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sábado, 30 de outubro de 2010

HERÓIS E VILÕES

A vitória de Fernando Alonso no último Grande Prêmio da Coréia do Sul fez dele um dos principais favoritos ao título do Campeonato Mundial de Pilotos da Fórmula 1 (F1) este ano. Seria o seu terceiro título mundial, se juntando a grandes campeões, como Ayrton Senna, Niki Lauda e Nelson Piquet, por exemplo.

Este fato suscitou em mim um misto de sentimentos: primeiro, não gostei de tal perspectiva, pois considero o piloto espanhol, em que pese de grande qualidade, ter um caráter para lá de duvidoso – tal qual um certo piloto alemão que já ganhou por sete vezes o título mundial; e em segundo lugar me fez um tanto quanto reflexivo. Em que sentido, poderiam perguntar vocês. Vejamos então.

Busquei na minha memória os sentimentos que nutrimos – e aí falo na primeira pessoa do plural para entrar o campo dos generalismos, o que é sempre perigoso – quando pilotos brasileiros com grande potencial se encontram envolvidos na disputa pelo campeonato. Mais: quando pilotos brasileiros cometem “erros” em prol de buscar a conquista do título mundial, ou de uma vitória, que seja.

Observei, em meio a este raciocínio, que na F1 facilmente elegemos nossos heróis e vilões. Venho acompanhando o campeonato há muito tempo – basta dizer que me lembro, quando criança, de ter visto corridas em que a Copersucar, com Emerson Fittipaldi ao volante, teria participado (final da década de 70) – e um certo padrão é perceptível: temos o nosso herói, cheio de virtudes, contra o vilão, aquele que busca derrotá-lo.

Porém, quando um brasileiro estava envolvido, este facilmente se tornava o nosso herói. E quaisquer estrangeiros que se interpusessem em seu caminho seriam os vilões. Tivemos até mesmo o privilégio de termos dois heróis e dois vilões ao mesmo tempo, quando usufruímos da existência simultânea de Senna e Piquet. Cada um com sua torcida, que obviamente via o contrário como seu antagonista.

O ponto a que quero chegar é o de quanto somos enviesados em nossa análise. Senna, um dos baluartes de nosso esporte, tem em sua carreira dois momentos que são emblemáticos desta dicotomia. Em 1989 Senna buscava seu segundo título Mundial e disputava o campeonato palmo a palmo com Alain Prost, piloto francês que no circuito era conhecido por sua alcunha de “Professor”. Ambos estavam na mesma equipe – McLaren – e nem mesmo isso serviu para acalmar os ânimos. No Grande Prêmio do Japão daquele ano, Prost ao perceber que seria ultrapassado pelo brasileiro obrigou a ambos saírem da pista. Caso isto ocorresse ele seria automaticamente campeão.

Porém, Senna conseguiu retornar a corrida, cortando caminho, sendo ao final, mesmo obtendo o 1º lugar, desclassificado pela direção de prova. Tal fato deu o título ao francês, que não teve que esperar mais do que 1 ano para ter o seu troco. No mesmo autódromo, em Suzuka, no Japão, Senna tiraria Prost da prova logo na primeira curva, conquistando assim o título naquele ano. Este ato foi ovacionado naquela temporada como um ato de justa vingança, pelo menos por nós brasileiros.

Pois bem, poderíamos citar inúmeros outros casos, mas vou ficar em apenas mais outros dois – Nelson Piquet e seu destempero dos tempos de piloto eram tratados como um exotismo de campeão; e a palhaçada em que se envolveu o seu filho, Nelsinho Piquet, em 2008, em Cingapura, teve defensores como se este o fosse alguém que estava suficientemente pressionado para fingir um acidente e dar a vitória ao seu companheiro de equipe, o mesmo Alonso citado no início deste texto. Enfim, um erro de principiante em sua carreira.

Enquanto isso, observamos e julgamos pilotos estrangeiros, elencando seus pecados e falhas de caráter. Schumacher, heptacampeão, ganha a alcunha de Dick Vigarista por suas tramóias; Alonso seria um safado, por obrigar a Ferrari a dar ordens de abertura de passagem ao Massa; Nigel Mansell seria um piloto destemperado a bordo de um carro que corrigia seus defeitos; etc. Ou seja, elegemos nossos heróis e vilões, aportando defeitos com uma facilidade incrível nestes últimos.

