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sexta-feira, 26 de novembro de 2010

CAUSA E CONSEQUÊNCIA, OBJETIVIDADE E SUBJETIVIDADE

A recente incursão da polícia do Rio de Janeiro, apoiada por tropas federais e motivada pela série de ataques a veículos na capital carioca suscitou uma grande diversidade de manifestações de todos os tipos. A maior parte dela centrava foco sobre a eficácia da ação em si e seu impacto não somente sobre a comunidade diretamente atingida, mas no sentimento da população em torno da segurança pública, seu estado atual e como alcançar sucesso por uma melhora nesse sentido.

Tal avaliação passa necessariamente, a meu ver, por quatro aspectos, de certa forma entrelaçados: a análise de causas e conseqüências, suportada por critérios objetivos e subjetivos. Como a própria formação dos analistas influencia suas conclusões, deveremos ter o devido respeito pelas opiniões, por mais distintas que sejam. Em verdade, esta deveria ser a postura em quaisquer debates, mas como este está repleto de emoções muito próximas do ser humano – o medo e o bem-estar da própria família – verificar frieza e objetividade no discurso passa a ser uma tarefa quase impossível.

Dito isto, vamos a minha opinião sobre o tema. As causas do estado de violência que atingimos são inúmeras. Objetivamente muito se fala sobre o crescimento exponencial do poderio do tráfico de drogas no Rio de Janeiro a partir da leniência de seguidos governos municipais e estaduais que preferiram o não enfrentamento como estratégia para o estabelecimento de um sentimento mal-disfarçado de tranqüilidade – do tipo “você me deixa no meu canto que eu não crio problemas para você”.

Porém somos sabedores de que não basta somente o enfrentamento direto, como estamos observando atualmente, para resolver tal questão definitivamente. A solução para esta situação passa por políticas contínuas que privilegiem a educação e a criação de oportunidades para a ascensão social daqueles que pertencem às comunidades mais carentes. Porém, sabemos igualmente que tal abordagem tem resultado somente a longo prazo. Cabe então a pergunta: o que fazer neste meio tempo?

As ações não são excludentes. Enquanto o poder público ocupa essas comunidades, e não somente com as Unidades de Polícia Pacificadora (UPP’s) mas também com serviços de apoio – creches públicas, escolas, serviços de auxílio ao emprego, etc – ao mesmo tempo se faz necessário, sim, o embate direto com os traficantes. E é nesse sentido que se vê com bons olhos a atuação realizada recentemente. Este, a meu ver, é o aspecto objetivo do problema: atacar as conseqüências, pontualmente, sem se esquecer de resolver as causas.

A subjetividade por sua vez está diretamente vinculada aos sentimentos emanados deste horrendo filme ao vivo e a cores que estamos acompanhando no noticiário. A boa notícia de uma ação coordenada entre diversas forças traz ao mesmo tempo o receio de que se chegou a conclusão, enfim, de que não há outra maneira do que institucionalizar a guerra na sua plenitude.

Vivemos, pois, um paradoxo: ao mesmo tempo em que a nossa cultura, construída com base nos mitos do heroísmo tão veiculado pelo cinema, por exemplo, num culto contínuo pelo uso da força, causa uma ansiedade por vermos cenas de vitória da polícia sobre a bandidagem, caímos em si finalmente de que a guerra está próxima de nós, e não há mais como evitá-la. Ou seja, a camuflagem de que vivíamos – ou melhor, suportávamos – um ambiente de tensa tranqüilidade em meio ao descompasso em que outros cidadãos vivenciavam no seu dia a dia, cai por terra. Encontramos com o nosso pior pesadelo, e não somos mais apenas expectadores passivos de uma película de cinema.

Como reagir a isso: sermos cidadãos na plenitude da palavra, praticando o bem em cada ato, dá trabalho, mas não se pode mais ser postergada essa nossa atitude perante a nós mesmos, aos nossos entes queridos e mesmo os não tão próximos, ao outro enfim, criando uma sinergia positiva que poderá gerar uma sociedade melhor. E se não for para nós, pouco importa, mas que o seja para os nossos filhos, netos, bisnetos, ou seja, é a nossa responsabilidade para com as gerações futuras.

