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sábado, 17 de março de 2012

LUZ DO MUNDO

Curiosidade. Esta é a palavra que pode resumir o meu sentimento quando me propus a ler o livro “A Luz do Mundo” – Bento XVI, Papa – Ed. Paulinas – 246 págs. - 2011. De um certo modo, devo confessar, havia uma reticência: este é um papa polêmico, no sentido de que tem uma tarefa ingrata, que é a de ocupar o posto máximo da Igreja Católica após o pontificado de João Paulo II, reconhecido como um exímio condutor, pautado por um imenso carisma pessoal.


A parte tal desafio, se viu envolto em uma série de debates, girando em torno das questões vinculadas aos escândalos de abusos sexuais por padres católicos, ora nos Estados Unidos, ora na Irlanda, ora em sua terra natal, a Alemanha, para falar apenas dos que mais chamaram a atenção da mídia. Mas além deste aspecto, ele não se furtou a abordar neste livro outros temas-tabu, como o sacerdócio para mulheres, o homossexualismo, o uso de preservativos e o celibato, e isso se reflete numa obra com posicionamentos expostos sobre cada um destes temas.

Porém, mesmo levando-se em consideração o apelo de tais assuntos, nunca me vi com ímpeto suficiente para ler um texto que tratasse de questões religiosas, a menos que o autor fosse reconhecido por sua clareza para leigos. Nesse sentido, o que me fez superar tal barreira foi o fato de que esta obra foi editada em formato de entrevista, tendo como moderador o jornalista Peter Seewald (1).

Tendo sido redator de importantes periódicos alemães, como a revista Spiegel (http://www.spiegel.de/) e o jornal Süddeutsche Zeitung (http://www.suddeutsche.de/) e “conhecido internacionalmente por adotar em seus livros um estilo particular: as entrevistas” houve aí um canto da sereia para o qual a minha curiosidade se apegou para ser satisfeita.

Dos temas acima citados, apenas em um deles tive uma nova perspectiva em relação ao discurso oficial da Igreja Católica: o uso de preservativos. Na verdade a tese defendida, salvo engano, é que este não seja o primeiro recurso (ou único) para o controle da natalidade, mas sim que seja uma terceira porta quando duas primeiras não funcionam: o método dito natural – reconhecido como “tabela”, com fidelidade ao parceiro escolhido por intermédio do sacramento do casamento; a abstinência; e aí sim o preservativo, quando não há solução em relação aos dois primeiros. Talvez essa relativização esteja ganhando corpo principalmente em função da prevenção da Aids, o que dificultaria, pelo menos, o uso puro e simples do primeiro método aqui citado.

De toda forma, o livro traz uma espécie de “ato falho” e uma lacuna que são difíceis de serem defendidas. O “ato falho” diz respeito ao Papa citar como países ocidentais apenas os desenvolvidos, o que nos parece um equívoco de formação. Para um europeu ter o viés de que apenas os países ditos “desenvolvidos” são do Ocidente pode indicar um preconceito guardado no inconsciente. Este ponto, atrelado a se ignorar o histórico de ter sido um soldado nazista, durante a Segunda Guerra Mundial – fato confirmado apenas na cronologia presente ao final do livro (2) – assunto não tratado na entrevista, deixa uma percepção de que houve uma seleção antes da publicação – em que pese a afirmação, logo no início, de que o Papa teria feito apenas correções gramaticais ou para esclarecer determinados pontos que tenha achado que ficaram obscuros. Não há como negar um gosto de “Mas e...”.

De toda forma, o principal mérito do livro é o registro histórico do pensamento de uma personalidade de grande influência, pelo menos no que diz respeito à formação do pensamento da Igreja Católica contemporânea. Não se deve esquecer, ademais, que ele era um dos principais assessores de João Paulo II que, em que pese seu já citado carisma, sempre se caracterizou por ser muito firme na defesa dos preceitos do Catolicismo. Ou seja, vale a leitura, nem que seja pelo aspecto cultural.

(1)    Peter Seewald hoje em dia é um jornalista free-lancer que se dedica especialmente aos temas religiosos. Não sou muito fã do Wikipédia como fonte confiável. Porém, dado a escassez de relatos na internet sobre a vida deste profissional tive que confirmar uma breve menção sobre sua conexão com o Catolicismo, pontuada em distintos sites de uma forma muito singela – “Peter Seewald, who converted to Catholicism after meeting the then-Cardinal Ratzinger (...)” - http://ctscatholiccompass.org/tag/peter-seewald/ , por exemplo. No Wikipédia é colocado que o início de sua vida era com um determinado vínculo religioso. Depois ele se encaminha para a esquerda, fundando inclusive um periódico nesta linha, já se afastando da Igreja, retornando após o contato com o então Cardeal Ratzinger, em 1996.
(2)    “1943-1945: presta serviço militar como auxiliar nos serviços antiaéreos, nos serviços de trabalho e de infantaria. De maio a junho de 1945, fica prisioneiro dos americanos em Neu-Ulm” – pág. 222. É interessante notar ainda como um dos pontos mais ressaltados em sua trajetória já como Papa é o esforço pela aproximação com o Judaísmo e outras vertentes do Cristianismo – a Igreja Anglicana, Ortodoxa, os Protestantes (em especial os Luteranos), entre outras – além do próprio diálogo com o Islamismo. Com um olhar positivo, é o esforço por professar o entendimento entre os homens em prol da paz, evitando-se que a temática religiosa seja utilizada como justificativa para as guerras. Por outro lado, seria o homem Ratzinger motivado pela expiação de uma culpa pessoal guardada no fundo da alma? Jamais saberemos. Agora, uma pergunta que fica: isto realmente importa?

2 comentários:

  1. Tenho uma certa "simpatia" pelos que se veem obrigados - ou mesmo pelos que aceitam - a aderir a ondas que acabam sendo execradas pelo futuro. Tente se colocar na posição de um jovem que se vê fustigado pela propaganda de Hittler naquela conjuntura e com aquele poder de persuasão.
    Podem apedrejar, mas não consigo desconsiderar a pessoa e a conjuntura. Como se explicar alguns fatos recentes de nossa história? Menos graves, porém reflexo da mesma unanimidade (burra, como diria Nelson Rodrigues).
    Quem ousava, há bem pouco tempo, dizer em público que um certo presidente nunca trabalhou, enganou todo mundo com aquela lábia e cara de bonachão, enriqueceu pelo menos uma das crias?
    Quanto ao seu rigor com questões religiosas, ora, são questões religiosas aceitam quem quer e quem quer seguir o rigor da religião que escolheu.
    Ora (mais uma vez), não é essa a religião que vem perdendo seus fiéis. Pois então, deixe que ela perca cabeças de seu rebanho com um mínimo de coerência. Vejam que não digo que é sempre coerente, mas, no caso do preservativo tenta ser.

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  2. Sexo? Culpa. Desejo? Fome. Epidemias? Resignação. Ignorância? Morte. Prazer? Remorso. Liberdade? Sofrimento. Dúvida? Pecado. Amor? Poder.

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