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quinta-feira, 3 de março de 2011

TROPA DE ELITE 2

Saio do escuro do cinema e começo a andar naquele mar de gente envolta com preocupações natalinas*. O que comprar para o afilhado, aquele conhecido que sempre aparece nas festas, a tia Melina e o tio Joaquim, além dos parentes mais próximos – esposa(o), filhos, pai e mãe?

Porém, a adrenalina está lá em cima. O “osso duro de roer/pega um/pega geral/e vai pegar você” nos rodeia no dia a dia e acaba de ser exposto em tintas vivas na telona. Cada semblante que passa por mim mascara, na flor da pele, uma tranqüilidade construída em torno do paraíso particular de cada um, alheio - propositalmente ou levianamente, não importa - aos sintomas que a sociedade apresenta de um certo desalinho com o que imaginamos de ideal.

Perguntas trafegam por minha mente: como melhorar o mundo em que vivemos é a principal delas. O agora Tenente-Coronel Nascimento colocou em ações e palavras o inconformismo com o que ele chamou de “sistema”. Somos nós faces servis deste mesmo sistema?

Cada vez que recebemos nosso salário imaginamos como pagar nossas contas. Algumas delas são contas de caráter privado, por exemplo, a conta de cartão de crédito. Mas lhes pergunto: o crédito é barato em nosso país? Já foi mais caro, mas ainda convivemos com uma das mais altas taxas de juro do mundo. Isso porque estamos numa economia inflacionada, inflada pelo desejo consumista de classes que antes não tinham tal poder aquisitivo, e que por mil e um motivos, internos e externos, agora se vêem com a possibilidade de comprar sua geladeira triplex frost-free para fazer o churrasquinho do final de semana.

É óbvio que essas mesmas classes lutaram anos e anos por um bem melhor, e têm o devido direito de usufruí-lo quando o encontra em seu horizonte. Mas o embate chave para todos é: podemos ter uma justa distribuição de renda sem ter uma sociedade viciada na corrupção gerada pelo capital multiplicado por diversas vias? Por enquanto foram poucos os caminhos identificados para uma resposta positiva a esta pergunta. Talvez em comunidades isoladas no meio da Amazônia tenhamos uma que atenda aos nossos maiores devaneios ideológicos.

O custo financeiro alimentado acima já foi propalado em diversos momentos como sendo um preço a pagar pelo alto nível de inadimplência. Porém ao mesmo tempo ouvimos dizer que o bom trabalhador, da classe mais humilde, é um bom pagador, honra o seu nome, capital mais caro a sua alma. Então quem é o mau pagador?

Vou mudar a última pergunta tentando atingir o âmago da questão por uma outra porta: qual é a principal característica do crime, seja ele organizado ou desorganizado? É não ter regras. O crime não precisa responder a ninguém ou a nada, e isso a facilita a sua entrada em diversos patamares de nossa sociedade. Agora, quem dita as regras para a nossa sociedade? Seria, em tese, a classe política, representantes maiores do povo nas instâncias legislativas.

Por este raciocínio, temos no longa de José Padilha, “Tropa de Elite 2” (2010), um paradoxo: o principal vilão é o “sistema”, formado por agentes corruptos – polícia e políticos principalmente – que possui tentáculos tão longos que chegam até a Câmara dos Deputados em Brasília. Estes agentes, que não seguem regras, são os mesmos que deveriam construir as regras que a sociedade deve seguir. São os maus pagadores e que pouca se importam em o sê-lo.

Assim, temos o grosso, a grande maioria da população seguindo regras que servem aos interesses de uma minoria, que não precisa se submeter às mesmas. A revolta pontual quanto aos desmandos dessa elite não os afeta em nada. Seriam necessárias gerações para mudar tal cenário, gerações de embate contínuo à arquitetura vil em que estamos inseridos. Porém essa revolta chega a tanto que não é a toa que o momento de maior descarga de adrenalina, aquele em que desejamos estar na pele do personagem de Wágner Moura, mais uma vez numa atuação de alto nível, é quando o caveira, agora travestido de sub-secretário de segurança, enfia o cacete – fisicamente mesmo - num político. Somos nós batendo no sistema, ou numa ponta dele, pelo menos para o nosso deleite por dois minutos, tal qual um saco de pancadas de uma academia de boxe para aliviar o stress.

Nesse sentido, o filme se presta ao seu final a mandar um recado: existe a necessidade de nos incomodarmos com isso, esse atual estado de coisas, mas sempre, a todo momento, e não por apenas dois minutos. Sem isto não estaremos criando gerações futuras com um mínimo de probabilidade de viver numa sociedade mais justa e igualitária. Do contrário, como diz a música ao final, brilhantemente interpretada pelos Paralamas do Sucesso – eu não sei da’onde vem o tiro. Mas que irá nos atingir, irá.

O Calibre


Composição: Herbert Viana

Eu vivo sem saber até quando ainda estou vivo
Sem saber o calibre do perigo
Eu não sei d'aonde vem o tiro (2x)
Por que caminhos você vai e volta?
Aonde você nunca vai?
Em que esquinas você nunca pára?
A que horas você nunca sai?
Há quanto tempo você sente medo?
Quantos amigos você já perdeu?
Entrincheirado, vivendo em segredo
E ainda diz que não é problema seu
E a vida já não é mais vida
No caos ninguém é cidadão
As promessas foram esquecidas
Não há estado, não há mais nação
Perdido em números de guerra
Rezando por dias de paz
Não vê que a sua vida aqui se encerra
Com uma nota curta nos jornais
Eu vivo sem saber até quando ainda estou vivo
Sem saber o calibre do perigo
Eu não sei d'aonde vem o tiro (2x)


* Isso mesmo, somente vi "TROPA DE ELITE 2" próximo ao Natal de 2010, depois de longa espera. Mas valeu a pena, ao final.

