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sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

ENEM

Apesar de ser um assunto um pouco outdated pretendo discutir com vocês neste post o que se busca com o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e o seu impacto sobre as escolas e os alunos. Pude perceber isso mais detidamente neste momento em que tive que escolher para a minha filha o novo colégio em que ela iria estudar, saindo da fase Creche-Escola após ter sido alfabetizada.

O ENEM se inspirou em sistemas existentes em outros países – Estados Unidos e França, por exemplo – em que uma série de provas é aplicada durante a vida escolar do aluno para verificar seu desenvolvimento, assim como dando-lhe pontos que servirão no futuro para o seu ingresso no nível universitário. A intenção, de uma certa maneira, era diminuir o nível de tensão existente no modelo de exame único, o chamado vestibular.

Porém, este objetivo seria secundário. O principal seria ter uma ferramenta facilitadora para a inserção das classes menos favorecidas no ensino universitário de alto nível. A lógica é que com exames realizados paulatinamente existiria uma concentração nas matérias exigidas distinta do vestibular, teste no qual os alunos sentiam que de uma vez só apostavam pelo menos os 11 anos de estudos pregressos de sua vida.

Aparentemente nenhum dos dois objetivos foi alcançado a contento. A diminuição da tensão não existiu, tendo-se apenas deslocado no espaço tempo. Agora temos tensão em distintos níveis escolares, quase como uma preparação para o vestibular em si. Vimos as mesmas cenas de sempre – alunos chorando porque o portão fechou, reclamando que a prova foi assim ou assado, etc.

E esta tensão foi transferida não somente ao ensino médio, como também ao fundamental. O ENEM se transformou num dos principais indicadores utilizados pelos pais para a definição da escola em que seus filhos estudarão. A lista de melhores colégios é esperada com ansiedade não somente pelos donos dos próprios, mas também pelos pais de maneira geral. Se perde, nesse caso, o melhor caminho para esta tomada de decisão: se a metodologia que a escola aplica, independentemente do resultado no ENEM, é a mais adequada para o perfil do seu filho. Será que uma criança de 06, 07 anos, deve ser submetida deste a sua infância à pressão por um resultado acadêmico elevadíssimo? Será que não se estaria perdendo a busca pela formação do cidadão em favor do estudante profissional?

Já em relação à facilitação ao ingresso das classes menos favorecidas nas melhores universidades a adoção de políticas alternativas pelo Ministério da Educação demonstra que o ENEM, como instrumento isolado, não alcançaria tal êxito. A própria política de cotas – que por si só daria um outro post – e o ProUni são exemplos de outras ferramentas em que se busca propiciar novas oportunidades para os estudantes de ensino médio.

Em relação à prova em si, tem sido pregado que o modelo que está sendo desenvolvido é o de gerar questionamentos que façam com que o aluno exerça sua capacidade de raciocínio, evitando a decoreba. Isso serviria para validar a fuga do fantasma do vestibular, que por muitos anos teve sua imagem impregnada pelas questões de múltipla escolha. Esta alternativa me parece adequada para um exame neste nível, mas para o vestibular em si, será que é a melhor opção?

E aí chegamos à questão final: existe um modelo melhor? Sou de uma geração que vivenciou a primeira vez em que o vestibular foi descentralizado. Passamos naquela ocasião então pela primeira oportunidade de se ter múltiplas opções. Poderia-se escolher a universidade A ou a B, ou prestar vestibular para ambas. As universidades assumiam, assim, na sua plenitude, a responsabilidade pelo perfil que desejavam para o seu corpo discente. A tensão, já acima discutida, era distribuída pela primeira vez em múltiplas provas, mesmo que todas no mesmo período de vida escolar do aluno, ou seja, ao final do ensino médio.

A caminhada em direção ao ENEM demonstra que aquele modelo foi analisado como insatisfatório. Uma das justificativas para o seu surgimento derivou do fato de que a descentralização do vestibular foi um dos fatores que incentivou a multiplicação do surgimento de instituições de ensino privadas muitas vezes sem o adequado nível para preparar o profissional para o mercado de trabalho, pelo menos em nível teórico. Havia então a necessidade de se criar alternativas à entrada nos melhores cursos.

Como disse anteriormente, este objetivo não me parece ter sido alcançado a contento. Mas também me parece que dificilmente teremos um modelo ideal. Na Argentina, por exemplo, não existe prova para a universidade. Os alunos se matriculam como se estivessem entrando num colégio e ponto. O Brasil, país de dimensões continentais, poderia abraçar algo assim? É pouco provável. Enfim, diversos métodos serão criados, defeitos e qualidades serão identificados, porém o principal para os pais é saber conduzir a educação dos seus filhos com a consciência de que estão criando bons cidadãos. Isso poderá lhes dar a devida certeza de que os seus rebentos saberão tomar decisões para o seu próprio bem, quando tiverem que alçar vôo solo.

