Pesquisar este blog

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

EM DEFESA DE DEUS

Duas discussões são centrais e permeiam o livro “Em Defesa de Deus”, de Karen Armstrong – Ed. Companhia das Letras – 2011 – 398 págs. Karen, uma ex-freira inglesa, discorre, acompanhando a evolução histórica do Judaísmo, Cristianismo e Islamismo, sobre os debates em torno da existência de Deus e, o que é o objetivo explícito – inclusive compondo o subtítulo do livro – o que a religião realmente significa.



Minha tradução particular para a resposta a última pergunta é a de que devemos viver a religião que professamos, ao invés de apenas defendê-la, sem entender exatamente seus fundamentos e razões. Esta interpretação surge no decorrer do livro, e é válida para religiosos de todas as linhas. Nessa busca, a autora apresenta todo o seu profundo conhecimento sobre as interfaces existentes entre as três religiões acima citadas, verificando o que deveria ser a verdadeira busca do ser humano: amar ao próximo como a si mesmo, fazendo do seu dia-a-dia uma verdadeira perseguição por esta filosofia de vida, agindo para o bem comum de todos.

Um dos primeiros insights nesse sentido é exposto quando Karen aponta o exemplo do sábio chinês Confúcio:

Uma das primeiras pessoas a mostrar com absoluta clareza que a santidade é inseparável do altruísmo foi Confúcio (551-429 a.C.), o sábio chinês. Ele preferia não falar do divino, porque está além da competência da linguagem e porque a discussão teológica desvia a atenção do verdadeiro sentido da religião. Ele costumava dizer: “Meu Caminho tem um fio que o percorre de ponta a ponta”. Não havia metafísica abstrusa; tudo sempre remetia à importância de tratar os outros com respeito absoluto. É o que diz a Regra de Ouro, que os discípulos de Confúcio deviam praticar “o dia inteiro, todos os dias”: “Nunca faças aos outros o que não gostarias que te fizessem”. (págs. 41-42)

É impressionante, se pararmos para pensar sobre quantas pessoas conhecemos que se dizem religiosas, pessoas de bem, e que no trato particular para com o próximo contradizem diretamente a Regra de Ouro citada acima. Em pequenas atitudes demonstram um desrespeito enorme pelo ser humano que está ao seu lado, quanto mais por aqueles que não são do seu círculo de amizade. Estes são desprezados completamente, quando poderiam ressurgir em sua plenitude caso tivessem uma palavra de alento vinda não importa de onde.

Mas isto corresponde a uma ação, quando o que foi colocado por Confúcio corre o risco de ser mal interpretado como uma atitude passiva, do tipo cada um no seu quadrado, ou, não se meta comigo que eu não me meto contigo. O respeito a todos passa necessariamente por sermos constantes na busca pelo bem-estar da comunidade em que estamos inseridos. Você respeita aquele que está ao seu lado ao parar o que está fazendo para dar a devida atenção ao que está ocorrendo a sua volta, auxiliando para o que o mundo se torne um lugar melhor para viver.

Em relação à existência ou não de Deus, a conclusão a que cheguei a partir da leitura desta obra é que, em verdade, Deus existe em cada um de nós. De uma certa forma, todas as religiões pregam nesse mesmo sentido, enaltecendo a capacidade do ser humano de estar mais próximo Dele. Afinal, fomos “feitos a Sua imagem e semelhança” e apenas se nos recusarmos é que não teremos a possibilidade de alcançar essa paz interior.

Tenho para mim que mesmo os agnósticos – aqueles que duvidam de tudo – e os ateus – que dizem não acreditar (1) – ao final se remetem a Deus na esperança de terem vivido suas experiências terrenas na plenitude, de maneira a não terem nada do que se arrepender quando “o depois” vier. A concepção do Divino se presta, assim, a afiançar a paz interior acima citada, “bem” maior que a religião nos traz. “O papel da religião [...] consiste em nos ajudar a ter uma convivência criativa, pacífica e até prazerosa com realidades que não são facilmente explicáveis e com problemas que não conseguimos resolver: mortalidade, dor, sofrimento, desespero, indignação em face da injustiça e da crueldade da vida” (pág. 313). Se isto é por obra de Buda, Cristo ou Maomé, pouco importa. O mais relevante é que sejamos felizes, respeitando uns aos outros, e ajudando-nos a ultrapassar as intempéries que a vida nos apresenta.

(1)     Agnosticismo (derivado do latim agnosco: “não sei”): recusa a suspender a crença numa doutrina, ensinamento ou idéia que não pode ser provada. [...] Ateísmo: hoje, denota a negação absoluta da existência de Deus; até o século XIX, porém, comumente era um termo ofensivo, e praticamente ninguém se declarava ateu. Antes dessa época, em geral significava “falsa crença”. Aplicava-se a um estilo de vida, uma idéia ou uma forma de religião que as pessoas desaprovavam. (págs. 361-362).

OBS.: Sou Católico praticante. Acredito em Deus e na verdade que Jesus Cristo professa. Mais do que isso, creio que se as pessoas seguissem sua filosofia, o mundo seria bem melhor.