12 comentários:

  1. Concordo. Acabar com a venda e o consumo de drogas é impossível e até mesmo desnecessário. As farmácias e os botequins estão cheios de drogas, compra quem quer. Para aqueles que não sabem lidar com limites, o Estado deve fornecer ajuda. É isso.

    Associar drogas com violência, fuzis, etc é um erro. Qual % da população de Londres, Paris ou Berlim consome intorpecentes ilegais? Talvez mais do que a % da pop. brasileira.

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  2. Concordo com vcs tb, mas queria apontar 2 coisas q me chamaram atenção nesses últimos dias.
    1) o discurso do "bem contra o mal": depois q ouvi essa expressão de um policial (ou fuzileiro ou paraquedista ou....) no Jornal Nacional, ouvi mais algumas vezes a mesma expressão. Eu até entendo esse discurso, especialmente vindo de alguns atores sociais como o policial e o morador da região - e não da comunidade -, mas não dá para engolir. É tão 'demodê' no sentido de que nem o bem nem o mal são tão simples e distantes assim (mas isso já foi tema de um post anterior). Achei q a gente já tinha superado essa visão, justamente pela situação em q vivemos no RJ. E isso está ligado as reações no dia da invasão da Vila Cruzeiro: as pessoas queriam sangue! de onde vem essa gana de pessoas q às vezes nunca sofreram diretamente ou nem sabem onde fica a Penha (e isso não é uma crítica, por favor).

    2) Acredito no apoio dos moradores das regiões deflagradas, mas não tenho certeza se isso é tão consenso assim. Já ouvi de muitos moradores de comunidades "para q os caras (polícia) foram lá mexer com eles?" ou "não tem mais jeito não". Talvez essa sensação de segurança não seja tão real para toda a população. Nesse exato momento (00h45 de sábado) tem um carro da polícia na minha esquina (coisa raríssima), já q moro na Zona Norte-Linha 2, i.e., área próxima aos conflitos atuais: ao mesmo tempo q me sinto mais segura, fico pensando onde foram parar aqueles policiais corruptos q faziam parte do esquema do tráfico? Será q esse ciclo pode cessar só com a força e serviços básicos p/ comunidade? A maioria dos moradores já trabalha p sobreviver; já se rebaixa a ganhar um salário mínimo para 10/12h diárias de trabalho + 4h de deslocamento!
    É essa paz q queremos então; a manutenção de um sistema mto cruel...., não é, Amaury?!

    Bom, escrevi d+, mas foi uma boa oportunidade p refletir melhor sobre esses dias: obrigada Léo!
    abs,
    Rachel.

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  3. Muito bom o seu vôo rasante nas discussões desta vez, mmesmo que não seja uma ação em campo da brigada paraquedista. Abração!

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  4. Acredito que buscar respostas absolutas, do tipo "certo ou errado" é muio difícil, para não dizer impossível, numa situação complexa como essa. Mais uma vez estamos diante daquele velho dilema - devemos buscar o melhor "possível", isto é, mesmo que este não seja o ideal; ou buscaremos sempre alcançar o máximo, correndo o risco de nunca alcançar e até mesmo se decepcionar no meio do caminho? É um pouco a discussão que já tivemos em outros momentos sobre o fato da democracia ser ou não o melhor sistema. A pergunta é: existe alternativa melhor, factível de ser implantada?

    Abs,

    Leop

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  5. Já perceberam como a gente vive teorizando? O problema é a educação; é também a má distribuição de renda; é também a falta de posicionamento de toda a sociedade; é também a venda de drogas ilícitas e é, também, outras mil sacanagens.

    E existe receita de bolo pra resolver um caso de décadas em 45 min? O que o Rio precisa é de um bom psiquiatra pra resolver essa crise de má formação da sua identidade. Com bate papo e ações imediatas que todos nós sabemos ter efeitos colaterais.

