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sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

SINCERAMENTE

Desde os dias de Michelangelo, os escultores escondiam os defeitos de seus trabalhos usando cera quente e pó de pedra para tapar eventuais fendas. O método era considerado trapaça e, portanto, toda escultura “sine cera” – ou seja, sem cera – era chamada de obra de arte “sincera”. A expressão pegou. Até hoje, usamos “sinceramente” para assinar as cartas, como uma garantia de que essas palavras são verdadeiras.
(BROWN, Dan – O Símbolo Perdido – Ed. Sextante – 2009 – pág. 345)

Milão é uma cidade que possui dois lados, um vermelho e um azul. Seria como gêmea univitelina da cidade gaúcha de Porto Alegre, que possui a rivalidade extrema entre o Grêmio e o Internacional. Sendo que no caso da cidade italiana estamos tratando do Milan, clube de futebol rossonero que já teve diversos jogadores brasileiros em seu elenco, e a Internazionale de Milão, que atualmente conta com Júlio César, Lúcio, Maicon e Philipe Coutinho dentre os representantes do talento verde-amarelo dentre os seus atletas.

Recentemente se juntou ao grupo desta última o ex-jogador Leonardo na qualidade de técnico. O detalhe é que até meados de 2010 ele era o treinador do arquirrival Milan, coroando uma carreira como atleta e dirigente daquele mesmo clube que chegou a alcançar, no total, mais de 10 anos de parceria. Será que tal alteração, radical para o padrão da paixão futebolística que envolve não somente o espírito brasileiro, mas nesse caso específico inclui os tiffosi italianos, seria aceitável, ou até mesmo benéfica para a carreira do brasileiro?

Um dos posts que gerou mais debates no Leopideas foi Razão, Paixão e Ética no Esporte (Out/2010). Naquela ocasião, vinculados à atuação e à controversa aparente decisão da seleção brasileira masculina de vôlei em perder um jogo propositalmente durante o Mundial realizado na Itália para alcançar os seus objetivos – no qual mais adiante tiveram êxito – enveredamos por uma discussão sobre gestão, administração e suas encruzilhadas. Neste instante chamo vocês a refletirem, então, para um outro aspecto vinculado ao cenário subjacente ao que foi exposto no início deste texto – gestão de carreiras.

Leonardo sempre foi um jogador diferenciado em seu meio, pela inteligência e educação adquiridas ainda jovem, por ter vindo de uma família de classe média. Não é a toa que no seu trabalho social após a aposentadoria como atleta ele se juntou a alguém com o mesmo perfil, como o ex-jogador Raí, na Fundação Gol de Letra. Ambos tiveram a oportunidade de se aproximar quando, após o surgimento do niteroiense como atleta do Flamengo no final dos anos 80, já no início da década de 90 terem sido contemporâneos no São Paulo e no Paris St. Germain. A transição de Leonardo para o clube paulista, além de respeitar os preceitos de oportunidade que surgem no mundo do futebol, também seguiu um caminho traçado para o seu aprimoramento profissional e humano.

O São Paulo, já naquela época, possuía uma das melhores estruturas do país como clube de futebol. Trabalhar naquele meio, em que pese doer no meu coração flamenguista, significava para Leonardo um upgrade em termos de ambiente de trabalho. Posteriormente continuou em seu caminho, indo para a Europa, onde atuou na França e na Espanha, vindo a se fixar por mais tempo na Itália e no Milan propriamente. Somente por esta passagem podemos nós imaginar o grau de cultura alcançado pelo jogador e o alicerce que propiciava para sua família. A administração da sua carreira seguia, então, a passos largos para ser coroada de sucesso.

Após um período que já apontava para o fim de seu ciclo como jogador, tendo também passado pelo Japão, jogando pelo Kashima Antlers de Zico, Leonardo tentou dar a sua contribuição final como atleta atuando pelo Flamengo, isso após uma polêmica decisão de abandono da seleção após a Copa de 1998, torneio este que imaginava como coroamento de sua carreira. Isto mesmo depois de ter se sagrado campeão mundial em 1994, porém, com uma expulsão que lhe tirou do restante daquele certame, o que obviamente o frustrou em termos de desempenho.