Estaríamos ou não movidos pela paixão quando adotamos tais posturas? Me parece que sim, mas ao mesmo tempo entendo que isto é inerente ao ser humano. Ele constrói uma novela da vida para poder acompanhar, e a F1 seria apenas mais um reality show dos tempos modernos a 300 Km/h. Quanto ao resultado deste ano, acho que o espanhol vai levar, para o meu desgosto. Enquanto isso, na Espanha, ele é visto como um Dom Quixote. Nada mais natural, não?

12 comentários:

  1. Sou levado a crer que na vida o ser humano é muitas vezes levado a adotar mecanismos maniqueístas para fins de sobrevivência.

    A figura do "herói" nada mais é do que um modelo a ser seguido, admirado ou cultuado. Queremos ser tão virtuosos quanto nossos heróis, poder transformar nossas patéticas vidas em algo que valha a pena e não seja tão-somente um esquentar a cadeira para o próximo que vier. Queremos o reconhecimento, ou então dizer que de alguma forma participamos dele. É como no seu texto sobre "O VOTO". Quem quem dizer que votou num candidato que perdeu? A popularidade está no mesmo nível da percepção de poder. E poder é relativo. Poder de ir e vir, poder para consumir, poder para ter uma vida digna, poder para influenciar, poder.

    O vilão normalmente é, nesse sentido, aquele que nos impede de alcançarmos os objetivos, que nos impõem alguma espécie de temor, que rompem nossas paixões e nosso bem querer, que nos fazem chegar ao lugar mais vil que todo ser humano pode entrar, o do vazio. É nesse vazio que cultivamos nossos ódios, os quais não são senão o próprio pulsar contido, espremido e controlado do amor. O amor pela vida que não temos, pela vida que perdemos, pela vida que poderíamos ter tido.

    Haverá sempre heróis e vilões. Porque eles serão sempre parte de nossas construções como ser humano, o limítrofe entre o querer e o fazer. Não querer, não almejar, não sonhar, passa a ser para alguns a única forma de lidar com suas frustações, e mesmo sucessos que não são aqueles sonhados e cultivados.

    Mas os heróis e os vilões também carregam seus carmas. E é por isso que, na busca por esse delicado equilíbrio, a fé é o nosso único porto seguro. Pena que a apatia é por isso mesmo o risco daqueles que elevam sua crença e não veem o resultado de seus esforços, empenhos e condutas.

    O herói morre. O vilão desaparece. E só resta o medo.

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  2. Como não entendo de esporte não ia escrever, mas depois das últimas linhas do Cassibi, mudei de idéia. Fernando: não resta só o medo não!! Vai, não dá para viver assim.... até concordo com vc que normalmente os vilões são mais lembrados que os heróis, mas às vezes os vilões são mais uma construção nossa do que uma realidade. O que quero dizer é que, às vezes, penso que nossos vilões, se tivessem a chance de falar, nos convenceriam das suas ações, não acha? Até pq me parece que os vilões e heróis tem mais semelhanças que imaginamos: o vilão provavelmente estava trilhando o caminho do herói até aquele momento; aquela atitude, fala que o transforma (pelo menos aos nossos olhos).

    Resumindo antes q fique mais confuso: acho que cabe um sabe a dor de ser o que é...(e acrescentaria): e na situação na qual está. A sacada - acho - é ter consciência das suas ações para manter a coerência com suas opiniões.

    Mas, Cassibi: não pensou em fazer seu blog ainda não? Tá merecendo!
    abs,
    Rachel.

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  3. Sim, de fato eu mesmo admiti que a figura do vilão é uma construção. Uma construção em termos do herói. Porque cada lado deseja garantir sua sobrevivência, então é preciso demonizar ou diminuir ou ignorar outro. Eis as bases para a competição.

    Quanto ao poder de o vilão convencer o herói, não, assim não creio, Rachel. Acho que é uma realidade para muitos. Bom, e direi isso sem acreditar em uma postura soi-disant: é possível entender como o vilão enxerga, mas jamais assumiria o lugar do vilão porque sei que dificilmente ele fará o exercício contrário. Uma curiosidade: meus heróis são identificados com base nas falhas. O que é um processo parecido com o dos vilões. Mas há uma diferença. O herói é capaz de reconhecer suas falhas com ações positivas ou com a potencialidade de fazer o bem; o vilão exibe suas falhas sem sequer imaginar ou ter a coragem de admitir que assim o é. Porque ele também deve ter perdido seu herói, e sente medo com isso.