6 comentários:

  1. O objetivo do livro de buscar interfaces entre as três religiões citadas me soa estranha, pois religiões são naturalmente excludentes, como se comprova em qualquer livro dito sagrado. Para o muçulmano, o cristão só se salva caso se converta; para o judeu, Jesus foi apenas mais um profeta e, para o cristão, o que preconizou Maomé não tem a menor importância. O religioso não deixa de ser um ateu, só que em relação a outros credos.
    A religião de um homem pouco ou nada diz da sua índole ou do seu caráter, por isso os religiosos que desrespeitam o próximo e as desavenças causadas pela religião infelizmente são comuns. Agora, confesso que tenho dificuldade com o conceito de que Deus existe em cada um de nós. Apesar de ser um alento aos religiosos mais tolerantes, para quem os justos serão salvos independentemente de credo, ele é uma afronta aos dogmas religiosos, que condicionam as recompensas eternas ao seu deus particular. Quem quer que se dedique a ler a Bíblia e o Corão, por exemplo, concluirá que pelo menos um dos dois está constrangedoramente equivocado.
    O texto argumenta que os agnósticos e ateus ao final recorrem a Deus em busca de remissão. Perdi a conta de quantas vezes ouvi de amigos religiosos que “a verdadeira paz só tem aquele que já conhece a Jesus”, como diz a letra de um cântico. Não sei se sou agnóstico ou ateu, um criador para mim é uma hipótese por enquanto improvável, mas recorro a um exemplo para expor meu desapego a isso: Relevância à parte, considero a Bíblia um livro que traz ensinamentos virtuosos entremeados com atrocidades requintadas e contradições gritantes, tanto no Velho quanto no Novo Testamento. Se o deus de infinita bondade e sabedoria me punir eternamente por eu pensar assim, não importando tudo o mais que eu tenha feito na vida, talvez ser privado de sua presença não seja o fim do mundo, com o perdão do trocadilho. Aliás, um mundo de respeito ao próximo sem dúvida seria muito melhor.
    Abraços,

    ResponderExcluir
  2. Como coloquei anteriormente: falar sobre religião é arriscado. Os principais riscos, para mim:
    (1) Interpretar de maneira literal as escrituras, quaisquer que seja a religião. Elas são compostas por textos que devem ser inseridos em seu contexto histórico;
    (2) Confundir a religião em si com o que a estrutura hierárquica que a controla prega. A religião tem ensinamentos valorosos para a vida em comunidade;
    (3) E por último, o desapego é um sentimento forte em todos, cultivados que somos no mundo materialista de hoje. Até que chega o momento em que precisamos de algo para suportar a vida e suas intempéries, e não há onde buscar a não ser no apoio que a fé nos dá, qualquer que seja a religião.
    Confesso que estranhei os poucos comentários que este texto recebeu, talvez pelo fato dele ser polêmico demais, e as pessoas normalmente são avessas a tais discussões. Mas esse também era um risco...
    Abs,
    Leop

    ResponderExcluir
  3. Pensar em Deus, pensar sobre Deus, falar sobre esse assunto... Sempre nos traz muitas reflexões sobre a vida. Ter amigos como voce e a Fatinha nao tem preco.

    ResponderExcluir
  4. Vim palpitar e encontrei um comentário muito próximo do que penso, escrito pelo Carlos Eduardo.

    Me desculpem pelo termo, mas o mundo anda muito cagão... ninguém mais quer dar sua opinião sobre nada, com medinho de criar desafetos e abalar seu networking... talvez, Leopoldo, esse tenha sido um dos motivos da falta de comentários...

    Voltando ao assunto do post, na minha visão, a visão sobre Deus acompanha as tendências da sociedade... se caminhamos em direção a uma maior tolerância, Deus vai junto... E as religiões vão tendo que criar um monte de gambiarras para justificar o que ficou escrito nos "livros sagrados" (as que têm como base esse tipo de documento). Isso de que "não se pode interpretar literalmente" é uma gambiarra, pra mim... Ué, se está escrito, pq não levar a sério? só pode levar a sério as partes que [ainda] fazem sentido?

    Cada um que siga o que quiser, desde que não tentem impor suas crenças morais aos outros, principalmente via Estado, tá td bem...

    ResponderExcluir
  5. Oi Amaury, acho que a situação é ainda pior do que você comentou. As pessoas venderam suas almas mesmo. Os que AINDA não o fizeram estão aí, no limiar entre a venda, a omissão e a negação. É triste. Gostei bastante de seus comentários, assim como os do Carlos Eduardo. Acho linda a filosofia da Sra. Karen, mas ela não encontra eco na realidade. Ao menos de uma perspectiva democrática: a maioria sempre tende a se colocar e a impor sua cultura às demais; quando o poder está em jogo então...danou-se. Foi-se o tempo em que a diversidade era respeitada e cultivada, a livre manifestação defendida e a humanidade verdadeiramente atuava com vistas a felicidade, individual e coletiva.E é só.

    ResponderExcluir
  6. A Regra de Ouro (seja na versão positiva ou negativa) deveria ser a 'religião' de todos nós, crentes ou ateus.
    A tolerância entre os diversos credos também estaria englobada pela Regra de Ouro. Tolerar a opinião alheia deveria ser um mandamento de qualquer livro dito sagrado.
    O religioso tolerante merece elogios; o intolerante é desprezível.
    Acho que a tolerância,além de desejável, é possível.

    ResponderExcluir