No entanto, em mais uma reviravolta surpreendente, surgiu-lhe a oportunidade de se juntar novamente ao Milan como jogador. Mas algo mais apontava no seu horizonte, e ele sabiamente não poderia deixar tal chance escapar: um contrato que lhe propiciava ao final um treinamento para atuar como dirigente de futebol na Europa, no próprio time milanês. E assim foi feito, a carreira administrativa seguia em bom ritmo, quando ao final da temporada 2008-2009 o Milan abriu-lhe as portas para uma nova empreitada, a de treinador.

Porém os italianos são tão apaixonados por futebol que tal qual no Brasil não possuem muita paciência com treinadores que não apresentam resultados consistentes. Ao final daquela mesma temporada Leonardo era demitido em meio a debates na imprensa com o presidente do clube, o não menos controverso Primeiro Ministro italiano Silvio Berlusconi. Fato é que durante aquele ano o time havia demonstrado um desempenho abaixo das expectativas, mas também considero que debitar a culpa disto somente ao treinador era um exagero. Com um elenco já ultrapassado e com peças apenas medianas, era difícil imaginá-lo com melhores resultados.

As inúmeras especulações a partir de então nunca redundaram em algo concreto. Leonardo permanecia fora do mercado esperando uma nova boa oportunidade para demonstrar suas qualidades. Certamente deve ter aproveitado este período para aprimorar seu conhecimento. A grande surpresa foi que esta chance que o aguardava era justamente no arquiinimigo do Milan, a Internazionale, supercampeã em 2010 – Italiana, Européia e Mundial.

Porém, o que mais me chamou a atenção foram as suas declarações para a Rede Globo logo após a entrevista de apresentação. Por diversas vezes pontuou sua fala com a expressão “sinceramente”, como se estivesse tentando, mais do que convencer o interlocutor, ainda convencer-se a si próprio que havia tomado a decisão correta. Ele agora estará, mais do que nunca, sob uma pressão enorme. Entrou num clube que conquistou praticamente tudo em 2010. Sinceramente, sei não, me parece que só tem a perder. Senão, vejamos... Se ele ganhar, poderá ter seus méritos debitados em favor de um grupo que já era vencedor, o que os minimizaria. Se perder, será mais um, assim como Rafael Benítez, a ter seus predicados contestados. E assim como Berlusconi, digamos que Massimo Moratti, Presidente da Inter, também não é reconhecido por sua grande paciência.

3 comentários:

  1. Sinceramente, esse foi um texto que falou fundo comigo. Por motivos de quem viveu a História é que o sabe.

    A sensação, no entanto, que tenho, é que você concluiu o texto um tanto prematuramente demais. Me parece que havia mais a esboçar, mais a explorar. Nesses casos, Leo, eu sugeriria que você considerasse com muita tranquilidade uma parte 2, na qual separasse as abordagens potenciais. Até porque, e digo há tempos isso, seus textos, mesmo com personagens, circunstâncias e cenários conectados ao mundo futebolístico, são muito menos sobre esse universo do que aparentam ser.

    Sua abordagem é sobre a vida, o viver, o sentir, o ser, o parecer e o estabelecer.

    Sinceramente,

    Fernando Cassibi

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  2. É para isso que servem os comentários, Fernando, é para isso: desenvolver idéias e abordagens.

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  3. Leopoldo,

    Em relação ao aspecto da gestão de carreira, este é um ponto que me fala muito, em um momento do fim de um ciclo na minha vida. Acho que, por mais que tentemos (e devamos) planejar, a vida no leva a trilhar rotas não imaginadas, como se estivesse querendo nos mostrar que não temos total controle sobre o futuro. A questão para mim é: como lidar com as inevitáveis frustrações da vida, mesmo quando você julga ter se preparado adequadamente para os desafios que se propôs? Meritocracia nem sempre é o que conta, sabemos todos.

    Um dose de coragem é necessária, além de confiança no futuro. Talvez seja isso que mova o Leonardo, não sei. Acho que sim, porque não o vejo como um presunçoso ou ambicioso desmedido. Saberá recuar quando deve, e rever conceitos e decisões, se preciso for.

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