Pesquisar este blog

segunda-feira, 14 de maio de 2012

QUANDO NIETZSCHE CHOROU

Todos que nunca fizeram análise têm uma grande curiosidade de como se dá o processo de abertura entre o paciente e o psicólogo, quaisquer que sejam suas correntes teóricas que dão base a sua prática. O romance “Quando Nietzsche Chorou” – Irvin D. Yalom – Rio de Janeiro – Ediouro – 2005 – 408 págs. – presta este importante serviço: desnudar o mistério da relação paciente e analista, descortinando o ambiente de uma Viena em que Freud era jovem e as primeiras práticas da psicanálise estavam ainda em fase embrionária.

Para tanto, o autor, Irvin Yalom, professor de psiquiatria da escola de Medicina de Stanford, 80 anos, constrói uma novela envolvendo personagens históricos e fictícios vinculados ao tema. Temos o próprio Freud, ainda tateando à procura do seu caminho profissional, mas em verdade a estrutura do enredo é centrada no relacionamento Dr. Josef Breuer e célebre filósofo Friedrich Nietzsche.

Esses dois personagens históricos (1), contemporâneos de uma Viena efervescente culturalmente durante o século XIX, em verdade jamais se encontraram. Mas a junção da capacidade analítica de Breuer perante as incertezas e divagações do filósofo Nietzsche ensejaram ao autor confrontá-los, numa relação a qual o personagem-médico sinalizava como “terapia da conversa”, em que fica clara a exposição em que analisando e analisado se vêem inseridos ao avaliar o peso carregado de toda uma existência.

Um aspecto que fica subjacente ao leitor, pois o mesmo centra a atenção e expectativa sobre a possível cura de Nietzsche – algo que é sutilmente exposto desde o título da obra – é a mensagem de como aqueles especialistas, talhados por anos de prática e teoria, não são seres à parte em relação aos dramas com os quais são confrontados. Seres humanos, talvez expiem tal peso ao conseguir diferenciar o lado profissional do pessoal, ao fazer efetivamente o seu trabalho, colocando no papel as características do paciente para melhor montar o quadro demandado. Mas que não se iludam, pois isto é um desafio, que eles mesmos se propõem ao fazer tal opção de imersão no drama alheio, e esta é uma carga pesada, mesmo para os profissionais.

Dois pequenos deslizes, a meu ver, em termos formais na obra, em nada empanam sua qualidade enquanto romance, pois alcança o principal objetivo que é o de reter o leitor com sua curiosidade elevada ao máximo até o fim da estória. Os erros os quais citei seriam: nos chamados excertos, ou simplesmente notas, do Dr. Josef Breuer sobre o paciente Nietzsche, aquele se refere a este pelo seu nome verdadeiro. Porém, a título de preservação da privacidade do analisando Breuer havia acordado denominá-lo Eckart Müller, e assim o faz no título das anotações, em que pese ter se “esquecido” ao escrever seu conteúdo.

O segundo deslize pode ser até mesmo um engano de minha parte, pois não sou profundo conhecedor da história da Psicologia. Porém como o livro se propõe justamente a isso, apresentar em meio a um enredo romanceado o início da aplicação, conforme já dito, da “terapia da conversa”, em dado momento ao final da obra o autor que até então vinha chamando genericamente os profissionais da medicina que um dia utilizariam o método que ali estava sendo testado de “doutores da conversa”, resvala e utiliza o termo “psicólogos”.

Mas como disse anteriormente, são pequeníssimos senões no valor altamente meritório da obra. A meu ver, de grande utilidade esta se enquadra naqueles que se encontram em meio a chamada crise dos 40 anos, pois deslinda questões as quais são diretamente afetas às indagações dos que buscam um, digamos, “sentido” para suas vidas passada esta fronteira emblemática do “primeiro nascimento”. Esta apresenta ainda, em dado momento, a importância do relaxamento por intermédio da respiração, prática a qual eu já mencionei anteriormente no post “A Química da Alegria”. Nietzsche, após mais uma de suas crises de enxaqueca, a utiliza:

Mas primeiro, deixe-me tentar relaxar os músculos das têmporas e do couro cabeludo. – Durante três ou quatro minutos, respirou lenta e profundamente enquanto contava suavemente. Depois disso, disse: - Pronto, melhorei. Costumo contar minhas respirações e imaginar meus músculos se relaxando a cada número. Às vezes, mantenho-me centrado concentrando-me apenas na respiração.
Pág. 386.

Para finalizar, devo dizer que o livro se presta múltiplos objetivos – o teórico, o de se conhecer personagens emblemáticos da história da humanidade; ainda mais, o de se conhecer as diversas práticas adotadas na terapia analítica, de maneira suave, em seus primórdios; e, para mim, o central, que é o de expor as contradições e os pensamentos dos seres humanos inquietos na busca dos seus alicerces para viver. Para aqueles que estão justamente em meio a tais questionamentos, pode ser exemplar e muito útil, principalmente no sentido de se olhar para suas conquistas e escolhas, e abraçá-las como sendo realmente suas.

(1)    Breuer (Josef) – médico austríaco (Viena – 1842-1925), conhecido principalmente por sua colaboração com Freud de 1882 a 1895, período fundamental tanto para a compreensão da histeria como para o início da elaboração da teoria do inconsciente e do método analítico, antecipado por Breuer com o nome de método catártico. [Grande Enciclopédia Larrousse Cultural – 1995/1998 – pág. 949]; Nietzsche (Friedrich Wilhelm), filósofo alemão (1844-1900). [...] A crítica que Nietzsche faz do idealismo metafísico, ou “ontoteologia”, focaliza as categorias do idealismo (ser, essência, sujeito) e os valores morais que o condicionam, e propõe nova abordagem: a genealogia dos valores. Questionar o valor dos valores morais implica descrever sua origem e sua história. Para Nietzsche, os valores morais originam-se da reação dos fracos, que colocam o bem como a negação das ações dos poderosos. [...] Advogando a eliminação desse modo de ver, Nietzsche propõe substituí-lo pela vontade da potência, da qual deveria surgir um super-homem criador, além do bem e do mal. [Idem – pág. 4210].
Traduzindo para a linguagem popular, Nietzsche contesta a submissão do ser humano, do “fraco”, aos desígnios de sua própria história – inclusive o apelo deste aos valores religiosos, sobre-humanos, para alterá-los. O homem faz a sua própria história, tendo total poder para tal. Por isso o título da obra – “Quando Nietzsche Chorou” – evoca sua própria cura em detrimento de sua filosofia de vida, ou seja, todos nós temos nossas fraquezas. E não há demérito nenhum em assumi-las!

Nenhum comentário:

Postar um comentário