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sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

A TRILATERAL

Quando começamos a lidar com o dia a dia de uma área internacional em termos profissionais nos vemos inseridos perante um antigo dilema: trabalhar pelo ideal de um mundo melhor ou tentar harmonizar seus anseios perante um cenário conturbado em que muitas vezes não temos idéia das verdadeiras intenções dos atores principais?

É claro que esta não é uma questão com respostas excludentes entre si. É possível se mudar o sistema atuando dentro dele. Algumas vezes é uma batalha até mesmo mais simples, uma vez que as ferramentas se encontrarão sob seu controle, o que é bem diferente de olhar de fora e imaginar o que fazer sem ter como. Porém, algo é extremamente importante em todo esse processo: a consciência do entorno em que se está inserido. E ser consciente é saber fazer escolhas mediante as opções que se apresentam.

Expressa essa filosofia – o que faz com que os especialistas na área das relações internacionais possam seguir em frente sem perder de todo aquela chama da qual se alimentam: ver a sociedade global progredir para um mundo mais equilibrado – passaremos então a verificar uma importante questão, central nos dias de hoje, mas que veio a ganhar contornos concretos a partir da década de 70: como o Brasil se coloca diante da estrutura de poder que se alojou num mundo globalizado?

Essa é a expectativa que está presente em uma obra que em certa vista, levando-se em conta o contexto em que foi lançada – o ano é de 1979 – como panfletária. Estamos falando do livro “A Trilateral: Nova Fase do Capitalismo Mundial” – ASSMAN, Hugo e tal – Petrópolis, RJ – Ed. Vozes – 216 págs. Este livro é a coletânea de uma série de artigos que tem como mote principal analisar a política externa norte-americana do então recente Governo Jimmy Carter e como por trás do discurso de defesa dos direitos humanos se buscava, na verdade, a manutenção do status quo econômico, com a prevalência dos interesses das empresas dos Estados Unidos, unidas às corporações européias e japonesas – por isso o nome Trilateral.

Naquela ocasião tal fato ganhava ares de uma grande e megalomaníaca conspiração mundial, digna dos filmes de espionagem. Grandes cérebros infiltrados nas principais posições de governo maquinavam estratégias no sentido de manipular a opinião pública nos quatro cantos do mundo de modo a buscar o lucro máximo para as multinacionais dos países desenvolvidos. O cenário hoje em dia mudou de tal forma e esse discurso parece incorporado como uma realidade pura e simples do mundo em que vivemos. A pergunta é: teriam dessa forma sido seus arquitetos os grandes vencedores? Teriam eles conseguido o seu intento de efetuar uma “lavagem cerebral” em todos a ponto de que nos acomodemos com a situação que vivemos?

A meu ver não. Isto é uma falácia, um exagero que serve a discursos extremistas. A luta do Governo é constante por fazer prevalecer os interesses nacionais em nossas negociações. Mais ainda: o mundo globalizado de hoje em dia permite ter acesso a um volume tal de informações que dificilmente podemos alegar desconhecimento dos reais interesses presentes do outro lado da mesa.

Mas nada disso seria possível se não houvesse os primeiros alertas em obras como a citada acima. Elas serviram para que os especialistas daquele tempo mantivessem sua guarda alta, buscando oportunidades sem se deixar enganar por discursos politicamente corretos. Dos artigos presente no livro chamo atenção para três, essenciais para a compreensão de sua mensagem:

“O Caso Carter: um Fenômeno Planejado” – Alberto Micheo;
“Da Segurança Nacional ao Trilateralismo” – Arturo Sist e Gregorio Iriarte;
“Os EUA Contra os Direitos Humanos no Terceiro Mundo” – Noam Chomsky e Edward S. Herman

Em que pese o tom raivoso típico das obras de Chomsky, um anticapitalista ferrenho, desta feita ladeado pelo também norte-americano, o economista Edward S. Herman, entendo que o seu artigo serve como fechamento do livro por dar o tom imaginado naquela ocasião pelo editor Hugo Assman, economista brasileiro, militante da Teologia da Libertação (1). Assim, o leitor entende o objetivo da obra e seu viés, não a lerá enganado.

