Duas discussões são centrais e permeiam o livro “Em Defesa de Deus”, de Karen Armstrong – Ed. Companhia das Letras – 2011 – 398 págs. Karen, uma ex-freira inglesa, discorre, acompanhando a evolução histórica do Judaísmo, Cristianismo e Islamismo, sobre os debates em torno da existência de Deus e, o que é o objetivo explícito – inclusive compondo o subtítulo do livro – o que a religião realmente significa.
Minha tradução particular para a resposta a última pergunta é a de que devemos viver a religião que professamos, ao invés de apenas defendê-la, sem entender exatamente seus fundamentos e razões. Esta interpretação surge no decorrer do livro, e é válida para religiosos de todas as linhas. Nessa busca, a autora apresenta todo o seu profundo conhecimento sobre as interfaces existentes entre as três religiões acima citadas, verificando o que deveria ser a verdadeira busca do ser humano: amar ao próximo como a si mesmo, fazendo do seu dia-a-dia uma verdadeira perseguição por esta filosofia de vida, agindo para o bem comum de todos.
Um dos primeiros insights nesse sentido é exposto quando Karen aponta o exemplo do sábio chinês Confúcio:
Uma das primeiras pessoas a mostrar com absoluta clareza que a santidade é inseparável do altruísmo foi Confúcio (551-429 a.C.), o sábio chinês. Ele preferia não falar do divino, porque está além da competência da linguagem e porque a discussão teológica desvia a atenção do verdadeiro sentido da religião. Ele costumava dizer: “Meu Caminho tem um fio que o percorre de ponta a ponta”. Não havia metafísica abstrusa; tudo sempre remetia à importância de tratar os outros com respeito absoluto. É o que diz a Regra de Ouro, que os discípulos de Confúcio deviam praticar “o dia inteiro, todos os dias”: “Nunca faças aos outros o que não gostarias que te fizessem”. (págs. 41-42)
É impressionante, se pararmos para pensar sobre quantas pessoas conhecemos que se dizem religiosas, pessoas de bem, e que no trato particular para com o próximo contradizem diretamente a Regra de Ouro citada acima. Em pequenas atitudes demonstram um desrespeito enorme pelo ser humano que está ao seu lado, quanto mais por aqueles que não são do seu círculo de amizade. Estes são desprezados completamente, quando poderiam ressurgir em sua plenitude caso tivessem uma palavra de alento vinda não importa de onde.
Mas isto corresponde a uma ação, quando o que foi colocado por Confúcio corre o risco de ser mal interpretado como uma atitude passiva, do tipo cada um no seu quadrado, ou, não se meta comigo que eu não me meto contigo. O respeito a todos passa necessariamente por sermos constantes na busca pelo bem-estar da comunidade em que estamos inseridos. Você respeita aquele que está ao seu lado ao parar o que está fazendo para dar a devida atenção ao que está ocorrendo a sua volta, auxiliando para o que o mundo se torne um lugar melhor para viver.
Em relação à existência ou não de Deus, a conclusão a que cheguei a partir da leitura desta obra é que, em verdade, Deus existe em cada um de nós. De uma certa forma, todas as religiões pregam nesse mesmo sentido, enaltecendo a capacidade do ser humano de estar mais próximo Dele. Afinal, fomos “feitos a Sua imagem e semelhança” e apenas se nos recusarmos é que não teremos a possibilidade de alcançar essa paz interior.
Tenho para mim que mesmo os agnósticos – aqueles que duvidam de tudo – e os ateus – que dizem não acreditar (1) – ao final se remetem a Deus na esperança de terem vivido suas experiências terrenas na plenitude, de maneira a não terem nada do que se arrepender quando “o depois” vier. A concepção do Divino se presta, assim, a afiançar a paz interior acima citada, “bem” maior que a religião nos traz. “O papel da religião [...] consiste em nos ajudar a ter uma convivência criativa, pacífica e até prazerosa com realidades que não são facilmente explicáveis e com problemas que não conseguimos resolver: mortalidade, dor, sofrimento, desespero, indignação em face da injustiça e da crueldade da vida” (pág. 313). Se isto é por obra de Buda, Cristo ou Maomé, pouco importa. O mais relevante é que sejamos felizes, respeitando uns aos outros, e ajudando-nos a ultrapassar as intempéries que a vida nos apresenta.
(1) Agnosticismo (derivado do latim agnosco: “não sei”): recusa a suspender a crença numa doutrina, ensinamento ou idéia que não pode ser provada. [...] Ateísmo: hoje, denota a negação absoluta da existência de Deus; até o século XIX, porém, comumente era um termo ofensivo, e praticamente ninguém se declarava ateu. Antes dessa época, em geral significava “falsa crença”. Aplicava-se a um estilo de vida, uma idéia ou uma forma de religião que as pessoas desaprovavam. (págs. 361-362).
OBS.: Sou Católico praticante. Acredito em Deus e na verdade que Jesus Cristo professa. Mais do que isso, creio que se as pessoas seguissem sua filosofia, o mundo seria bem melhor.