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sábado, 16 de outubro de 2010

RAZÃO, PAIXÃO E ÉTICA NO ESPORTE

No final de semana passado terminou mais uma epopéia dos comandados do Bernardinho. Em meio a um novo êxito muitos questionamentos surgiram em função da trajetória seguida para alcançá-lo, especificamente a derrota – aparentemente manipulada – para a Bulgária por 3 x 0.

Para aqueles que não têm o hábito de acompanhar os esportes explico: o regulamento do Campeonato Mundial de Vôlei é decidido de comum acordo entre a Federação que irá hospedar o torneio e a Confederação Mundial. A Federação Italiana arquitetou uma estrutura que facilitava o caminho da seleção da casa. Até aí, tudo normal, pois esse é o procedimento padrão. Exemplo: no futebol, normalmente a seleção que hospeda a Copa do Mundo, tudo dando certo, tem como prerrogativa se deslocar menos entre as sedes – isso quando não fica jogando apenas em uma cidade, enquanto as outras seleções giram pelo país.

O problema no caso do Mundial de Vôlei masculino é que as regras geradas acabaram por criar uma situação que é a pior possível para um esporte de competição: a derrota na segunda fase propiciaria ao perdedor a vantagem de poder escolher um número menor de deslocamentos até a fase final, poupando seus jogadores. Ao contrário do foco de muitos dos comentários, a escolha do Brasil teve esse motivo principal – além de algumas questões passionais que tratarei mais a frente. Como desdobramentos secundários cairiam num grupo “teoricamente” mais fácil – ao invés de enfrentarmos Cuba e Espanha, enfrentaríamos República Tcheca e Alemanha.

Esse fator secundário foi somente gerado pela derrota do Brasil, ainda na primeira fase, para a própria Cuba por 3 x 2, o que criou este cruzamento imprevisto. Se tudo tivesse corrido como todos imaginavam, o Brasil teria vencido Cuba e sido o primeiro de seu grupo, evitando toda essa confusão.

Pois bem, explicada a situação, vamos aos reflexos sobre a tríade do título: razão, paixão e ética. Eu separo as reações da seguinte forma: a do torcedor – eu incluído; a dos atletas – Bernardinho incluído; e a dos analistas.

O torcedor em geral pouco está se importando a maneira como o time vai alcançar o título. Existe até mesmo aquela célebre frase: “Quero ganhar o jogo de 1 x 0, aos 48 do segundo tempo, com gol de mão e impedido!”. Esse querer está calcado na paixão, não existe uma preocupação com a ética. No meu caso, vibrei com o título como sempre, mas toda vez quando peso a situação de derrota para a Bulgária confesso que preferia que o Brasil tivesse lutado com todo o seu ardor pela vitória. O raciocínio de um apaixonado pelo esporte me traz esse sentimento. Gostaria que o Brasil demonstrasse na quadra que era muito superior a qualquer tipo de armação, enfrentando todas as dificuldades, e assim a ética do esporte estaria preservada.

Na ótica dos atletas, eles querem ganhar sempre. O próprio Bernardinho prega essa filosofia. Houve muito disse me disse sobre quem teria tido a iniciativa de facilitar o jogo contra a Bulgária. A mais forte é a de que teria partido dos próprios atletas, que teriam convencido o treinador de que era o que tinha que ser feito. As declarações antes do jogo, de revolta com o regulamento que beneficiava a Itália, já denotavam que a paixão estava se sobrepondo à razão na avaliação deles. Isso se refletiu em quadra. As declarações posteriores – Giba: “Isso é uma mancha na minha carreira!” – demonstra que após o feito, com a cabeça mais fria, a razão e a ética tinham sido maltratadas em sua própria auto-avaliação. Tal destempero continuou com o título já ganho, na entrevista coletiva aqui no Brasil, com os jogadores irritados com as perguntas sobre um assunto que os incomodava. Mas aí o leite já estava derramado.

Por último os analistas: enquanto alguns se mostraram tremendamente decepcionados com a postura da seleção brasileira, indicando que a derrota forçada havia ferido a ética do esporte – calcada na busca pela vitória sempre – os defensores da tática adotada afirmavam que o Brasil não havia ferido esta mesma ética, uma vez que havia aproveitado uma oportunidade que a regra lhe concedia. Ou seja, não havia desrespeitado o regulamento do torneio.