    O problema é que a gente fica só no bate papo, criando teorias e mais teorias, enquanto deixamos de lado aquilo que precisa de ação imediata. O caso do Rio é grave, e se demoramos muito pensando na solução, o quadro se agrava e precisaremos de outra solução. Seria como o psiquiatra trantando seu paciente só na conversa, sem prescrever os remédios, por medo dos efeitos colaterais. O cara não vai melhorar, vai?

    Para o Rio, estava faltando o operacional: gente pra colocar a mão na massa com estratégia e determinação.

    Pra mim, o governo finalmente resolveu desempenhar o seu papel. Se vai acabar bem ou não, não dá pra saber ainda, mas já vale muito a iniciativa de enfrentar o problema. Se der errado, levanta, monta uma nova estratégia e parte pra cima. O que não dá mais é pra esperar uma idéia melhor, um momento melhor, uma economia melhor, uma policia melhor, uma educação melhor... Enquanto a gente pensa e discute, o povo vive entre as balas perdidas.

    Parabéns ao Governo do Rio!

    Acabei teorizando. rsrsrs

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  6. Leo, andei distante, mas reapareci.
    Não é a toa que me dou tão bem com o Marcelo. Ele foi o mais claro e objetivo dos seus comentaristas. Mesmo não tendo resistido a um arroubo de prolixidade.
    Não há solução única e objetiva para problemas como o binômio miséria/narcotráfico. Mas, qualquer conjunto de soluções que venham a ser implementadas precisam, antes, de um cenário apropriado. E o cenário que existia tornava impossível qualquer iniciativa. Usando metáforas: não dá para construir uma casa sem antes fazer uma bela terraplanagem. Foi o que foi feito.
    Após o devido controle do Estado em regiões conflagradas pode-se começar a implantar medidas - quaisquer que sejam elas.
    Antes disso

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  7. Pois eu reapareci, mesmo.
    A coluna da Dora Kramer, hoje, diz praticamente tudo. Logo na primeira frase ela arrebenta com alguns argumentos bestas: "Entusiasmo é material perecível, assim como senso crítico é matéria prima indispensável ao desenvolvimento da humanidade." E por aí ela segue derrubando alguns argumentos teóricos descolados da realidade.
    Leiam a coluna, vale a pena.
    Admito que sou suspeita ao falar da Dora, sou fã dela desde meus tempos de foca e tive o privilégio de conhecê-la mais proximamente. Uma pessoa polêmica, com opiniões fortes, o tipo de pessoa que admiro.

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  8. Rachel,

    Depois de longa jornada consegui ler o texto do Luiz Eduardo Soares que nos enviaste por e-mail - "A Crise no Rio e o Pastiche Midiático" - http://luizeduardosoares.blogspot.com . Na verdade o Luiz Eduardo a meu ver faz uma crítica contundente à miscigenação da polícia com a bandidagem, identificando este fator como aquele que se não resolvido em suas raízes de pouca valia serão as ações pontuais agora realizadas. Entendo que dessa forma o título do texto dele ficou descolado do verdadeiro objetivo. A mídia refletir o que chama a atenção do público consumidor das informações é algo natural, mas atacar verdadeiramente as raízes do problema é outro papo.
    De toda forma achei interessante - e vanguarda, porque não dizer - a identificação da derrocada do modelo do tráfico na forma como hoje está constituído, sendo sobrepujado pelas milícias. Estaria aí a raiz de ser de "Tropa de Elite 2"????

    Abs,

    Leop

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  9. O link para a coluna da Dora é http://www.luciamotta.com/2010/11/antes-tarde-estadao.html#links

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  10. É Lúcia, o subtítulo da coluna da Dora poderia ser "Arrasa-Quarteirão" - rs. Mas concordo em gênero, número e grau com ela.

    Abs,

    Leop

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  11. Depois de ler a Dora - e todas as postagens acima - fica difícil acrescentar qualquer comentário.

    Abs, Leoguim.

    Susana

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