Porém, em termos informativos e históricos e pela penetração ambicionada, ganham relevo, a meu ver os outros dois artigos por mim citados, tendo como autores o cientista político venezuelano Alberto Micheo, assim como os demais latino-americanos Arturo Sist e Gregorio Iriarte. Estes apresentam o panorama de maneira objetiva, trazendo informações sem um apelo demasiado forte ao discurso inflamado. Acredito que, no mundo de hoje, tal abordagem seja mais produtiva, pois ao mesmo tempo em que trás subsídios para uma atuação esclarecida dos representantes dos países em desenvolvimento, alcança um público mais amplo, que já não tolera discursos por demais radicalizados.

A Trilateral hoje em dia é uma realidade. A articulação entre os vértices EUA, Europa e Japão, apresentados no livro em seu começo (falamos de uma obra do final da década de 70) e apenas como perspectiva futura para o cenário internacional, hoje está consolidada (2). Resta a nós saber navegar nesse mundo, de maneira a torná-lo melhor. Para tanto, as cartas estão expostas, então. Saberemos jogar esse jogo, esta é a questão? Que teremos que jogá-lo, se pensamos em ser grandes, para mim não resta dúvida nenhuma.

(1)      “(...) corrente, que poderíamos denominar como "cristianismo da libertação" no começo dos anos 60, quando a Juventude Universitária Católica brasileira (JUC), alimentada pela cultura católica francesa progressista (Emmanuel Mounier e a revista Esprit, o padre Lebret e o movimento "Economia y Humanismo", o Karl Marx do jesuíta J.Y. Calvez), formula por primeira vez, em nome do cristianismo, uma proposta radical de transformação social. Esse movimento se estende depois a outros países do continente e encontra, a partir dos anos 70, uma expressão cultural, política e espiritual na ‘Teologia da Libertação’”. http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=40899 – acessado em 15/Nov/2010.

(2)      O nível de interlocução hoje em dia alcançou tal força que é feito de maneira explícita nos foros internacionais. Como exemplo, podemos citar no campo da Propriedade Intelectual o site oficial que os três escritórios de patentes – norte-americano, europeu e japonês – mantém, traçando objetivos comuns - http://www.trilateral.net/ .

Sites acessados (15/11/10):


4 comentários:

  1. Nossa Leopoldo, vou te referendar pra minha dissertação. Você pegou justamente a obra que utilizo como base para as minhas discussões..hahahahahah

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  2. Não vou ler seu texto ainda. Vou terminar de fazer o meu para depois ler o seu texto e comentar em cima. Abs!

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  3. Não sou da área, portanto... paciência com o que eu digo.
    Já faz algum tempo que o mundo perdeu tereno. As diferenças entre culturas nacionais é tão relevante quanto as diferenças entre nordestinos e cariocas.
    Os objetivos nacionais, porém, ainda prevalecem. Mas a idéia de cooperação e de necessidade de apoio (tão frequente na vida de cada um de nós) está presente também na vida das nações.
    Sempre haverá uma trilateral, ou bilateral ou até mesmo uma quadrilha de interesses. Logicamente que uma trilateral formada por EUA, Japão e Europa não pode ser ignorada, mas seguramente existem outras trilaterais mais modestas por aí.
    O mundo hoje é um quintal, mas é um quintalzão.

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  4. Lúcia,

    Até mesmo por conta de seu distanciamento para com o tema é que seu comentário ganha em importância. Muito obrigado por seu olhar, que sempre nos enriquece. Sou filho único, e como conversamos outro dia, posso considerá-la minha irmã mais velha, aquela a quem recorrermos para ouvir umas verdades de vez em quando... - rs

    Abs,

    Leop

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