Reitero: na minha modesta opinião a ética do esporte foi sim ferida. Mas nem por isso condeno os jogadores e o treinador. Somente quem está vivendo uma determinada situação sabe onde “aperta o calo”. Imaginem vocês jogar um campeonato em que as regras foram criadas para te prejudicar e mais, para beneficiar o time da casa. Tendo um contratempo no meio do caminho – a derrota no primeiro jogo contra Cuba – o time buscou as alternativas para voltar a trilhar o caminho da vitória. E efetivamente conseguiu. Continuo fã do trabalho da nossa Federação de Vôlei, dos jogadores – todos que construíram esta bela história nos últimos 30 anos – e do Bernardinho, a quem considero um ícone do esporte nacional.

11 comentários:

  1. Nos dias atuais, em que a falta de ética e o desrespeito pela história das pessoas e das instituições é quase que uma regra, ajuda sabermos que existe pelo menos uma pessoa preocupada verdadeiramente com esse tipo de conduta nobre e construtiva. Apenas gostaria de comentar que, tomando isoladamente sua bem conhecida frase "Somente quem está vivendo uma determinada situação sabe onde 'aperta o calo'", aqueles que assim o concordarem perigam assumir a condescendencia como regra geral.

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  2. Leop, primeiro parabéns pelo retorno a rede! Senti muita falta disso!
    Segundo, vc sabe que sou quase tão apaixonado por esporte quanto a vc! Acredito que a ética tem de ser levanda sempre em consideração, e seria ótimo se tivéssemos ganho da Bulgária, Cuba, e quem viesse...
    Mas nem semper o momento cabe. Temos de levar em connsideração tudo q ocorreu no campeonato, o tratamento dado ao Brasil, o regulamento, a pressão da imprensa "isenta" italiana, e também a situação que o Brasil estava passando, sem o levantador reserva, com o Murilo a 70%, etc...
    Desta forma, naquele momento, por mais que doa, o Bernardinho estava certo!
    Paulo Barenco

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  3. Leo, a verdade (essa inatingível) deve ser perseguida sempre. E a verdade é que dificilmente o Brasil perderia de 3X0 da Bulgária. Seguindo... pergunta-se: porque perdeu, então? E aí é que entra o problema, ninguém respondeu a esta questão.
    A resposta é simples. Não valia a pena ganhar. pronto. Era uma questão gerencial, não ética. E aí é que reside o problema todo. O esporte, seja futebol, volei, automobilismo, vai evoluindo até virar um negócio. Bernardinho é um tremendo gestor e sabia que, por mais difícil que a decisão fosse, a melhor alternativa era perder. Junte-se a isso o fato de poder poupar jogadores importantes e está montado o cenário. Pressão da imprensa, bobagem. Regulamento desfavorável, sempre alguém é prejudicado. Nada disso me parece relevante.
    Talvez porque me coloco na posição dele como gestor e vejo que nem sempre a melhor decisão é a que queríamos tomar. É preciso ser injusto, quase desleal, em alguns momentos. É duro, é difícil, fere a nossa consciência, mas acontece.
    Fora isso. Estou satisfeita de ler você.

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  4. Fernando, Paulo e Lúcia,

    Primeiramente obrigado pelos comentários. A troca de idéias sempre enriquece um blog. Quanto à decisão tomada, sabemos que foi difícil, doída, mas concordo com a Lúcia: foi uma decisão de gestor - havia que se perder alguns anéis, enfim. Mas a mão ficou intacta para levantar a taça!

    Abs,

    Leop

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  5. Leop, adorei a cronica! Excelente! Não entendo muito de esportes, apesar de gostar de praticar alguns deles. Mas acho que sua analise foi perfeita e vale para outros assuntos tb.

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  6. Débora, estou longe da perfeição, se é que isso é capaz para um ser humano. Tento apenas colocar uma opinião que possa contribuir para o melhor entendimento de um determinado contexto.

    Abs, e valeu pela leitura e pelo comentário1

    Leop

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  7. Leop, amigo e irmão, fiquei muito feliz em saber que você voltou a compartilhar conosco suas brilhantes crônicas, no caminho de outros mestres como Veríssimo e Armando Nogueira.

