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quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

CHUVAS E TROVOADAS

Numa rápida avaliação sobre os desastres “naturais” ocorridos recentemente, mas que não são novidade nenhuma, pois se repetem ano a ano, é a falta de planejamento efetivo para evitá-los. Dentre as diversas notícias veiculadas nas últimas duas semanas houve a declaração de um dos representantes da defesa civil da região de que eles foram pegos de surpresa, pois o maior desastre ocorreu numa área considerada de menor risco.

Um dos especialistas que a Rede Globo convocou para analisar a situação colocou que na verdade faltam equipamentos mais modernos para se fazer um mapeamento atualizado da região, facilitando a previsão e restringindo a margem de erro. Mais uma vez o óbvio salta aos olhos quando observamos também que existe uma demanda por um trabalho em longo prazo de planejamento urbano com preservação de áreas florestais. Porém este sofre com o revés de termos políticos que se beneficiam da falta de moradia para a população carente para poderem, após o desastre, angariar votos com ações beneficentes para os mais afetados.

Pode até ser que algo diferente venha a ocorrer a partir desta última tragédia que no momento em que escrevo estas linhas, somente no Estado do Rio de Janeiro – levando-se em conta que praticamente toda a região Sudeste foi afetada – teve mais de 700 mortos, porque uma classe mais favorecida também foi atingida, com condomínios luxuosos na região serrana soterrados. Assim, uma elite com influência poderia fazer valer alguns de seus contatos para uma ação efetiva naquela região. Mas seria o suficiente?

Vamos partir agora para uma análise um pouco diferenciada, a partir das palavras da Adriana Calcanhoto:

Cariocas são bonitos
Cariocas são bacanas
Cariocas são sacanas
Cariocas são dourados
Cariocas são modernos
Cariocas são espertos
Cariocas são diretos
Cariocas não gostam de dias nublados

Quem sou eu para descobrir as verdadeiras intenções da poetisa ao escrever essas breves linhas na composição da música “Cariocas”. Imagino que a principal seria uma ode às distintas características do povo do Rio de Janeiro. Porém, vou abordá-la com uma leitura um pouco particular. Algumas das qualidades aqui eleitas, a meu ver, são sintomáticas. Esta primeira estrofe nos remete a um cenário de sol e praia, principais atributos de uma alegria incontida típica do carioca. Porém duas delas me trazem certa preocupação – os sacanas e os espertos.

Como classificaríamos aqueles que fazem o trabalho mal feito, que fecham os olhos para a ocupação desordenada de nossas encostas? Ah, diriam eles, não há como impedir isto, para onde aqueles que não têm onde morar irão? Esta pseudo-justificativa exemplifica um descaso em se adotar medidas de pouco apelo popular, porém necessárias. Até mesmo abre-se o flanco para que inúmeras construções de grande vulto, mansões mesmo, tenham suas autorizações concedidas em lugares que deveriam ser de preservação florestal. Ou seja, uma sacanagem com o povo. Digo mais, não basta não gostar dos dias nublados. Há que se fazer algo quando os dias ensolarados nos cercam, ao invés de se ficar apenas bronzeando ao sol, quer seja na praia ou nas piscinas dos supracitados condomínios. E ser mais direto do que amãe natureza que nos ensina ano após ano com as conseqüências da esperteza de alguns, impossível.

Cariocas nascem bambas
Cariocas nascem craques
Cariocas tem sotaque
Cariocas são alegres
Cariocas são atentos
Cariocas são tão sexys
Cariocas são tão claros
Cariocas não gostam de sinal fechado

Já na segunda estrofe temos um recado direto para a convivência em sociedade. Sermos alegres, bambas e craques, não nos impedem de estarmos atentos às nossas mazelas. Precisamos sim ser claros quanto às medidas a serem adotadas e, mais do que nunca, em que pese o clima de violência e o tom alegórico, precisamos respeitar os sinais fechados, símbolo máximo da visão de que podemos “nos dar bem” ao burlar a lei quando agimos de modo contrário nas pequenas coisas para obtermos vantagens efêmeras.

O Rio tem um futuro brilhante à frente, como o sol que o ilumina a maior parte do ano. Mas virão os dias de chuvas e trovoadas, e se não começarmos desde já, cada um de nós, a agir e a nos preparar, cobrando as ações necessárias e fiscalizando seu cumprimento, estes dias chuvosos serão sempre mais marcantes em nossa memória, infelizmente, do que os dias ensolarados.

Um comentário:

  1. Excepcional o caminho encontrado por você para reunir o "pop" e a crítica social. Em particular, achei fenomenal o seu sexto parágrafo.

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