    Finalmente, eu não conseguiria fazer um blog, Rachel.Mas obrigado pelo estímulo literário.

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  4. A condição da ambiguidade é um dos nossos maiores temores. Estamos, a todo momento, atribuindo classificações para tudo que vemos. Nada pode ficar sem uma definição. A tensão mental e social gerada por algo que ainda não sabemos como classificar é gigantesca.

    Todas as coisas que existem são empurradas para uma dessas milhões de categorias que criamos, e elas DEVEM pertencer a algum deles. As grandes categorias, entretanto, são mais rigorosas e não toleram mais do que [apenas] dois lados. Bem x mal, masculino x feminino, racional x emocional, sim x não, etc.

    O esporte nesse sentido é um espaço fenomenal para aprendermos como classificar, desde criança. Aprendemos a ser (e reconhecer) vencedores ou perdedores. Esse papo do "importante é competir" é exatamente isso. O que importa é competir mesmo, para internalizar os valores da competição, e, assim, aprender a reconhecer e legitimar vitoriosos e perdedores.

    Heróis e vilões dependem um do outro para existir. A figura do herói vai se construir sobre a imagem de quem, senão a do vilão? Heróis e vilões são figuras um tanto ambíguas, por isso geram grandes comoções. Fidel, Che, Mao, etc.

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  5. O que posso dizer diante de tão belas palavras? Sem dúvida nenhuma o blog não seria o mesmo sem a participação de vocês. Muito obrigado!

    Abs,

    Leop

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  6. Acho que a beleza de todos esses textos, sintetizados pelo comentário do Leop, está justamente nesta "enlouquecida" que nos é possível fazer a partir dos textos que ele produz. Uma pessoa poderia considerá-los potencialmente unidimensionais - tema: esportes- quando, na realidade, o que está em jogo são justamente as paixões humanas. Então, para dar um fechamento ao meu comentário, e ousando responder a pergunta retórica deixada por ele, os homens são movidos por paixões, Leo. Pelo pulsar da vida, e pelo destempero perante a morte, ambos entendidos em sentidos mais amplos do que seus sentidos denotativos.

    E, por fim, Mrs. Rachel....responda-me com ardor. Para quê um blog quando a verdadeira beleza está nessa produção conjunta?

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  7. Fernando, concordo com a Rachel, não se deixe ficar tão torturado com essas questões. Vilões e heróis somos todos um pouco, a cada dia. Erramos daqui, acertamos dali, corrigimos logo mais, seguindo com nossas vidas da melhor forma, com os melhores propósitos (que nem sempre são aceitos por nossos próximos).
    Quanto ao blog... quem sabe um rascunho de um livro onde conte a história de um ser torturado pelas dúvidas da alma?

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  8. Estou muito curioso pela reação de vocês ao texto da semana que vem...

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  9. Oi Lucia, considero esse espaço do Leo como um canal aberto para filosofar abertamente, sem puderes. Mas que todos os seres humanos possuem suas torturas, isso é normal. Eu, pelo menos, sou muito guiado por questionamentos e observações sobre o mundo e os rumos que a vida dá e como ela afeta os seres humanos. No geral, creio que há muitos "nãos" na vida e, com muita sinceridade, considero essa oportunidade de troca, entre o Leop e vocês, um momento "sim". :)

    Agora eu é que estou curioso para ver seu texto semana que vem, Leop!

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  10. Ah, sim, Lúcia, a alma não duvida. O vasilhame é que balança ante as ondas do mar.

    "Homem livre é aquele que não teme ir até o final de suas idéias". Leon Blum.

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  11. Parabéns a todos! Leop, como dito, seus textos nos fazem refletir, e a reflexão é o que faz os homens crescerem. Daí, não existem REALMENTE, heróis e vilões, e sim humanos que fraquejam... para alguns perdoáveis como heróis, para outros imperdoáveis como vilões.
    PS.: Concordo com sua análise do Alonso, e o Piquet sempre foi um canalha (vilão) nos mesmos moldes que o Alemão! Tomei partido!

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  12. Paulo,

    Que irias "tomar partido", como um bom torcedor do Senna, não tinha dúvidas. Mas sinceramente, perto das tentativas de assassinato do alemão - Damon Hill (Dick ganhou o título de 96 jogando o inglês no muro, na Austrália), Villeneuve (no ano seguinte, tentou o mesmo com o canadense e se deu mal) e Barrichello (este ano, inesquecível) - o Piquet era um santo.

    Abs,

    Leop

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