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quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

BÚZIOS

Viajar é uma ação voltada para a reflexão. Ficamos fora do nosso habitat, nos vemos ao lado de referências estranhas, quer sejam coisas, lugares ou pessoas. Isto nos leva a avaliar se o nosso cotidiano, tão cheio de deveres, não poderia ser mais leve, ou pelo menos baseado em valores distintos.

Vocês poderiam dizer: ah, mas ele está falando disso porque está pensando em viagens de férias. Pois eu lhes digo: as viagens a trabalho – eu as faço muitas – também têm essa característica. O problema é quando as viagens de férias se tornam viagens de trabalho. O seu interior, que necessitava de uma imersão, se vê submerso e atolado em problemas que não lhe deixarão viver o melhor da vida ao lado das pessoas que você mais ama.

Nas viagens a trabalho, temos colegas, alguns mais próximos, outros nem tanto. Nas viagens a trabalho, algumas vezes só, se enfrentam problemas do seu cotidiano, mesmo estando longe fisicamente. Isso significa dizer que não existe um relaxamento real. Mesmo no happy hour sua consciência lhe deixa em alerta para que os mínimos movimentos não sejam mal interpretados. Se você não está consciente nesta hora, no dia seguinte provavelmente sua consciência virá pela boca dos outros, e isso num ambiente profissional, em que pese a galhofa, não ajuda muito. O trabalho passa a ser de 24 hs, full time mesmo, e é por isso que parafraseio Jesus quando ouço pessoas falando que gostariam de trabalhar viajando – perdoai, Senhor, eles não sabem o que fazem ou o que dizem.

A vida nos ensina muitas coisas, mesmo que não percebamos naquele exato instante em que a estamos vivendo. Na primeira vez que fui a Búzios com minha família – esposa e filha – me desloquei para um balneário que somente tinha ouvido falar durante toda a minha infância. A imagem que me chegava era de uma localidade de pessoas ricas, de bem com a vida. Ficamos em Geribá, na Pousada Corais e Conchas (www.coraiseconchas.com.br). Foi ótimo, constatamos que a Argentina efetivamente tem uma província no Brasil. Pude treinar meu espanhol, ferramenta essencial no trabalho. Trabalho, trabalho este o qual não deixava de checar ao ver os e-mails no computador com acesso a internet na recepção.

Na segunda vez que fomos, tão agradável foi a primeira viagem, levamos um grupo maior de pessoas, para a mesma pousada. Cunhada, prima, meus pais nos acompanharam, e nos divertimos muito – meu pai adorou a TV a Cabo e o ar-condicionado, evitando pegar Sol e resmungando o tempo todo. Mas é meu pai e eu o amo assim mesmo. Os e-mails continuavam chegando e eram checados em tempo real, a rotina do trabalho ofuscando a retina.

Na terceira vez, novamente somente o nosso núcleo familiar, nos hospedamos na praia da Ferradura – Ferradura Resort (www.ferraduraresort.com.br). Desta vez, porém, o clima no trabalho não andava bom. A pressão atingira níveis insuportáveis, levando a destruir o clima de paz em que eu me encontrava com a minha família. Trabalho e família. Viagem no meio. O isolamento precioso não foi alcançado. Palavras duras foram jogadas ao vento. O abatimento derruba os mais fortes. Porém, se são fortes, se são bravos, vergam, mas não quebram.

Na quarta vez, voltamos ao Ferradura Resort. Com uma diferença, eu havia prometido a mim mesmo que ninguém iria me alcançar, que o trabalho não iria me perturbar. Off line fiquei por duas semanas, resgatei a alegria e a imagem de um lugar de péssima lembrança para mim. Li três livros, ri com minha esposa e filhas, senti o Sol e as gotas de chuva. Vivi a vida!

Búzios para mim portanto significa diversas facetas da minha vida: o ultra-workaholic assumido, devorado pelas circunstâncias, mas desapercebido de suas conseqüências; a pessoa que se preocupa com sua família como um todo; e por último aquele que busca se desapegar por completo. Cada uma dessas fases – ou momentos – não são isolados. Fazem parte de um contínuo que pode ir e voltar. Resta a nós cicatrizar as feridas e nos tornarmos cada vez mais fortes. Se a sorte significa alguma coisa nessa trajetória? Sim, claro, sem ela não teria encontrado minha filha, que não teria surgido da esposa maravilhosa que tenho. Este texto, e tudo que vivi e vivo, são dedicados a elas. E ao Sol de Búzios...

2 comentários:

  1. Leopoldo, o seu dilema é o meu e o de milhões. E hoje a facilidade com que o trabalho pode nos acompanhar a todo momento exige uma enorme habilidade para ter uma vida pessoal.
    Mas nem todos querem uma vida pessoal. Antes a vilã era a empresa, que esfolava o funcionário e só enxergava a produtividade. É claro que quase nada mudou desde Tempos Modernos, do Chaplin, mas o que há de novo é que muitas vezes o funcionário é cúmplice, embarca na onda da produtividade feliz da vida, julgando ser indispensável e que a empresa pode sucumbir se ele não sacrificar seu almoço, seus finais de semana, suas férias ou sua família.
    Minha empresa corta o acesso ao email corporativo durante as férias. Não vem ao caso se faz isso pensando no meu bem-estar ou se não quer que eu seja mais um a processá-la no futuro, mas o fato é que tá assim de colega que tenta burlar esta norma, informando emails pessoais e se colocando à disposição para dúvidas, audioconferências e abacaxis em geral, 24X7. Outros bradam com orgulho trabalhar 12, 14 horas por dia.
    Muita gente é explorada, mas outros tantos são apenas vaidosos, ambiciosos ou iludidos. E são felizes assim.
    É por isso que pressinto que ainda verei propagandas de hotéis ou pousadas que, ao lado do conforto das acomodações, do ótimo restaurante e das opções de lazer, anunciem em letras maiúsculas: Sem sinal de celular nem acesso à Internet!

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  2. Carlos Eduardo, para seu deleite: "(...) uma das próximas tendências apontadas pelo mercado hoteleiro são os 'black hole resorts', ou os resorts buracos negros, para onde os hóspedes estão dispostos a viajar (e pagar a quantia que for) para terem a certeza de que os sinais de celular e internet são tão escassos quanto uma boa comida. Dá para arrumar as malas para passar uma temporada no Hotel Desconocido, em Puerto Vallarta, ou no Mas Les Cols em Olot, na Espanha, sem que nenhum amigo virtual saiba que você está lá. O check in, nesse caso, é feito só na recepção do hotel - e não no Foursquare ou outras redes sociais". Revista Vida Simples - Março 2012 - Edição 116 - pág. 13 - "Privacidade" por Rafael Tonon.

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