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quarta-feira, 17 de agosto de 2011

CARTÃO-FIDELIDADE

Algumas vezes gostamos de ser enganados. Um engodo muito comum que acompanha aqueles que não trazem almoço de casa para ser esquentado no trabalho e tem que sair para aproveitar as delícias de um self-service é o cartão-fidelidade.

Assim funciona: após uma pesquisa abalizada, em que contamos com o palpite cirúrgico dos amigos sobre qual será o point da vez, invariavelmente acabamos nos restringindo a um grupo, quando muito, de 5 ou 6 restaurantes. E mesmo com essa restrição de opções, ainda dá briga na hora da decisão. Mas tudo bem, meu raciocínio nos levará mais adiante.

Será que vale o esforço repetido 10X???

Uma vez escolhido o local ideal dentre o perfil de todos os companheiros de comilança, é comum sua repetição com o passar dos dias. Afinal de contas, já foi referendado como sendo aquele que nos poupa da eterna indefinição acompanhada de fome súbita quando nos vemos na rua sem ter para onde ir – literalmente – nada mais natural do que caminhar para o endereço tão conhecido.

Eis então que de repente somos agraciados, tendo isto como a maior das benesses, com o cartão-fidelidade. Sua proposta é que uma vez que tenhamos ido ao mesmo lugar no mínimo 10 vezes, teremos o direito de almoçar pela 11ª “de graça”. As aspas aqui não são mera coincidência.

Prestem atenção: na verdade o que fizemos foi pagar parceladamente a 11ª refeição. Ou seja, subliminarmente o dono do restaurante está nos falando que ele até poderia cobrar mais barato pela refeição, mas não o faz ou por ganância ou porque conta com aquele contingente “fiel” que retornará ao restaurante para conseguir o intento de almoçar de graça pelo menos uma vez.

Vamos avaliar a questão por um outro caminho: já foi objeto de estudo a volúpia humana pela coleção, afinal ela “(...) é, também, o legítimo ‘saco sem fundo’. Isso porque o colecionador nunca está satisfeito e sente, a cada nova conquista, que sua coleção ainda está longe de ficar completa. O que pode ser, também, uma boa maneira de se acostumar com o impossível. Não importa a medida do esforço, alguma coisa vai sempre ficar de fora. E essa é a parte boa, dizem os colecionadores: buscar o fundo do ‘saco sem fundo’, mergulhar nesse impossível e descobrir onde vai dar” (1). O cartão-fidelidade é apenas um meio por intermédio do qual este nosso desvio de conduta se torna mola mestra para mais uma oportunidade de lucro da sociedade capitalista de consumo. Pena que normalmente nós estamos do lado errado do bolso – aquele em que o dinheiro só sai!

Este ano mesmo, a fidelidade foi posta a prova de duas outras formas. Primeiramente, nossa amiga Susana, já personagem de um post anterior (2), não coincidentemente vinculado a nobre arte de comer em companhia dos amigos, é uma fã inveterada do iPad. O tablet causou frisson em Março deste ano quando teve sua segunda versão lançada pela Apple. Imediatamente Susana foi assaltada por mensagens de solidariedade dos amigos para com a obsolescência do seu querido original # 1, todos contando com a boa vontade da mesma quanto a uma doação futura em prol de sua aquisição, sem peso na consciência, mas com o devido peso no bolso, do exemplar mais novo! Ora, não é que foram todos, eu inclusive, surpreendidos com sua afirmação: - “Preciso pedir aumento de salário à Administração para poder completar minha coleção de iPads... assim vai ficar complicado” (via Facebook – entre os dias 03 e 04 de Março).

É bem verdade que a companhia da Maçã não utiliza um cartão-fidelidade. Eles são mais, digamos, sutis. Os apreciadores de seus aplicativos somente podem adquiri-los e utilizá-los nos hardwares Mac. Dessa forma, quer seja por sua qualidade, quer seja pela sua beleza, e até mesmo por sua funcionalidade, caindo no cerceamento de escolha daqueles que não têm saco para procurar vias alternativas tal qual o galeão do rei espanhol, cheio de mercadorias pirateadas, os iPédicos se vêem, então, “fidelizados”.

Já eu próprio fui “vítima” de outro cartão-fidelidade disfarçado – os brindes do MacLanche Feliz. No meu caso, foi por uma causa nobre! Afinal, sou fã incondicional dos Pingüins de Madágascar, personagens de animação surgidos em filme produzido pela DreamWorks Studios em 2005. Uma vez iniciada a coleção, não tinha como deixar de ir até o seu final, o que consegui, jurando para mim mesmo que não mais cairia nesta armadilha. Até a próxima promoção, é claro!

(1)    Revista Vida Simples – Editora Abril- Março/2011 – “A Arte da Memória”, de Kelvin Falcão Klein – págs. 50-53. A citação aqui mencionada encontra-se na pág. 51;
(2)    Post “Almoço, Tablets e Afins” – Fevereiro/2011.

Fontes – acesso: 04 de Março de 2011




6 comentários:

  1. Acho q "Fidelidade se paga" mais do que "compra", mas essa é nossa vida mesmo.... comprando e pagando td! Ai, ai, esse capitalismo....!!

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  2. Rachel,

    Você e o Amaury são praticamente almas gêmeas! - rs

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  3. A Administração apoia minha aquisição do iPad 2, mas insiste em não colaborar. Disgrama de Adm. mão-de-vaca!

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  4. Obviamente, Susana, após o fiasco de Conservatória a Administração deveria colaborar com o seu upgrade. Porém, entrar com dinheiro, aí já são outros quinhentos. Ou melhor, muito mais que quinhentos. Em tempo de corte de custos, eu diria até improvável.

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  5. Enquanto não me apresentam uma alternativa ao capitalismo, sigo satisfeita com este casamento.
    Quanto ao iPad (seja ele 1 ou 2), continuo com meu Galaxy e nem sei se vale fazer o upgrade para o modelo maior.
    O capitalismo tem que ser utilizado com consciência.

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  6. blá, blá, blá...chamem a Luísa (sábia filha de 4 anos da Leila Campos).

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