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sábado, 3 de março de 2012

FELIZ POR NADA

Ao ler o livro de Martha Medeiros – Feliz por Nada – Ed. L&PM – Porto Alegre – 2011 – 216 págs – um sentimento me acompanha: a inveja. Inveja por reconhecer nela alguém que alcançou o maior anseio que um comunicador – como ela em dado momento se auto-qualifica – qual seja, de encontrar um meio de expor suas idéias – e tendo o devido alcance para elas.

O livro consta da lista dos 10 mais vendidos já há algum tempo, neste momento em que escrevo estas breves linhas. Acredito que o maior mérito desta cronista, com trabalhos publicados no Zero Hora e no O Globo, é a utilização do bom senso na construção dos seus argumentos. Não que ela não aponte algumas vezes atitudes ou atos que vão na contramão do socialmente aceito. Mas mesmo nessas ocasiões a justificativa para tal encaminhamento segue um encadeamento de idéias que é difícil de se contrapor.

Dessa forma ela vai abordando o leitor com aquela cadência de bate-papo, de uma boa contadora de histórias, expondo sua opinião sobre os mais diversos assuntos. Em geral, o relacionamento humano perpassa todos eles nos seus mais diferentes níveis, mas especial ênfase é dada em como conduzir a vida a dois, quer sejam um casal, quer seja o relacionamento de ti para consigo mesmo. Ou seja, o diálogo é enaltecido, até o mesmo o auto-diálogo (não confundir com um monólogo. Neste último existe a possibilidade de não se estar escutando o interlocutor).

Dentre os inúmeros textos apresentados, abrangendo o período que vai de junho/2008 a maio/2011 dois exemplificam bem o que coloco acima – “A Fé de Uns e de Outros” (163-164) e “Diversão de Adulto” (193-194). No primeiro, correndo o risco de tocar um tema polêmico – “Sei que sou uma desastrada em tocar num assunto que deixa meio mundo alterado. Daqui a cinco minutos minha caixa de e-mails estará lotada de ataques, [...]” – a relação entre a concepção da homossexualidade e os preceitos religiosos – em especial os católicos – mas não deixando de fazê-lo, em favor da sua coerência como ser humano, disposta a expor seu pensamento; e no segundo indo contra a corrente tão em voga nos dias de hoje que é a do endeusamento da juventude e seus ideais – “A verdadeira liberdade está em já ter feito vestibular, já ter terminado a faculdade, já ter casado, já ter tido filhos, já ter conquistado estabilidade profissional, já ter separado (é facultativo) e, surpreendentemente, ainda não ter virado um fóssil”.

Se, em dado momento, me fosse feita a pergunta “mas é uma escritora sem defeitos?”, eu diria que não, que ela padece de um defeito que é igual ao que todos que se propõem se expor ou expor suas idéias padecem: a ótica sempre será enviesada em função de suas experiências. Mas aí eu lhes pergunto: mas de quem não é? Existe o escritor totalmente isento, até mesmo de si mesmo e de suas referências? Claro que não. Ela apresenta os temas que aborda sob uma ótica tipicamente feminina – e por vezes feminista. Mas toda mulher que é uma batalhadora dos dias atuais se vê quase que instada a se posicionar de maneira clara, para não deixar brechas para interpretações dúbias a respeito de suas posturas. E desse tipo de luta a Martha Medeiros não foge.

Enfim, sempre leio seus textos, quando os tenho a mão, no jornal O Globo. E agora me sinto mais instigado a continuar lendo-os. Quando não seja pela pura curiosidade de me divertir e relaxar numa tarde de domingo, que sejam para continuar na eterna peleja dos homens de tentar – e somente tentar – entender um pouquinho melhor as mulheres. Estaria eu sendo sensato? Mais uma vez recorro à autora, no texto que é quase uma auto-definição da mesma. Em qual tribo eu me encaixo? Deixo para vocês a conclusão final:

“Reconhecê-los [os sensatos] não é difícil. Eles costumam ser objetivos em suas conversas, dizendo claramente o que pensam e baseando seus argumentos no raro e desprestigiado bom-senso. Analisam as situações por mais de um ângulo antes de se posicionarem. Tomam decisões justas mesmo que para isso tenham que ferir suscetibilidades. Não se comovem com os exageros e delírios de seus pares, preferindo manter-se do lado da razão. Serão pessoas frias? É o que dizem deles, mas ninguém imagina como sofrem intimamente por não serem compreendidos”- págs. 129-130 – “A Nova Minoria”.

Um comentário:

  1. A leitura nos alimenta. A escrita nos expõe. Invejo a desenvoltura de quem escreve com tamanho despudor sobre o que é, sente, pensa. Martha Medeiros encontrou um canal de comunicação com uma variedade de públicos que não me surpreende que até o mais exigente encontre em uma crônica ou outra algo que lhe sirva pelo menos de lanche.

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