros casos, mas vou ficar em apenas mais outros dois – Nelson Piquet e seu destempero dos tempos de piloto eram tratados como um exotismo de campeão; e a palhaçada em que se envolveu o seu filho, Nelsinho Piquet, em 2008, em Cingapura, teve defensores como se este o fosse alguém que estava suficientemente pressionado para fingir um acidente e dar a vitória ao seu companheiro de equipe, o mesmo Alonso citado no início deste texto. Enfim, um erro de principiante em sua carreira.
Enquanto isso, observamos e julgamos pilotos estrangeiros, elencando seus pecados e falhas de caráter. Schumacher, heptacampeão, ganha a alcunha de Dick Vigarista por suas tramóias; Alonso seria um safado, por obrigar a Ferrari a dar ordens de abertura de passagem ao Massa; Nigel Mansell seria um piloto destemperado a bordo de um carro que corrigia seus defeitos; etc. Ou seja, elegemos nossos heróis e vilões, aportando defeitos com uma facilidade incrível nestes últimos.
Estaríamos ou não movidos pela paixão quando adotamos tais posturas? Me parece que sim, mas ao mesmo tempo entendo que isto é inerente ao ser humano. Ele constrói uma novela da vida para poder acompanhar, e a F1 seria apenas mais um reality show dos tempos modernos a 300 Km/h. Quanto ao resultado deste ano, acho que o espanhol vai levar, para o meu desgosto. Enquanto isso, na Espanha, ele é visto como um Dom Quixote. Nada mais natural, não?