A literatura possui diversos campos, extratos diferenciados para identificar o público alvo e segmentar, de uma certa forma, os autores. Christopher Reich se encaixa dentre aqueles que exploram, pelo menos através da série iniciada pelo livro “A Farsa” – Ed. Sextante – RJ – 2008 – 335 págs. – o campo da espionagem.
Esta era uma das áreas mais lucrativas durante a Guerra Fria, por possuir uma fórmula fácil a de ser seguida – adrenalina acompanhada da identificação imediata dos antagonistas e protagonistas. Os autores mais bem sucedidos nesta seara eram aqueles que davam uma pitada mais, ou criavam algum tipo de diferencial sobre esta fórmula. Poderíamos citar entre eles, por exemplo, Sidney Sheldon e Federick Forsyth.
Desta forma os leitores se vêem presos a uma série de perseguições e enlaces e desenlaces para evitar uma grande tragédia, um plano maquiavélico que normalmente é destrinchado até a metade do livro, pois o protagonista tem que ter o devido tempo para alcançar a solução imaginada. Porém, como alcançar sucesso, não somente literário como financeiro também, com o término da Guerra Fria? É esse dilema que o livro de Reich resolve de maneira interessante, porém que já se torna recorrente, como veremos.
A primeira solução é buscar heróis que sejam mais próximos de nossa realidade. Reich identifica como herói, em “A Farsa”, o Dr. Jonathan Ramson, médico dedicado às causas humanitárias através do seu trabalho junto à organização Médicos Sem Fronteiras. A conexão com o leitor se faz de forma imediata – temos um herói eivado de boas intenções e que ao mesmo tempo tem a possibilidade e o conhecimento suficiente para transitar sobre distintas situações, qualidade inequívoca para o antigo estereótipo de espião. Tal estratégia também foi utilizada, por exemplo, por Dan Brown ao criar o famoso personagem, interpretado nos cinemas por Tom Hanks, Robert Langdon, um professor de simbiologia de Harvard, na famosa série iniciada com “Anjos e Demônios” e que teve seu ponto alto com “O Código Da Vinci”.
Outro aspecto interessante buscado pelos autores mais recentes é a dinâmica acelerada da narrativa, com um tempo adequado para as chamadas adaptações cinematográficas. Um mestre em tal característica é Tom Clancy. Para tanto basta ler “A Caçada ao Outubro Vermelho”, com os seus cortes temporais e o seu vai e vem entre as diferentes locações (cenários) para entender o que eu estou dizendo. Não é a toa que o seu espião da CIA, Jack Ryan, esteve presente em diversos romances transferidos para a telona. “A Farsa” possui o mesmo potencial, já tendo seus direitos adquiridos pela Paramount Pictures.
Por último, outro detalhe facilitador para os autores é trazer a história para ter como pano de fundo um cenário por ele conhecido intimamente. Isto é mais facilmente percebido nos livros dedicados a dilemas que se passam nos tribunais, sendo Scott Turow, advogado em Chicago, um dos seus expoentes. Reich igualmente se aproveita desta característica, uma vez que ambienta “A Farsa” na Suíça, com o seu jogo intrincado entre os banqueiros internacionais e sua manipulação do dever de ofício do sigilo em benefício de retribuições políticas e ganho de capital fácil. Reich, antes de se tornar escritor, foi justamente banqueiro, e na Suíça.
Para mim particularmente Reich se mostra inteligente ao costurar uma trama que não se distancia dos standards da literatura de espionagem – envolvendo as agências – CIA já citada, MI6 da Inglaterra, Mossad de Israel – como agrega cenários em que os turistas que circulam (ou que ambicionam circular um dia) pelo mundo conhecem muito bem. Além disso, ter um herói que encontra-se, além de tudo, sentimentalmente envolvido com a trama cria um laço com o leitor típico dos truques dos romances mais açucarados – é o cavaleiro que deve sair de uma situação de abalo profundo – no caso, a morte da esposa, que terá um papel importante no enigma apresentado – para salvar o mundo.
Enfim, encontrar novos vilões e tramas verossímeis num mundo sem Guerra Fria não é tarefa fácil. Mas os escritores de suspense têm se mostrado bem hábeis nesse desafio, e vocês não ficarão desapontados ao ler “A Farsa”.
Leituras recomendadas:
CLANCY, Tom – A Caçada ao Outubro Vermelho – Ed. Record – Rio de Janeiro – 1984 – 451 págs;
TURROW, Scott – Erros Irreversíveis – Ed. Record – Rio de Janeiro – 2003 – 459 págs;
BROWN, Dan – O Código Da Vinci – Ed. Sextante – Rio de Janerio – 2004 – 475 págs.
Discordo parcialmente de sua conclusão. O mundo pós-Guerra Fria me parece tão rico ou maniqueista quanto aquele de outrora. Ou até mais.
ResponderExcluirO cenário global atualmente vivido apresenta grandes complexidades, mas o próprio discurso multipolar não significa uma pulverização dos centros de comando. Dentro dessa perspectiva, o próprio "multiculturalismo" poderia ser entendido, por sua vez, enquanto uma falsa política de tolerância, volta e meia utilizada para justificar a necessidade de fazer evidenciar ainda mais o unitário frente ao todo.
O espião é uma figura sobretudo esquisofrênica em um cenário de grandes instabilidades trazidas pela globalização do século XX -perpassando, pois, todo o período das 1ª e 2ª Guerras Mundiais, a Guerra Fria e seu período posterior. Por um lado, retrai sua indivualidade frente ao ambiente externo, descaracterizando-se e despersonalizando. Por outro, o faz justamente com vistas a reafirmar e expandir seu ego.
Fernando,
ResponderExcluirFique atento à equação "vilões e tramas verossímeis", exposta no último parágrafo do post. E leia o livro. Aí vc entenderá que não estamos distantes assim de uma conclusão parecida.
Abs,
Leop
Ah Leo, com esse vc pegou pesado. Fiquei tonta só de ler, não dá para fazer comentários nesse post. Foi além da minha capadidade intelectual. Ufa!!!
ResponderExcluirLúcia,
ResponderExcluirEspere e verás.
Abs,
Leop