    Sobre o tema, quero inicialmente concordar com a Lúcia e com o nosso irmão Paulo. Sabemos que a atual seleção está numa fase de renovação, que parte destes jogadores ganhou tudo nos últimos 10 anos e que, felizmente, continuamos ganhando!!!

    Que fique claro que ganhar não é tudo e que não devemos procurar a vitória a qualquer preço, mas quero fazer alguns comentários sobre a polêmica criada:
    1º) Perder para Cuba por 3 a 2 é um placar normal, considerando o adversário e as derrotas nos amistosos preparatórios na Europa;
    2º) O Brasil só teve 1 levantador durante todo o campeonato. Quando tinha Bruninho não tinha Marlon e vice-versa;
    3º) O Brasil teve outros problemas médicos, ou seja, estava longe do 100% habitual numa competição de alto nível;
    4º) Regulamento, torcida e viagens nunca foram e nunca serão problemas ou desculpas para uma equipe tão vencedora;
    5º) O maior problema, a meu ver, foi optar pela estratégia de poupar uma equipe debilitada, tendo que "entregar" o jogo por não precisar ganhar da Bulgária naquele momento. Isto desconcertou os jogadores e a comissão técnica que não souberam o que dizer nas entrevistas;
    6º) O fato se tornou mais ridículo tendo em vista a dinâmica do vôlei e a excelência das equipes;
    7º) A propósito, vergonhosa e ridícula foi a arbitragem italiana na semi-final contra o Brasil. Aquilo foi roubo típico de torneios da Libertadores da América;
    8º) Outras equipes de voleibol e de outros esportes já tiveram atitudes semelhantes ou piores, sem possuírem equipe campeã nem motivo de força maior.

    Desta forma, indepedente da vitória, entendo que a opção tomada foi a mais correta, tendo em vista as restrições do momento e o resto da trajetória. Foi realmente uma questão gerencial. Imaginem ter perdido o Bruninho sem o Marlon estar 50% pronto para voltar.

    Acho que a discussão sobre ética no esporte e na sociedade é bastante complexa e fundamental, mas não julgaria uma equipe tão fantástica. A meu ver, a arbitragem italiana é que feriu a ética do esporte pois aproveitaram a falta de isenção para agir com má-fé. Felizmente, a equipe superou todos os obstáculos e Deus permitiu que o melhor fosse vencedor. O Brasil ganhou de forma honrosa e poderia ter perdido lutando ao máximo nos momentos decisivos. Esta seleção não feriu nem corrompeu os princípios do esporte.
    Abraços em todos.

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  8. Carlos,
    É tão bom poder voltar a trocar idéia contigo. Você que vivenciou tão intensamente o tênis, praticando-o, sabe como é difícil a decisão do atleta em determinados momentos do jogo - sempre fico imaginando o que passa na cabeça de um tenista quando tem que desistir de uma partida por problemas físicos.

    Como disse anteriormente, concordo contigo e com a Lúcia na questão gerencial, discordando um pouco sobre se a ética foi ou não ferida - esta é uma questão mais ampla, como você bem o colocou.

    De toda forma, muito obrigado pelo comentário - praticamente um novo texto para o blog! - rs.

    Abs,

    Leop

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  9. Leo, você roubou minha piada sobre o tamanho do comentário do Carlos. Mas é isso mesmo, para um tema que envolve detalhes tão delicados fica difícil ser econômico nas palavras. E, fala a verdade, ética é um assunto muito difícil.
    Bjs. Agora vou ao próximo post.

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  10. Caros, sei que já está a muito longe do tema, mas acho interessante ressaltar algo que me veio a pouco. Estava lendo sobre a vida e obra de Nietzsche, e me veio ao compartivo nesta situação a idéia de transvaloração de valores, que ele propõem... talvez de forma não consciente Bernardinho tenha praticado está idéia, pois em nossa sociedade ele esstá muito próximo da idéia do Übermensch (super-homem)!
    Viajei muito! Mas é isso!
    PS.: Ter um comentário do Carlos é fantástico!

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  11. Paulo,

    Devo ganhar um livro sobre o Nietzche em breve. Assim me considerarei à altura de responder seu comentário - rs.

    Abs,

    Leop

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