Site acessado: www.mec.gov.br

14 comentários:

  1. Leo, um ponto importante neste debate é a necessidade da sociedade em considerar um adulto sem ensino superior como um ser inferior. Isso faz com que os pais obriguem seus filhos adolescentes a automaticamente partir para o ensino superior sem considerar alternativas.
    Acho que um dos fatores que contribui para essa tensão toda que ocorre é o fato de um adolescente ser obrigado a definir sua carreira, e por conseguinte sua vida, em um momento onde ele está ainda se conhecendo, formando valores, se transformando! Esse modelo de ensino (e talvez de sociedade) valoriza o título, a certificação (no meu caso que sou de TI), patentes, posições, etc. Onde está a valorização da experiência profissional, do contato com outras culturas, da possibilidade de errar, da busca da evolução (não perfeição)?
    Com certeza esses questionamentos influenciaram muito a escolha da escola do Pedro e do João.
    Parabéns à Marina!

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  2. Concordei totalmente com o Daniel. Apesar de tudo, acho que o Brasil vem melhorando bastante nesse ponto. Qual a diferença entre o salário médio de um técnico e o de um bacharel? 3x ou 4x? Se isso for implementado em grande escala, é quase socialismo. Há um grande contingente de adolescentes com diplomas de ensino médio sem formação técnica que acaba sem ter para onde correr, senão o comércio (c/ baixos salários). Ainda há muitos futuros sendo disperdiçado no Brasil, tanto do ponto de vista individual como no de nação.

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  3. Daniel e Amaury,
    Inicialmente obrigado pelos comentários. Também estou de acordo com ambos, e é impressionante como na área de TI, em que milita o nobre músico da Região Oceânica, eu conheça inúmeros exemplos de vitória profissional independentemente de títulos e que tais, como também conheço outros que seguiram o caminho "cartesiano" e foram igualmente vitoriosos. Ou seja, se tivermos as mentes abertas, veremos que há espaço para todos, desde que sejam competentes e éticos para exercer sua função.
    Abs,
    Leop

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  4. Grande Leopoldo, belo tema para discussão. Independendente do mecanismo de avaliação, acredito que a estratégia deve ser a busca de um modelo educacional híbrido e equilibrado. Por um lado, é inegável a inadequação de um modelo "competitivo" puro, mecanicista e quase que exclusivamente orientado para as demandas do mercado profissional. Por outro, também é difícil conceber, pragmaticamente, um modelo educacional "humanista" puro que dê conta de todas facetas e desafios da inserção social plena do mundo contemporâneo, que inclui, necessariamente, o "sucesso" profissional - seja lá o que isso queira dizer para cada um.
    Tenho "pena" dos pais (eu e você estamos nessa), mas também entendo a complexidade do papel dos formuladores de políticas públicas educacionais que são pressionados de todos lados, por todas as visões e interesses - e, assim mesmo, têm que fazer escolhas e tomar decisões de abrangência geral.

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  5. Também concordo que um bom técnico deveria ser valorizado como um especialista com nível superior. Mas farei comentário em outra direção.
    Minha filha tem 20 anos e conviveu (e ainda convive) com a dificuldade de saber o que exatamente quer fazer de sua vida.
    Acredito que o acesso às universidades não deveria ser pautado pelo curso. Fazer uma opção, aos 17 anos, sobre o que será para toda a vida é praticamente impossível, um privilégio para poucos. Acho que provas como o Enen deveriam ser utilizadas para selecionar o acesso à universidade, a escolha do curso deveria ser posterior, quando o aluno já tivesse uma convivência maior com o ensino superior e alguma maturidade a mais que o permitisse escolher a carreira com mais confiança.
    Aliás, ODEIO ESSAS LETRINHAS, TIRA ISSO PELO AMOR DE DEUS!!!

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  6. Leo, parabéns para e pela sua Marina (atrasado, mas nem tanto)!
    Quanto ao tema, interessantímo. Na Holanda, a criança poderá estudar em escolas que a levarão à universidade - se aguentar o tranco dos estudos pesados desde cedo - ou poderá estudar naquelas que impedirão a decisão futura do ingresso à universidade - pelo menos na Holanda. Nos EUA, o sujeito precisa ter grana ou ser desportista de destaque. Esses sistemas funcionam bem, porque o sujeito não precisa ter um canudo acadêmico para ser um excelente profissional em várias áreas.

    Lúcia, seu blog também tem as famigeradas letrinhas. Mas, são necessárias para não entrar spam.

    Abraços em todos.

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  7. Pedro, Lúcia e Susana,
    Obrigado pelos comentários. Aliás, contar com a participação do Pedro - rara - demonstra que o tema é realmente interessante. Quanto às letrinhas, agradeço à Susana a explicação. Não tinha entendido a quais letrinhas a Lúcia se referia. Ah, e deixa ver se eu entendi direito - a Lúcia tá pregando uma universidade que tenha um "basicão" comum para somente depois os alunos se decidirem por qual curso, não é? Pois tenho uma pergunta, caso seja mesmo essa a sugestão da Sra. Da Motta: qual é a diferença entre decidir com 18, 20 ou 22 anos?
    Abs, Leop

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  8. Ahhhhhh meu caro Leo, faz muita diferença. Eu, pessoalmente, não tive esse problema mas o vi muito claramente na minha filha. Quando se tem 18, 2 anos são quase uma eternidade. Tempo suficiente para enxergar muita coisa de maneira diferente. Sorte de quem sempre soube o que queria ser na vida. Eu não sabia quando entrei na faculdade e, para falar a verdade, só descobri aos quase 40.