3 comentários:

  1. Message in the Bottle.

    Assim como Tropa de Elite 1, Tropa de Elite 2 apresenta aquelas variáveis já padronizadas em tempo de "Bruna Surfistinha" que cairam tanto no gosto popular. Nos enamoramos desse filme pela força que exala. Brasileiros de vários cantos, mas especialmente do Rio de Janeiro e arredores se encantaram por esse poder todo aparente manifesto pelos gritos, mandos e desmandos. Quem de nós não gostaria de se sentir "o maioral?". O poder e a subordinação caminham nesse filme em sintonia tão paradoxal quanto o formal e o informal, a cidade zona sul e a favela, o Estado e o poder paralelo.

    Um filme que revira de quatro as expectativas de quem o assiste, e coloca o expectador na posição passiva de quem está prestes a ser currado. Sim, é assim brutal, e por isso justamente é que catica a juventude e as massas, que bradam a anarquia, a desgovernança, e criticam com uma felicidade sado-masoquista a sua própria desventura. Sem perceber o que fazem.

    É esse mesmo filme que extingue com o restante de esperança que o cidadão do Rio de Janeiro ainda poderia esperar para o futuro pós-tomadas dos principais complexos e favelas da cidade. Ele demonstra que, se esse não for o futuro certeiro, pelo menos um similar deverá se manifestar, no qual a natureza corrupta do homem, entendido em seus aspectos individuais e coletivos invariavelmente se manifestará.

    É curioso tudo isso porque hoje, por motivos muito particulares, me coloquei a pensar justamente sobre o universo daqueles que usam a farda profissionalmente. Civis ou militares, seu treinamento é arduo, cansativo, depreciativo, humilhante, "a ponto de perderem toda a dignidade", como diria um amigo meu.

    Esse amigo ainda fala: "em campo, você sente todos os sentimentos possíveis e inimaginaveis que um ser humano poder sentir": Amor, ódio, tristeza, inveja, e por aí vai.No final, aqueles pelotões ou tropas enfim terminam invariavelmente com um um sentimento de equipe elevadíssimo. Tropa de Elite 1 e 2 mostram, cada um em determinado nível, o que acontece quando equipes se unem em torno de propostas do bem, do mal, ou simplesmente de alienação, alienação essa muitas vezes em detrimento da própria crença pessoal, na medida em que acabam por colaborar inconscientemente para interesses
    excusos.

    De quando em vez, como digo eu, um novo ou velho grupo de "escoteiros" terá a mesma ventura ou desventura ao se reunir e projetar seus valores em torno de um propósito. O que falará mais alto a cada vez que eles se reunirem? Desconheço. Mas quisera eu sempre que houvesse um treinamento de exército prévio a atividade em conjunto. Sim, porque ao contrário do que eu imaginava, não é preciso bom coração e visão, como certos especiais do Rato Cozinheiro aparentam demonstrar, e sim muita humildade para saber ouvir o outro e entender que a sua própria força está em levantar o outro.

    Todos nos sentimos grandes em coletivo. E é por isso que uns gritam mais alto. E não é porque sejam convencidos de si, mas porque se acostumaram a falar por quem não tem voz ou não sabe falar tão alto quanto a si próprio. São os líderes.

    Ignorantes, hipócritas ou mal intencionados são aqueles que tentam silenciar os que conhecem esse segredo. O segredo do sucesso. Mas também da desventura da humanidade.

    O canal está aberto. Vamos juntos mudar o futuro, melhorando as possibilidades de o bem prevalecer, de a alegria e o entusiasmo se instaurarem, preparando esses novos e velhos grupos que surgirão uma vez mais, juntos.

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  2. Explicando: Rato Cozinheiro = Ratatouille; especial do Rato Cozinheiro = documentário bônus de Ratatouille - "Gastronomia & Filmes", salvo engano. Relata o processo de produção da Pixar para este longa animado especificamente, em que se coloca o "bom coração e a visão", conforme mencionados por Mr. Cassibi. Falo estas coisas de cabeça, sem conferir a fonte, mas creio que estou certo.

    Quanto ao comentário em si: como sempre as letras nos levam por caminhos que não antecipamos (ou não, como já diria Caetano). Pouco falei do filme em si, mas dos sentimentos que ele me evocou. E assim o será sempre quando fizer um post sobre cinema. Por isso tenho sempre a ânsia de escrevê-lo assim que vejo a película. Por vezes isso não é possível - há uma noite a dormir, um trabalho a fazer, uma tarefa a cumprir que adia a escrita. Mas ela invariavelmente sai dessa forma - influência direta de como o filme me toca, gerando por vezes sentimentos contraditórios ou autênticos, que podem ou não ser politicamente corretos.

    Aí está o pecado no comentário do Fernando, no meu humilde ponto de vista. O filme pode ser rotulado de panfletário, populista, etc, mas se presta ao que propõe: expor um sentimento que toca grande parte da sociedade, o da indignação dos rumos seguidos por sua classe política. Fernando caminha para encontrar a face politicamente correta desta luta, enquanto eu, no post, apenas expus um sentimento, e não uma análise racional do tema - pelo menos au complete!

    Isso não quer dizer que eu esteja certo e ele errado. São apenas dois modos distintos de ver o mesmo tema.

    Já falei demais. Fui!

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