Pesquisar este blog

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

AGASSI

“Eu detesto tênis”. Este mantra perpassa toda a autobiografia de Andre Agassi, um dos maiores tenistas de todos os tempos, publicado pela Editora Globo no Brasil este ano. Ao longo deste livro de 503 páginas encontraremos retratados diversos momentos gloriosos e outros nem tanto assim deste norte-americano, que inicialmente foi entendido como um rebelde em seu meio.

Porém, o principal mérito desta obra é retratar o ser humano por trás do grande tenista. Como pode alguém que detesta o que faz de melhor, sobreviver por mais de 20 anos atuando em alto nível? A pressão da sociedade tem algum peso nessa escolha? O que entendemos por sociedade? Devemos todos nos submeter ao jugo de sermos eficientes e produtivos sempre, sem nos dar o devido espaço para aproveitar a vida no que ela de melhor poderia ter a oferecer? O sucesso profissional está acima de tudo?

Em muitos momentos durante sua caminhada, enquanto ia montando sua equipe, com uma sinceridade atroz, ele informava a cada um dos novos componentes que detestava tênis. Após um espanto inicial, em que todos eles tentavam dissuadi-lo desta idéia fixa, percebiam que aquele era apenas o ponto inicial de um relacionamento que deveria ser trabalhado passo a passo, jogada a jogada, treinamento a treinamento, olho no olho, gerando um laço de confiança que lhes daria suporte para seguir em frente.

Desde pelo menos os 7 anos de idade Agassi foi submetido a um intenso regime de treinamento imposto pelo seu pai, um ex-boxeador iraniano que adorava o esporte. A pouca habilidade com as palavras e a rigidez em sua postura assustavam aquele menino que nem mesmo por isso, com o passar do tempo, deixou de entender que aquele era o modo de expressar amor que o pai havia encontrado. De toda forma, a pressão contínua pela excelência, desde a mais tenra idade, já havia feito o estrago necessário para o resto de uma vida.

Para completar uma equação construída de maneira equivocada, o sucesso alcançado muito cedo – entre 15 e 16 anos já estava atuando entre os profissionais com a devida eficiência – forçava-o a encarar de maneira muito severa as expectativas geradas em torno de si próprio. Cada jogada tinha que ser perfeita, e não menos que perfeita. Afinal ele havia sido moldado para ser o melhor jogador do mundo!

Uma pressão deste nível imposta em cada gesto – uma vez que a vida fora do tênis era entendida apenas como lapsos entre um jogo e outro – gerava um descontrole emocional que se espalhava por todos os demais aspectos de sua vida. A calvície, um defeito insolúvel num quadro que não deveria merecer retoques, somente após uma inglória luta para escondê-la, inclusive com a utilização de perucas, foi revertido em um aspecto positivo em sua vida.

A evolução das relações amorosas também é abordada, num livro que não deixa traços de dúvida de que foi uma tentativa – a meu ver bem sucedida – de expurgar todos, repito, todos os fantasmas que este ser humano enfrentou em sua vida. Desde as paixões juvenis, chegando à amizade com Barbra Streisand, passando pelo casamento com Brookie Shields e alcançando o atual, com Steffi Graf – ex-tenista alemã, de tão grande sucesso quanto ele próprio – que gerou o casal de filhos Jaden e Jaz, Agassi consegue refletir, com maestria, seus altos e baixos emocionais.

Enfim, devo dizer que este é um dos pontos altos das minhas leituras mais recentes, e a qual recomendo a todos. Lembro-me que quando adquiri o livro, no Santos Dumont indo para mais uma reunião de trabalho em Brasília, meu colega de viagem, o economista Gustavo Travassos Pereira, pediu para dar uma olhada e não largou mais o livro. Esta é uma história que realmente captura as pessoas. Agassi alcançou seu equilíbrio após muita luta. Porém o seu maior adversário não foram os tenistas que encontrou pelas quadras mundo afora, mas sim ele próprio. O sucesso desta trajetória, refletido na criação de uma escola que leva o seu nome e que abre oportunidades para a comunidade carente em Las Vegas, sua terra natal e onde reside até hoje, nos dá a vontade de encontrar com ele e simplesmente dizer: “Mr. Agassi, thanks to be just... a human being, like all of us!”.

Leitura recomendada: “Agassi: autobiografia” – Ed. Globo – São Paulo – 2010 – 503 págs.

3 comentários:

  1. Sempre achei o esporte, como ele é praticado hoje, uma grande violência, principalmente contra a infância. A criança é atirada na lógica do resultado, por meio de uma competição com valores que muitas vezes só fazem sentido para os adultos.

    Outro ponto legal é que a atitude do Agassi revela como uma pessoa não deve ser aprisionada numa profissão ou qualquer outra coisa apenas "por ser boa naquilo". Ela é boa, mas gosta? Tipo, se uma pessoa é boa de sexo, logo ela deve se prostituir? Nada a ver né...

    Deve ser mesmo legal a leitura da biografia. O cara superou uma série de coisas e agora pode, finalmente, se dar ao "luxo" (olha como a gente enxerga isso como distante...) de fazer o que realmente gosta.

    Parabéns pra ele... quem sabe um dia não chegamos lá.

    ResponderExcluir
  2. Vou apenas acrescentar um detalhe para reforçar a análise feita pelo Amaury, logo acima. O Agassi falava: "Eu detesto tênis", o que é bem diferente de dizer "Eu detesto jogar tênis". O que na verdade ele odiava era justamente o modo como o jogo profissional impõe uma pressão exagerada sobre os seus praticantes. Eles deixaram de curtir a prática do esporte em favor da obtenção de resultados. O irônico disso tudo é que, como o próprio Amaury disse, hoje ele pode se dar ao luxo de fazer o que quer por conta do saldo financeiro adquirido nos anos como profissional do tênis. Mas será que ele não teria sido mais feliz durante a maior parte da sua vida se tivesse seguido outro caminho...? Essa pergunta, infelizmente, não tem como ser respondida.

    ResponderExcluir
  3. Agassi é o cara! Sou fã de esportes e tive a oportunidade de ler o livro. A linguagem usada é simples e direta. Fascinante as descrições sobre as batalhas psicológicas travadas em cada ponto, cada bola trocada. Comovente também a relação com os membros de sua equipe. Várias lições, não só do mundo esportivo.
    Gustavo

    ResponderExcluir