    Tudo bem com as letrinhas. Se elas são inevitáveis, vamos a elas.

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  9. Leopoldo, passei situação semelhante com meu filho no início do ano passado, quando participou de um processo seletivo, aos 3 anos, para entrar num desses colégios mais bem cotados e também dos tradicionais. Foi um mero sorteio, mas mesmo assim sentia-se a tensão dos pais, transmitida para os seus pequenos. Eram 6 vagas e ele ficou em 11o, mas acabou sendo chamado depois. Acho que o ENEM pode enevoar a criteriosidade dos pais, pois muitos se preocupam somente com a "educação formal" (a preparaçao para o vestibular) ou a qualidade de ensino em sala, e descuidam-se de olhar para outros aspectos tão importantes quanto, como a filosofia do colégio. Qual o tipo de cidadão que este colégio forma? Esta para mim é a pergunta mais importante que um pai deve se fazer. O colégio é um complemento da educação que há em casa e de nada adianta preparar bem para o vestibular, se o aluno não aprender noções de humanidade, cidadania e solidariedade. Estudei no Colégio São Vicente de Paulo, no Cosme Velho (RJ) e lá aprendi que educação é muito mais do que o que se ensina na sala de aula. Tive aulas de filosofia, educação sexual (aos 14, 15 anos de idade) e estudos das religiões (hindu, budista, africanas etc, apesar de ser um colégio de padres) e outras disciplinas "não tradicionais" que foram importantes na minha formação.

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  10. Carlos Maurício,
    Concordo plenamente contigo. No fim das contas, o que eu e minha esposa adotamos como critério maior para a escolha da escola de nossa filha também foi pelo caminho por ti citado. O ENEM ficou em segundo plano. Pode ser que mais a frente, próximo ao Vestibular, a estratégia se altere - como bem colocou a Dé Ritter no Facebook - mas isso não é o mais importante neste momento da vida de nossos rebentos.
    Abs,
    Leop

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  11. Leopoldo,
    Curiosamente, acabo de ler no Ancelmo Góis uma nota com uma declaração do diretor do meu antigo colégio (diretor também da minha época) que, no caso, ilustra como de nada adianta que o colégio se esforce, se não houver a colaboração da família. Como estudei lá, sei que o personagem que protagoniza a notícia, de triste memória, não é mesmo resultado de nada do que aprendeu no São Vicente, isto posso garantir..rs. Nem sempre se acerta né?

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  12. Já q o tema é outdated, me permito ser tb no comentário... na verdade, 2 ptos: sobre o rumo da educação brasileira, acho q ainda valorizamos mto o trabalho "intelectual x braçal"; acho q é fruto mesmo da nossa história.
    Mas, queria mesmo comentar sobre o Enem: mesmo com todos os contras, acho muito cruel que 1 única prova seja a entrada para várias universidades. Além de ser um único dia (q vc pode estar com dor de barriga, etc), é um estilo de prova único! Com provas diferentes por cada univ., umas cobravam mais habilidades de expressão, outras eram mais decorebas, etc: acho q , nesse sentido, dava mais chance às diversas habilidades. (Sobre inserção de desfavorecidos, não tem jeito, só educação melhor desde cedo...).
    Por fim, o sistema aumentou o 'bingo'q já era a escolha de carreiras: os alunos ficaram 3/4 dias negociando carreiras com notas de corte enlouquecidamente (presenciei isso já q minha irmã fez Enem). De qq forma, entendo q é uma escolha do Ministério, mas ele próprio organizar um concurso desse tamanho, aí já é demais! O Haddad deu mole... (bom, isso pode ser tema de outro post seu: "Manda quem pode, obedece quem tem juízo"....)
    Parabéns p Marina!
    abs, Rachel.

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  13. Rachel,
    Obrigado pelo comentário. Pelo que entendi, quanto à educação vc gostaria de uma abordagem mais equânime quanto à sua valorização. Digamos assim, que um operário deveria ser melhor remunerado. É isso?
    Outro pto que para mim não ficou claro: existe a possibilidade de escolha de carreiras uma vez feito o ENEM (caso eu esteja falando besteira me corrija). Isso não tornaria o sistema mais humano ao invés da prova única?
    Abs,
    Leop

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  14. Sobre o operário, é isso mesmo.
    Sobre o ENEM, pode escolher a carreira após feita a prova, a partir das notas de corte. Mas a prova única se mantém: não vejo + ou - humanidade nesse modelo. Só quis fazer um contraponto com relação ao argumento de que o ENEM é mais justo pq iguala os candidatos.
    abs.

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