A recente incursão da polícia do Rio de Janeiro, apoiada por tropas federais e motivada pela série de ataques a veículos na capital carioca suscitou uma grande diversidade de manifestações de todos os tipos. A maior parte dela centrava foco sobre a eficácia da ação em si e seu impacto não somente sobre a comunidade diretamente atingida, mas no sentimento da população em torno da segurança pública, seu estado atual e como alcançar sucesso por uma melhora nesse sentido.
Tal avaliação passa necessariamente, a meu ver, por quatro aspectos, de certa forma entrelaçados: a análise de causas e conseqüências, suportada por critérios objetivos e subjetivos. Como a própria formação dos analistas influencia suas conclusões, deveremos ter o devido respeito pelas opiniões, por mais distintas que sejam. Em verdade, esta deveria ser a postura em quaisquer debates, mas como este está repleto de emoções muito próximas do ser humano – o medo e o bem-estar da própria família – verificar frieza e objetividade no discurso passa a ser uma tarefa quase impossível.
Dito isto, vamos a minha opinião sobre o tema. As causas do estado de violência que atingimos são inúmeras. Objetivamente muito se fala sobre o crescimento exponencial do poderio do tráfico de drogas no Rio de Janeiro a partir da leniência de seguidos governos municipais e estaduais que preferiram o não enfrentamento como estratégia para o estabelecimento de um sentimento mal-disfarçado de tranqüilidade – do tipo “você me deixa no meu canto que eu não crio problemas para você”.
Porém somos sabedores de que não basta somente o enfrentamento direto, como estamos observando atualmente, para resolver tal questão definitivamente. A solução para esta situação passa por políticas contínuas que privilegiem a educação e a criação de oportunidades para a ascensão social daqueles que pertencem às comunidades mais carentes. Porém, sabemos igualmente que tal abordagem tem resultado somente a longo prazo. Cabe então a pergunta: o que fazer neste meio tempo?
As ações não são excludentes. Enquanto o poder público ocupa essas comunidades, e não somente com as Unidades de Polícia Pacificadora (UPP’s) mas também com serviços de apoio – creches públicas, escolas, serviços de auxílio ao emprego, etc – ao mesmo tempo se faz necessário, sim, o embate direto com os traficantes. E é nesse sentido que se vê com bons olhos a atuação realizada recentemente. Este, a meu ver, é o aspecto objetivo do problema: atacar as conseqüências, pontualmente, sem se esquecer de resolver as causas.
A subjetividade por sua vez está diretamente vinculada aos sentimentos emanados deste horrendo filme ao vivo e a cores que estamos acompanhando no noticiário. A boa notícia de uma ação coordenada entre diversas forças traz ao mesmo tempo o receio de que se chegou a conclusão, enfim, de que não há outra maneira do que institucionalizar a guerra na sua plenitude.
Vivemos, pois, um paradoxo: ao mesmo tempo em que a nossa cultura, construída com base nos mitos do heroísmo tão veiculado pelo cinema, por exemplo, num culto contínuo pelo uso da força, causa uma ansiedade por vermos cenas de vitória da polícia sobre a bandidagem, caímos em si finalmente de que a guerra está próxima de nós, e não há mais como evitá-la. Ou seja, a camuflagem de que vivíamos – ou melhor, suportávamos – um ambiente de tensa tranqüilidade em meio ao descompasso em que outros cidadãos vivenciavam no seu dia a dia, cai por terra. Encontramos com o nosso pior pesadelo, e não somos mais apenas expectadores passivos de uma película de cinema.
Como reagir a isso: sermos cidadãos na plenitude da palavra, praticando o bem em cada ato, dá trabalho, mas não se pode mais ser postergada essa nossa atitude perante a nós mesmos, aos nossos entes queridos e mesmo os não tão próximos, ao outro enfim, criando uma sinergia positiva que poderá gerar uma sociedade melhor. E se não for para nós, pouco importa, mas que o seja para os nossos filhos, netos, bisnetos, ou seja, é a nossa responsabilidade para com as gerações futuras.