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quinta-feira, 19 de maio de 2011

INVICTUS

Quando meus amigos escolheram o livro “Conquistando o Inimigo: Nelson Mandela e o Jogo que Uniu a África do Sul” – CARLIN, John – Ed. Sextante – Rio de Janeiro – 2009 – 272 págs. – para me dar de presente de aniversário em Outubro/2010 sabiam muito bem o que estavam fazendo. Sou um fã incondicional de três coisas: livros, esportes e filmes, não necessariamente nesta ordem. Ter uma obra que cobre justamente estes três mundos se configura, sem dúvida nenhuma, no melhor dos presentes para a minha pessoa.

Em termos de literatura a obra do jornalista John Carlin reúne todas as condições para prender o leitor. A tarefa não é simples, uma vez que ele se propôs a tratar de fatos verídicos, que em tese eram, mesmo que de maneira superficial, de conhecimento de um grande número de pessoas. Mas justamente aí que está o segredo para se contornar este aspecto: o aprofundamento do tema, a identificação de algo que está além da superficialidade.

Para isto Carlin se desdobrou em pesquisa e entrevistas. Manteve contato com todos os principais personagens envolvidos no ressurgimento de Nelson Mandela no cenário internacional – ressurgimento físico, devemos ressaltar, pois sua imagem, mesmo em 27 anos de prisão, encerrados em Fevereiro de 1990, quando este já tinha 71 anos (CARLIN, 2009 – pág. 17) jamais saiu das mentes de todos aqueles que repudiavam o apartheid (1) na África do Sul – inclusive o próprio, identificando os bastidores desse momento histórico. Mais ainda, ele descobriu que em conjunto com a grande força interior mas individual deste líder sul-africano existiu uma oportunidade histórica que se aliou a sua estratégia maior de reconfiguração de todo um povo, de um país inteiro, numa democracia multirracial.

Aí surge o esporte. Esse momento acima citado é a Copa do Mundo de Rúgbi. Explica-se: uma das principais retaliações ao regime do apartheid era a proibição à participação esportiva sul-africana em quaisquer modalidades esportivas em nível internacional. Tal fato agravava-se no caso do rúgbi (2), considerado o esporte nacional dos bôeres (3), povo de origem holandesa responsável pela implantação da segregação racial naquele país. Considerado a maior paixão da parcela branca do povo sul-africano, no mesmo nível por exemplo do futebol para os brasileiros, para vocês terem uma noção mínima desta dimensão, Mandela sabiamente ao buscar um instrumento de união nacional percebeu que a melhor ocasião seria trazer o maior torneio deste esporte para ser sediado pela África do Sul. Mais ainda: seria extremamente importante para que a mensagem construída – um time, uma nação – fosse abraçada tanto por brancos quanto por negros que o Springboks, como é conhecida a seleção de rúgbi da África do Sul, conquistasse o torneio, mesmo sendo uma azarona. Temos aí então plantada as raízes de uma odisséia de grande apelo popular: um herói e seus guerreiros lutando contra todas as improbabilidades impostas pela vida. Uma lição de luta sobre como dar a volta por cima e pregar a união entre todos, não importando a raça, religião, etc, em prol de um objetivo comum.

Ora, uma história com tais ingredientes seria obviamente um filet mignon para a indústria cinematográfica. E foi assim que surgiu o filme “Invictus” (2009), dirigido por Clint Eastwood, em que Morgan Freeman interpreta o papel de Mandela e Matt Damon o papel de François Pienaar, o capitão do Springboks. Não vi o filme ainda, portanto não posso fazer comparações, mas me valho sempre da máxima de que o livro é superior à película. Duvido até mesmo como o roteirista deu conta de colocar o personagem de Matt Damon em destaque, uma vez que Pienaar apresenta-se com maior ênfase no terço final do livro, quando já caminhamos para a realização da Copa do Mundo. Porém, acreditando no talento dos profissionais aqui elencados, creio firmemente – e estou interessado em conferir – que o filme é mais uma obra prima de Eastwood.

Devo dizer, por último, que uma das grandes lições trazidas pelo livro é a capacidade aglutinadora de Mandela de atrair até mesmo aqueles que eram considerados seus inimigos para a sua causa. Para isto ele tem como principais armas a tolerância, a perspicácia em identificar o que lhes é mais relevante, mas acima de tudo, a capacidade de perdoar, respeitando o outro, e abrindo-lhe a possibilidade de refletir, de fazer o mesmo para com ele. Dessa forma, sorrindo e conversando, conversando e sorrindo, ele vai desconstruindo estereótipos e cimentando relações que o ajudariam a alcançar o maior dos sonhos: uma África do Sul para todos.

(1)     O apartheid foi estabelecido oficialmente na África do Sul em 1948 pelo Nationalist Party (Partido dos Nacionalistas) que ascendeu ao poder e bloqueou a política integracionista que vinha sendo praticada pelo governo central. O Nationalist Party representava os interesses das elites brancas, especificamente da minoria boere. Após 1948, o sistema de segregação racial atingiu o auge. Foram abolidos definitivamente alguns direitos políticos e sociais que ainda existiam em algumas províncias sul-africanas. As diferenças raciais foram juridicamente codificadas de modo a classificar a população de acordo com o grupo social a que pertenciam. A segregação assumiu enorme extensão permeando todos os espaços e relações sociais. Os casamentos entre brancos e negros foram proibidos.

(2)     Para mais informações sobre o rúgbi ver http://www.brasilrugby.com.br/Rbrasil.htm .

(3)     Os Bôeres, também designados africâneres são descendentes de colonos alemães, holandeses e franceses que se estabeleceram na África do Sul no século XVI. Desenvolveram uma língua própria: o africâner (adaptação sobre o texto original).

Leitura adicional recomendada: MANDINO, Og – “O Maior Vendedor do Mundo” – Ed. Record – 2003 – 110 págs. Interessante observar como a estratégia proposta por Mandino para se tornar o maior vendedor do mundo – a simples aplicação da boa vontade e da simpatia por parte do vendedor, que conquista os clientes quando estes o percebem como um amigo, alguém que quer lhes ajudar, tendo como símbolo máximo o sorriso estampado no rosto – é presente em Mandela e em seus encontros empreendidos com os representantes do Governo Sul-Africano durante as negociações não somente por sua libertação como também pela realização das eleições multirraciais de 1994. Ou seja, Mandela “vende” um mundo novo, e conquista seus antigos inimigos utilizando um approach que é válido para diversas áreas de nossa vida: a perspectiva de sermos felizes ajudando uns aos outros.

Um comentário:

  1. O Mandela foi, sem dúvida, uma figura central para a mudança na África do Sul. Reconheço. Acho que não se pode desprezar, entretanto, o contexto em que esses grandes líderes surgem e conquistam seguidores para as suas causas.
    Uma das habilidades dos líderes é exatamente a de saber captar as energias que já existem na sociedade, mas que encontram-se até então dispersas, e conferir às mesmas uma ordenação legítima. Com uma pitada de carisma, a coisa deslancha de vez.
    Parece que a época dos grandes líderes políticos se foi. As relações estão muito burocratizadas para permitir o surgimento de figuras como estas. Triste? Não sei... pelo menos havia mais emoção.

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